sexta-feira, dezembro 21, 2007

A Manjedoura da Vida

. Josefa de Óbidos - Natividade

“Então, querem saber o que os Superherois andaram a fazer! Cusquinhas....”, eu a tentar trazer a Luísa e a Ana mais para a conversa.


Não me digas que depois dos amores dos átomos agora vamos ter Superamores!”, a Luísa ri-se com o desprendimento que a caracteriza.


“Amores não, mas romance!” O romântico Supercêodois materializa o seu amor com belos cristais que oferece à sua amada Superágua! Não é bonito?”


Eu preferiria diamantes, já agora...eheh


“Interesseira!! Diamantes? Poof, isso não passa de um cristal incolor, sem graça... o Supercêodois fez coisas muito mais belas! Claro que é preciso ter olhos de Superágua para apreciar a beleza única das construções que o Supercêodois fez.”

"Pronto, está bem, já me despertaste a curiosidade”, uma contagiante gargalhada, aquela explosão de alegria tão natural na Luísa, sublinha a frase, “diz lá o que é que o Super –cê-oohoh-dois inventou!”


“Ele fez uns cristais muito especiais... já que falamos em cristais... Mário, sabes como é que se produzem cristais, por exemplo, de quartzo?”


Isso é um teste? Eh eh... esqueces que estás a falar comigo por certo! Os cristais de quartzo produzem-se pelo método hidrotermal, que foi inventado pelo senhor Bunsen, muito conhecido dos alunos de química.


“E em que consiste?”


Então, usa-se a água como solvente a pressões e temperaturas elevadas; o Bunsen usou uma pressão de mais de 100 atmosferas e mais de 200 ºC para os cristais que fez, numas ampolas de vidro espesso, hoje usa-se uma autoclave. Pequenos grãos da substância a cristalizar são fornecidos ao solvente, saturando-o, e depois, por um abaixamento de temperatura, o solvente fica supersaturado e origina a cristalização.”


“Portanto, para produzir um cristal precisas de um solvente apropriado que, ao supersaturar origina o crescimento do cristal; e sabes porque é que eu estou a falar de cristais, não é verdade?”


Penso que sim, alguns cientistas sustentam que o processo de formação dos polímeros orgânicos deverá ter sido um processo do tipo da cristalização.”


“Aí está meninas, o que o Supercêodois fez: cristais orgânicos, longas cadeias de monómeros, fascinantes criações, cheias de beleza e variedade aos olhos encantados da Superágua!”


Aí está?!?”, o Mário com ar de meio-riso, “não estou a ver... fez como?”


“Ora ora Mário, estou surpreendido... “, tiro os gráficos da minha pastinha e mostro-o ao Mário, “olha aqui a temperatura e a pressão do H2O; penso que consegues descrever às nossas princesas como seria nos primeiros tempos a atmosfera terrestre, não é?”


O Mário lança-me um olhar entre o surpreendido e o curioso, debruça-se sobre os gráficos.
Bem, no primeiro meio milhar de milhão de anos, teríamos então uma atmosfera aí de 300 atm e uma temperatura de superfície de muitas centenas de graus segundo dizes; na base da atmosfera dominaria então o CO2 supercrítico, algumas quantidades doutros gases como o N2O, também supercrítico, a que se sobrepunha a tua Superágua, depois vapor de água e outros gases como o NH3.


“Exactamente!”, fiquei sinceramente surpreendido com a facilidade com que o Mário tinha identificado o cenário, “de certa forma, podemos dizer que o primeiro oceano foi de CO2, não é verdade?”


De certa forma sim... embora não seja o mesmo que um líquido, tem menos viscosidade e maior capacidade de difusão... vá lá, seria uma espécie de oceano eheh.”


Então, e o oceano de água?”


“Ana, a água líquida só apareceu quando a temperatura da Terra ficou abaixo da temperatura crítica da água, 374ºC, o que só aconteceu há 3,8 mil milhões de anos, cerca de 800 milhões de anos depois da sua formação; isto porque a Terra estava muito mais próxima do Sol do que está hoje, como vos disse.”


Então, existia uma espécie de oceano de CO2 e depois, há 3,8 mil milhões de anos, apareceu o oceano de água?”


“Exactamente Ana! Vejamos agora o que é que o Mário, grande especialista na formação de cristais, pensa que se poderia passar nessa espécie de oceano de CO2!”


