domingo, maio 30, 2010

Conheces as tuas Personalidades?


Neo visita o Oráculo que lhe mostra a frase que estaria no templo de Delfos «Conhece-te a ti mesmo»; que tem uma coisa a ver com a outra?


Neste nosso mundo tão globalizado, as pessoas cada vez aparentam mais o mesmo comportamento, seguem o estereótipo em vigor porque nós somos «macaquinhos de imitação»; não é um defeito, é uma característica que ajuda a nossa socialização.

Há apenas umas décadas não havia estereótipos globais: cada pessoa tinha uma personalidade tão própria e característica como os seus traços anatómicos. As idiossincrasias de cada um eram um inesgotável tema de conversa. Havia um certo «culto da personalidade», daquilo que tornava única cada pessoa. Hoje, isso é quase considerado reprovável. Hoje, mesmo as fisionomias se assemelham muito mais, também estas se deixam moldar pelos estereótipos que nos envolvem.

Mas, por baixo desta aparente uniformidade, na nossa profundidade inconsciente, múltiplas personalidades espreitam a ocasião de se afirmarem.

No nosso estado «normal», em que os estímulos externos são de muito baixa intensidade, o Consciente controla o nosso comportamento, e exibimos a personalidade que tão bem conhecemos.

Porém, por debaixo desta tranquilidade, o nosso Inconsciente vigia.

Suponhamos que surge uma situação que nos ameaça – logo o nosso Inconsciente diz ao Consciente «chega para lá» e assume ele o controlo das operações. Instala-se uma nova personalidade. No nosso Inconsciente há um conjunto diferenciado de programas de comportamento, cada um supostamente adequado a um tipo de situação.

Isto é muito claro nas espécies animais, sendo estudado os «deflagradores», isto é, os estímulos que fazem surgir esta ou aquela personalidade – por exemplo, um papagaio de papel com um desenho em cruz com determinadas proporções deflagra o estado de pânico nas galinhas porque dispara o «alarme de falcão». É útil conhecer os deflagradores que fazem os cães atacar... ou fugir. A «dança nupcial» é o deflagrador da sexualidade da fêmea. O comportamento animal é um conjunto de personalidades e para cada situação o cérebro escolhe uma. E em nós acontece mais ou menos o mesmo.

Todos já ouvimos falar de pessoas que têm «mau álcool». O que se passa nestas pessoas é que determinado nível de álcool faz deflagrar uma personalidade violenta. Uma vez deflagrada, o controlo do comportamento é totalmente do Inconsciente. Aqui a deflagração não é uma decisão do Inconsciente, as drogas também podem deflagrar personalidades; mas não é o caso geral.

Há casos extremos fáceis de identificar. Por exemplo, quem vai para a guerra, vai para matar. A sua sobrevivência depende de ser capaz de não hesitar nesses momentos. Se hesitar, morre. Mas no estado «normal» uma pessoa não mata. Então, surge uma personalidade diferente da normal e mais apropriada à situação. Por isso, quem está em guerra realiza barbaridades inconcebíveis no seu estado normal. Barbaridades que não agridem a sua «consciência», pelo contrário. E, como são «normais» nessa personalidade de guerra, nem sequer deixam, muitas vezes, rasto na memória, da mesma maneira de que não nos lembramos do que almoçamos ontem – o que não é relevante não é transformado em memória permanente. Quando uma pessoa regressa da guerra, volta à personalidade «normal» e tudo o que se passou enquanto foi «guerreiro» muitas vezes não deixou traço mais forte do que uma leve névoa na sua memória, como a recordação de um sonho. São as memórias de uma outra pessoa, uma outra personalidade, uma outra vida. Os que regressam psicologicamente traumatizados são os que não aceitaram a deflagração da personalidade de guerreiro.

Porque há tanta confusão num caso de partilhas? Porque nos diversos interessados há uma personalidade que é deflagrada; essa personalidade trata todos os outros como inimigos, e interpreta toda a informação de acordo com esta «verdade» que assumiu.

Os casos extremos são os que envolvem a sobrevivência, a propriedade, a sexualidade, a reprodução; mas as nossas personalidades aparecem em múltiplas situações, mesmo as mais banais; na verdade, em todas as que haja interacção com o exterior – basta estarmos em sociedade para alguma personalidade deflagrar, e esta personalidade depende da situação, das pessoas com quem estamos e até do assunto de conversa; no emprego temos outra personalidade, a guiar temos outra, etc. – para cada situação a sua personalidade.

As regras sociais são estabelecidas para evitar o deflagrar das personalidades potencialmente mais agressivas – a roupa para evitar o deflagrar da sexualidade, embora a moda exista para roçar o limiar desta deflagração, as regras de conversa social para impedir que se aborde temas que deflagrantes, o próprio tom e estilo estudados para esse fim – ou para o oposto, no caso dos discursos políticos ou que visem a manipulação dos ouvintes.

Como nas personalidades deflagradas o controlo pela Razão está diminuído, cometemos erros; para evitar isso, vamos aprendendo a não deixar deflagrar essas personalidades.

Antigamente a interacção com os outros era mais intensa e diversificada, as diferentes personalidades eram constantemente deflagradas, a pessoa ganhava mais consciência delas e aprendia a incorporá-las no seu dia-a-dia; hoje as pessoas vivem em situações muito mais controladas, o estímulo deflagrador é menos diversificado e mais fraco, não se ganha conhecimento delas; e assim, quando um estímulo mais forte deflagra alguma personalidade, não temos a mínima capacidade de a controlar, e fazemos asneiras porque estas personalidades foram construídas para responder a situações do passado.
Em vez de aprendermos a lidar com estas personalidades, ficamos assustados, aprendemos apenas a ter medo delas e a evitá-las. E isso é muito perigoso porque elas acabam sempre por deflagrar nesta ou naquela situação e não temos controlo nenhum delas porque não adquirimos experiência.

Esta capacidade de não deflagração também tem inconvenientes porque essas diferentes personalidades despoletam capacidades essenciais. Em parte é por isso que se passou a falar de «inteligência emocional».

Usar as personalidades é um sinal de sabedoria. «Há tanta ciência em ser ajudante como em ser mestre»: para se ser um bom ajudante, é preciso adoptar a personalidade correcta, a personalidade de ajudante. Um adulto tem dificuldades de aprendizagem muitas vezes simplesmente porque perdeu a capacidade de deflagrar a personalidade de aluno – e sem se assumir esta personalidade não se consegue aprender porque as rotinas necessárias não ficam activas. Um professor universitário está suposto ser também um descobridor, alguém que aumenta os conhecimentos que aprendeu; mas se não souber deflagrar a personalidade de descobridor nunca saberá mais do que aquilo que lhe ensinaram e neste mundo em mudança isso pode ser conhecimento ultrapassado, logo errado – uma das razões da actual crise económica é que muitos economistas continuam presos às teorias que aprenderam e que já não se aplicam.

Não seria bom sabermos activar racionalmente a personalidade que se adequa a cada situação, subordinar o Inconsciente ao Consciente nessa decisão, modular cada personalidade aproveitando as suas capacidades? Parece-me que sim; mas, para isso precisamos de compreender como funciona este processo na nossa mente. Precisamos de um Modelo. Vamos então à procura dele.