Sendo o CO2 um solvente dos compostos orgânicos, parece-me que uma espécie de oceano de CO2 em arrefecimento seria um bom meio para os monómeros orgânicos se ligarem num processo com semelhanças com o crescimento dum cristal... ou seja, a Superágua ia fabricando os monómeros, fornecendo ao CO2, que ia formando os polímeros...


“Exactamente; e um dos problemas da formação dos polímeros é que a ligação entre os monómeros liberta moléculas de água e é preciso um meio que extraia essas moléculas de água, o CO2 podia ser esse meio.”


“...e podiam surgir polímeros autoreplicantes, que teriam condições ideias para a autoreplicação... embora a duplicação dos cromossomas seja um processo muito complexo, experimentem ir à Wikipedia consultar «replicação do ADN» e verão...”,


o Mário a pensar em voz alta, os olhos brilham agora com um entusiasmo novo, deixou cair a atitude de simpatia polida e distante,


“...o aparecimento da água veio estragar a festa dos polímeros no banho de CO2, será então com a água que as membranas ganham importância... não necessariamente, mesmo no oceano de CO2 podiam já ter servido para proteger uns polímeros de serem canibalizados por outros... e com a água acaba-se a «sopa orgânica»... hummm... com a água, a essa temperatura e pressão, os polímeros poderiam ser hidrolisados, desmontados... as membranas seriam indispensáveis à protecção dos polímeros...”,


o Mário está lançado, as hipóteses surgem-lhe na mente em catadupa, vou atalhar:


“Pois é, a água representou um desafio novo, seleccionou as estruturas formadas no oceano de CO2, que passaram a ter de existir num meio adverso, onde os nutrientes, ou seja, os monómeros, passaram a rarear; mas foi este meio adverso, a água, que forçou a degrau evolutivo seguinte, a criação da individualidade, ou seja, da célula; depois, esta tem de se dividir para aumentar as possibilidades de conseguir nutrientes – a célula que se divide tem vantagem sobre a célula que cresce.”


Mas isso não implica que se tivesse formado Vida!”, a Luísa espetando o dedo.


“Claro que não! Mas o Mário concordará que se tivesse de definir as condições ideais para se formar Vida, essas condições seriam estas ou próximas! A prova é que nós, quando pretendemos fabricar produtos semelhantes escolhemos este tipo de condições”, o Mário diz que sim com a cabeça.


E onde é que isso altera as contas do Fred Hoyle?”


“O Fred Hoyle fez as contas como se os átomos das 200 000 proteínas que usamos se tivessem juntado por acaso de entre os muitos átomos existentes; ora nas condições iniciais da Terra os monómeros formaram-se necessariamente e, portanto, a probabilidade é só a dos monómeros se ligarem pela ordem certa; depois, não é preciso as 200 000 proteínas para se formar a Vida, bastará umas moléculas de RNA encapsuladas; ele incluiu a evolução no cálculo mas essa é outra questão.”


Mas qual é a probabilidade pelas tuas contas então?”


“Neste modelo de Terra «autoclave», a quantidade de monómeros que se formam é muito elevada, basta pensar que existem perto de 10 elevado a 46 moléculas de água, ou seja, um “1” seguido de 46 zeros; o tempo para ensaiar diferentes combinações foi de centenas de milhões de anos, ou seja, uns 10 elevado a 16 segundos; nestas condições pode ser alta a probabilidade de obter sequências específicas de comprimento superior à centena de monómeros, o suficiente para iniciar processos de Vida; a formação da Vida na Terra passa de acontecimento improvável a acontecimento possível.”

"Então achas que não existiu a intervenção de um Criador?”


“Credo, que ideia! Eu sei lá se existiu um Criador ou não. Isso é irrelevante!! Porque, bem vês, se existiu um Criador da Vida, certamente que fez como nós faríamos: criou a vida usando os processos adequados. Ou seja, não esteve a ligar os átomos um a um em condições adversas. Com ou sem um Criador da Vida, as condições em que a Vida surgiu têm de ser as mais adequadas ao processo de fabrico das suas peças!”


Nunca tinha pensado nisso... ou melhor, não tinha pensado que pudessem existir condições aparentemente tão favoráveis...”


“O cenário que apresentei parece conduzir necessariamente ao tipo de estruturas de que a Vida é feita, portanto, o caminho para entender a Vida pode iniciar-se aqui. Mas só é possível encontrar este início sabendo o como e o porquê do fenómeno que faz a Terra afastar-se do Sol, a Lua afastar-se da Terra e o Universo parecer expandir.”


E quando é que vais falar disso?”, a Luísa sempre directa ao assunto.


“ Eh eh.. se eu te dissesse agora tu não irias acreditar, há umas quantas coisas que é preciso perceber primeiro... vais ter um choque tão grande como o dos contemporâneos de Galileu... tem calma, tem calma, que lá chegaremos!”


Sabes que há um brasileiro, como é que ele se chama... Félix de Sousa, que fez uma teoria, a Ecopoese, em que defende que a Vida teria de se originar em condições supercarbónicas do tipo do que tu dizes; o problema da teoria dele é que não tem maneira plausível de explicar como é que essas condições se produziram. É curioso porque a tua teoria de que a Terra estava mais próximo do Sol fornece exactamente as condições necessárias.”


“Olha que interessante! Tenho de ver isso! Mas não penses que a variação da distância da Terra ao Sol marca apenas a origem da Vida. Marca toda a evolução da Vida. Queres perceber porque é que os Dinossáurios, os seres vivos mais avançados na altura, se extinguiram, e outros mais primitivos não?”


Ena, então isto tem continuação!”, de novo o riso alegre e contagiante da Luísa.


Se marca toda a evolução da Vida, também marcará o nosso futuro?”, finalmente oiço a minha adorada Ana, que encontrou a oportunidade de fazer uma pergunta inteligente, como é seu timbre.


“Claro Ana! Queres saber o que A VIDA ESPERA DE NÓS?”

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Os Humanos não são Deuses

O Alf resolveu de vez em quando vir aqui dizer das dele. Enfim, há que ter alguma paciência... e sempre se vai aprendendo alguma coisa sobre os humanos...

Parece que os Humanos não percebem que não são deuses. A sua posição de superioridade em relação aos restantes habitantes da Terra impede-os de terem uma perspectiva das suas limitações.

E, como não são deuses, erram! Constroem sistemas, sociais, políticos, científicos, tecnológicos, convencidos de que esses sistemas são perfeitos; bem, se os humanos fossem perfeitos, qualquer sistema seria perfeito; mas como os humanos são limitados, nenhuma sistema é perfeito.

Convencidos como estão da perfeição dos seus sistemas, passam a vida a acusarem-se uns aos outros das coisas que não correm como gostariam.

É tão engraçado!!! A política não funciona porque os políticos devem ter sido escolhidos entre os piores, com a justiça idem, a polícia idem, a informação idem, o ensino idem, a ciência idem...

Diz a Alita que os humanos carecem sempre de encontrar um culpado para tudo o que lhes corre menos bem - evitam assim ter de fazer o esforço de compreender os problemas em toda a sua complexidade e ter de enfrentar as suas próprias responsabilidades. Thssss, thssss, thsss, assim não vão lá....

Esqueçam os "culpados". Simplesmente, os Humanos não são deuses, estão muito longe da perfeição. Aprendam com os erros e encontrem soluções para eles. Os erros são descobertas. Não dizem os Humanos que só não erra quem nada faz?

Os Humanos têm de construir o Paraíso na Terra! Ainda não conseguiram pois não? Então, vão em frente!

Ahh, e mais uma coisa: nesta vossa caminhada, as soluções que eram boas ontem são más hoje e as boas para hoje serão más amanhã. Por isso os sistemas têm de estar sempre em mudança, e isso é um bom sinal, sinal de que estão vivos e em movimento.

Tulito

terça-feira, dezembro 18, 2007

pseudo-ciência

Aqui e ali, a pouco a pouco, a ciência vai degenerando em pseudo-ciência, qual lepra tenebrosa que corroie a face e a alma da ciência. O falhanço das teorias fundamentais, que se mostram incapazes de prever ou explicar os resultados das observações que se fazem em áreas importantes, abriu a porta da oportunidade a alguns pseudo-cientistas, alimentados pelos media e por interesses políticos e económicos. Serão uma minoria, mas são suas as mãos que recebem dinheiro e poder e são, portanto, suas as mãos que comandam em vários domínios da Ciência.

Para que não pensem que isto são palavras ocas, aqui vos deixo uma entrevista do Rui Moura que mão amiga me enviou. Muito interessante e esclarecedora.

(a conversa do Jorge segue já já a seguir, não se impacientem)

Alf

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Fluidos Supercríticos: os Superheróis da Vida


. Jacques-Louis David– Eros e Psique


Nós, temerosas criaturas, vivemos obcecados com o poder destrutivo de qualquer coisa que seja mais poderosa do que cada um de nós. Quando falamos da força da Natureza estamos a falar das tempestades, dos furacões, dos terramotos, dos raios. Mas a força da Natureza não está nessas pequeninas perturbações que nos incomodam, evidentemente, está em todos os processos que mantêm a vida, que actuam duma maneira tão suave, poderosa e continuada que não damos por eles.”


Hummm.... estás a falar dos Superheróis então!! Ah ah!”, o vinho do jantar deve estar a subir à cabeça do Mário... mas até que não é má ideia!


Exactamente, Mário, acertaste!”, o Mário perdeu o riso subitamente, consegui surpreendê-lo, “A Natureza tem Superheróis que se encarregam de manter o Universo nos trilhos!”


Como é isso?


É verdade Luísa. E vou apresentar-vos os dois Superheróis que são responsáveis pela montagem do Boeing da Vida! Ou melhor, o Mário é que vai apresentar-vos!!”


Eu??? Que estás tu para aí a dizer? Quais Superheróis??”, a Luísa e a Ana desmancham-se a rir com o ar de pânico do Mário, continuo, sem evitar um sorriso maroto:


Sabes o que é um fluido supercrítico, não sabes?”


Claro que sei!!”, o Mário entre o sentir-se ofendido ou espantado.


Então explica aqui às nossas meninas o que é isso.”


Um pouco hesitante o Mário; percebo que está a ver se entende onde quero eu chegar; mas lá começa, a falar para elas e a olhar para mim pelo canto do olho:
Por exemplo, a água. Sabem que se aquecerem água, ela passa a vapor de água; se arrefecerem o vapor, condensa-se em água. Certo?


Sim, até aí ainda vamos!”, a Luísa com ar aliviado.


Pois bem, essa mudança de estado vapor-líquido deixa de ocorrer acima de determinada temperatura ou pressão. Se aquecerem água acima de 374 ºC, podem comprimi-la o que quiserem que ela nunca se torna líquida; se aumentarem a pressão acima de 218 atmosferas, também não é possível liquefazer a água. Acima de 374 ºC ou 218 atmosferas de pressão deixa de haver esses dois estados distintos, líquido e gasoso, para existir apenas uma variação contínua das propriedades do fluido «água» em função da pressão e da temperatura. O ponto 374 ºC e 218 atm chama-se o ponto crítico da água. Quando a água excede um pouco estes dois valores, diz-se que é um fluido supercrítico.”


Mas que estranho; mas aí a água comporta-se como líquido ou como vapor?”


Podes dizer que é uma espécie de líquido mais compressível... ou de vapor menos compressível e mais denso... enfim, está entre os dois, com propriedades que variam com a pressão e temperatura...”


E esse é que é o Superherói?”, a Luísa com ar algo desiludido.


Um deles! O outro é o Dióxido de Carbono.”


O Dióxido de Carbono?? Então esse não é o Vilão? Rimo-nos os três com a resposta da Luísa.


Então Luísa, não sabes que os Superheróis são sempre confundidos com Vilões?” Rimo-nos novamente, o vinho do jantar tinha tornado o riso fácil.


Já não me lembro exactamente do ponto crítico do Dióxido de Carbono...


73 atmosferas e 31 ºC.”


Então, nas condições iniciais da Terra, segundo as tuas ideias, teríamos Água Supercrítica e Dióxido de Carbono Supercrítico...”, o Mário sentia que estava a chegar perto do que eu queria dizer.


Exactamente! E já sabemos que uma mistura de água Supercrítica com Azoto, Oxigénio e, ou, Dióxido de Carbono, origina compostos de Azoto, porque é essencialmente nisso que consiste o processo industrial para a sua produção. Portanto, sem dúvida que a Água Supercrítica é um Superherói desta história, ou melhor, uma Superheroína! Ela é essencial à formação dos monómeros orgânicos.”


E, claro, o Dióxido de Carbono supercrítico há-de ser o Superherói! Só não entendo uma coisa: não dizes que o Dióxido de Carbono é quase inexistente na atmosfera, um gás raro?


Isso é hoje Luísa; a abundância do Carbono no Universo é muito grande, metade da do Oxigénio; se pensares que só o Oxigénio que existe na água hoje chega para 270 atmosferas de vapor de água já tens uma ideia da quantidade de Carbono que pode existir na Terra. A quantidade de Carbono sedimentar conhecida poderia ter originado cerca de 50 atmosferas de CO2 na Terra primordial. Tudo indica que a Terra terá tido uma importante quantidade de CO2, o qual diminuiu rapidamente por dissolução nos oceanos e por processos químicos.”


Mesmo assim, o Superherói era anão ao pé da Superheroína! Mulheres primeiro!”, a Luísa de punho no ar e ar de riso. “Não sabes que os homens não se medem aos palmos?” pergunto de imediato, possibilitando mais um momento de gargalhadas, que os vapores etílicos estavam a pedir. Recomeço:


Mário, sabes para que se usa industrialmente este Superherói?”


Bem, tanto quanto me lembro é um poderoso solvente de compostos orgânicos... usa-se, por exemplo, para extrair a cafeína do café...


Pois é, a Superheroína é especialista em lidar com os elementos, o Superherói com os compostos orgânicos. Vamos agora ver o que é que estes superheróis andaram a fazer na Terra primordial."

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Os Amores dos Átomos

As Estrelas fabricam incansavelmente elementos cada vez maiores, 10 protões no núcleo, 20, 100, ... mas são sempre átomos, não passam de átomos, e a partir de certo tamanho são instáveis, não adianta fabricá-los porque decompõem-se em pouco tempo. Mas como é isso o que as Estrelas sabem fazer, elas, incansavelmente, vão sempre fabricando átomos e espalhando-os pelo espaço circunvizinho, originando os sistemas planetários. Noutra altura contarei como nasce um Sistema Planetário, agora vou-vos contar a mais linda história de amor.”


Ah, isso sim, conta lá”, os olhos da Luísa a brilharem de entusiasmo,


Não há amor mais forte e constante que o do Hidrogénio e do Oxigénio. Sabem, os cientistas que deram nome aos elementos percebiam pouco destas coisas do Amor, coitados, sempre metidos nos seus laboratórios e, não percebendo que eles têm sexo, deram aos elementos nomes masculinos. E, imaginem, inventaram escalas de electronegatividade para medir uma coisa que não passa de atracção sexual!”


Ah ah”, ri-se o Mário, “Luísa, sinto que há uma grande electronegatividade entre nós!”, Luísa ri-se e eu continuo:


O Hidrogénio é um macho galanteador e apaixonado, mas o elemento mais abundante a seguir, o Hélio, é assexuado, um solitário convicto. As damas disponíveis são o Carbono, o Azoto, o Oxigénio e o Flúor. O Flúor é cá uma sereia... o Hidrogénio perde completamente a cabeça com o Flúor! Uma paixão tão intensa que pode acabar em explosão. Felizmente o Flúor é raro, se fosse abundante como os outros três teríamos um Universo muito truculento. O Carbono, ao contrário, tem claras tendências bissexuais, tanto fazendo uniões com o másculo Hidrogénio como com a feminina Oxigénio.”


Essa do Carbono bissexual é boa...”, o Mário está divertido com a ideia.


O Azoto (N) é uma fêmea pouco namoradeira, de sedução não percebe nada, e é preciso muita pressão para a conseguir convencer a unir-se seja a quem for. Digamos que é tipo Aquário, assim mais virada para a Amizade do que para o Amor.”


Ah ah, para o que te havia de dar!!”, o Mário está divertido, ainda bem, continuo:

É, pois, apenas com o Oxigénio que o Hidrogénio pode viver um grande amor, intenso, estável, fiel, dando origem ao mais abundante dos compostos, a Água.”


Mas o Oxigénio não é um elemento pouco abundante? pergunta a Ana.


Não, apenas o assexuado Hélio é mais abundante que o Oxigénio, excepção feita ao Hidrogénio evidentemente. O Carbono tem metade da abundância do Oxigénio e o Azoto apenas um sexto.”


Então a Água é o composto mais provável do Universo, resulta da ligação entre os dois elementos reactivos mais abundantes...”, a Ana a pensar em voz alta, imagino que estivesse convencida de que a água fosse rara...


A Água está para os compostos como o Hidrogénio para os elementos. E agora que estamos a par da dança amorosa dos elementos, é fácil entendermos o que aconteceu na Terra. Logo no início temos a formação de maciças quantidades de água. Como a Terra era muito quente, a Água só podia existir como vapor. Na Terra, existe hoje água que vaporizada originaria uma atmosfera 270 vezes maior que a actual, portanto este é o primeiro acontecimento da química terrestre, uma atmosfera de vapor de água possivelmente superior a 270 atmosferas, um ambiente dominado pelos 5 elementos a uma temperatura superficial de muitas centenas de graus. O que é que acham que vai acontecer?”


Suponho que o Carbono e o Azoto não se deixaram ficar solteiros, perdão, solteiras ahah...”, a Luísa sempre esperta.


Pois claro que não! Já vos disse que vapor de água a alta pressão e temperatura sobre carbono produz petróleo, ou seja, hidrocarbonetos, que são compostos de Carbono e Hidrogénio; e também vos disse que a essas pressões e temperaturas o Azoto condescende a ligar-se aos outro elementos”.


Portanto”, o Mário com ar interessado, “ formam-se todos os compostos simples entre os quatro elementos reactivos mais abundantes:

H e O formam água
C e O, o dióxido de carbono
H e N, a amónia
H e C, os hidrocarbonetos, que são o petróleo e o gás natural,
H, C e O, os hidratos de carbono, como os açucares,
H, C, N e O, os outros compostos de azoto da química orgânica
.”


Exactamente Mário, como já percebeste a Terra era uma espécie de autoclave gigantesca, produzindo as combinações possíveis dos 4 elementos reactivos mais abundantes, a que chamamos compostos orgânicos. Nessa autoclave produziram-se em quantidades maciças os tijolos que a Vida usa.” Observo o Mário pensativo, estranhará que afinal fosse tão fácil perceber como se formaram os tijolos da Vida.


Então porque é que fizeram aquele modelo com as faíscas para gerarem esses compostos?”, a Ana desconfiada.


Porque não perguntaram ao Jorge!”, o Mário desata a rir e contagia-nos. Lá me controlo. Ocorre-me responder com uma pergunta: “ E porque é que acreditaram durante tantos séculos que o Universo inteiro rodava à volta da Terra?”


Talvez porque tenhamos grande dificuldade em conceber modelos em conflito com a nossa experiência sensorial...”, o Mário a pensar em voz alta... estou a gostar de ouvir, eu já tenho dito que os cientistas tendem sempre para os modelos primitivos que resultam da nossa aprendizagem empírica através dos sentidos...


E aquela conversa da bissexualidade, o que é que tem a ver com a formação destes compostos?”


Então Luísa, não vês que é o Carbono, ao unir-se simultaneamente ao Hidrogénio e Oxigénio, que origina os hidratos de carbono, o primeiro composto de 3 elementos? Sem a bissexualidade do Carbono esta forte união não seria possível! E esta união é o núcleo de toda a química da Vida porque o Azoto apenas vai estabelecer uma relação de amizade, a que se seguirão outras. Todas essas relações de amizade são indispensáveis, mas o núcleo forte é a relação tripla do Hidrogénio, Carbono e Oxigénio; uma relação forte porque é uma relação de Amor, impossível sem a bissexualidade do, ou da, Carbono!”


Estás cá com uma conversa...eheh... Luísa, e se arranjássemos uma carbonazinha para formarmos um hidrato de carbono?”, o Mário está muito divertido. Nos olhos da Luísa corre um brilho travesso.


Estás sem sorte! Os hidratos de carbono engordam! E se arranjássemos antes um hidrogéniozinho para formarmos uma molécula de água?"


Bem, esquece, esquece, os amores dos átomos não são exemplo para nós eheh!”


Os olhos semicerrados da Luísa indicam-me que ela procura uma resposta... mas não, endireita-se, vai tentar falar a sério, vira-se para mim:
Esta tua interessante explicação ainda é apenas a primeira fase do processo da Vida; até agora, é apenas como se tivéssemos as peças dum avião; e a montagem das peças, a construção do avião?”


Como verás Luísa, os cálculos do Fred Hoyle estão errados; a magia do Universo em nada é inferior à do Luis de Matos: com a maior das facilidades realiza o que parece impossível!”


Sim?! Então explica!”

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Fábricas de Fábricas de Fábricas...

Imagem: visão artística da Via Láctea; fonte Wikipedia

O dedo de Deus tocou este Universo e o Espaço abriu-se em electrões e protões, incontáveis, enxames imensos de partículas em que todo o espaço se transformava, luz e balbúrdia onde momentos antes reinava uma paz quase absoluta. Mal eram nascidos, logo protões e electrões corriam a abraçar-se. Apesar do sexo ainda não ter sido inventado, o Universo enchia-se de alegres pares, o louco electrão dançando à volta do sensato protão. Estava criado o Hidrogénio. Aqui e além, amizades mais estreitas formavam uniões maiores, como o Hélio, que reunia dois protões a dois electrões com a ajuda de dois neutrões, pacata figura nascida da fusão de electrão e protão.”


Oh pá, deixa-te lá disso se queres que eu faça comentários sérios às tuas ideias”, o Mário, pelos vistos, não apreciou a minha abertura. Mas estou a gostar de ver o ar de espanto da Ana e da Luísa. O pior é que a interrupção do Mário cortou-me a inspiração...


Bem”, mãos em oração imitando o Mário, desperto umas risadinhas,” a Matéria começou na forma de partículas que se ligaram formando Hidrogénio, o mais simples de todos os átomos. Também se formou um pouco de Hélio e mais alguns elementos leves, em quantidade residuais. Iniciou-se então um processo de organização dos átomos, conduzido pelo campo gravítico, que levou à formação de Galáxias. O que são as Galáxias?”, deixo a pergunta no ar.


São grandes grupos de estrelas” diz, convicta, a Luísa.


Que ideia! Essa definição pressupõe que as estrelas se formaram primeiro e se juntaram depois em grupos! Nada disso, é ao contrário, os átomos é que foram organizados em Galáxias. E as Galáxias são fábricas de Estrelas! É isso que as Galáxias fazem: fabricam Estrelas! E o que são as Estrelas?”


Ora, são uma fonte de energia, de luz e calor”, a Luísa a despachar.


Nada disso.”


Não?!?”, admiram-se as duas.


Não, as estrelas são as fábricas dos Elementos. No interior das Estrelas fabricam-se todos os Elementos naturais do Universo, como o Carbono, o Cálcio, o Fósforo, o Ferro, etc.. E o que fazem as Estrelas com os Elementos que fabricam?”


Acumulam-nos no interior?


Nada disso! As Estrelas usam os Elementos para produzir a organização seguinte, os Sistemas Planetários. E sabem o que são os Sistemas Planetários?”


São os planetas... arrisca a Ana, sabendo que não deveria ser bem essa a resposta.


São as fábricas dos Compostos; tal como as Estrelas fabricam os diferentes Elementos, os Sistemas Planetários fabricam os Compostos.”


Espera aí, tenho de te pôr um travão!”, eh lá, que quererá o Mário contestar?


Da maneira como descreves as coisas até parece que toda essa sequência tem um sentido determinado, determinístico, quando na realidade tudo resulta do acaso e do campo gravítico; a probabilidade de se gerar um planeta como a Terra é baixíssima e como tu estás a dizer parece ser uma inevitabilidade; estás para aí a contar um conto de fadas e depois eu não tenho uma base séria para poder discutir o que disseres”.


Ah, mas aí é que te enganas Mário! Eu não estou a contar conto de fadas nenhum. É mesmo como eu disse: o Universo vai passando por níveis de organização sucessivos, cada um é uma consequência necessária do anterior, e faz isso com uma eficiência espantosa. Sabes bem que existem estrelas quase tão antigas como a própria matéria não é verdade? Tão pouco tempo depois da criação da matéria e já vastas regiões do espaço se esvaziaram e os átomos que as ocupavam já estão organizados em galáxias e a produzir estrelas?! que tal como exemplo da eficiência do Universo? E o Universo é igualmente eficiente a produzir sucessivamente Galáxias, Estrelas, Elementos, Sistemas Planetários, Compostos, Vida. Estás muito enganado quando pensas que a Terra é um acontecimento improvável. A verdade é que o teu modelo de Universo está muito errado. Com o tempo mostrar-te-ei como o Universo é subtil, fascinante, muito diferente do modelo simplório que tens na cabeça!”, bolas, não devia ter sido tão agressivo, chamar simplório ao conhecimento dele...


Eu fico à espera que me mostres isso eheh. Mas não era da origem da Vida que ias falar?”, o Mário é um senhor, sem dúvida, sabe ultrapassar os momentos difíceis. Agradeci-lhe silenciosamente. Continuei:


Como muito bem disseste, a primeira fase do problema da origem da vida é a formação dos compostos ditos orgânicos. Os Compostos, como disse, são fabricados nos Planetas.
Os Planetas são formados inicialmente por poeira das estrelas, como já ouviram dizer; esta poeira são os Elementos, porque é isso que as estrelas fabricam.”
Faço uma pausa, não sei bem como encadear as ideias, tenho de ser simples e claro... vem-me uma ideia:


Como disse, os Planetas são fábricas de Compostos; mas não são as únicas!!! Nós, os humanos, também somos capazes de fabricar compostos; querem ver como é que nós fazemos alguns compostos orgânicos, compararmos a nossa inteligência com a da Natureza?” Uma pausa, não há comentários, Luísa afoita-se:


Sempre quero ver aonde tu nos levas com essa conversa...”


A ver estrelas Luísa, pois então! Sem maldade...”. Rimo-nos. Continuo:


Vejamos então como se sintetizam hidrocarbonetos, ou seja, cadeias de átomos de Carbono e Hidrogénio, os chamados combustíveis fósseis, como o petróleo, e como se sintetizam compostos de Azoto, usados como fertilizantes. Para a síntese de hidrocarbonetos usa-se o processo de Fischer-Tropsch, que consiste em fazer reagir monóxido de carbono, CO, com hidrogénio, a uma temperatura entre 200ºC e 400ºC e a uma pressão superior a 30 atm, ou seja, 30 vezes a actual pressão atmosférica.”


Estás a dizer que se sintetiza petróleo? Luísa muito intrigada.


Claro que se sintetiza e já há fábricas em vários países, como a Sasol, na África do Sul; mas não é um processo barato e tem de recorrer a outras fontes de energia, não estejas a pensar que a síntese do petróleo vai resolver os problemas energéticos”, riu-me.

"Já sei que não há almoços grátis”, Luísa rindo-se, “mas continua.”


Também há outros processos, como o de Bergius, uma reacção entre Carbono e Hidrogénio a uma temperatura de 400 a 500 ºC e uma pressão de 200 a 700 atm. Ou seja, e é isto que nos interessa, para produzir petróleo é preciso uma fonte de Carbono, como o carvão, e Hidrogénio, fazer reagir com a ajuda de um catalisador como o Ferro, em condições de pressão e temperatura adequadas, não menos de 200 ºC nem menos de 30 atm.”


Fácil!


Assim dito, parece, mas há umas delicadezas. Vamos agora aos compostos de Azoto. Não é fácil. Inicialmente usou-se o arco eléctrico, como fez Miller na sua famosa tentativa de provar a teoria de Oparin para a origem da Vida. Hoje, começa-se por produzir amónia, NH3, e é a partir da amónia que se produz a Ureia por reacção com o dióxido de carbono, e o ácido nítrico por reacção com o Oxigénio. Para produzir a Amónia usa-se o processo de Haber-Bosh, que consiste em misturar Azoto e Hidrogénio a uma pressão de 200 atm e temperatura de 450 ºC. Como o Hidrogénio tem de ser obtido a partir do vapor de água, estudam-se métodos que visam obter directamente compostos de Azoto a partir de uma mistura de Azoto, vapor de água e Oxigénio, a pressões acima das 300 atm e temperaturas acima dos 550 ºC. Ora, o que é que há em comum nestes processos de síntese de compostos orgânicos?


Aparentemente, basta misturar os gases a elevadas temperaturas e pressões...”


Agora acertaste Luísa eheh! Vamos então ver como é que a Fábrica de Compostos «Terra» funcionou.”