sexta-feira, junho 19, 2009

Todas as células são neurónios (2ª parte)


Fig:o nosso sistema de localização (GPS) e o da célula (GRN)


«Informação funcional»... mas onde reside esta informação no código genético? Onde é que a célula germinativa tem as instruções para andar ou para identificar visualmente objectos? Onde é que ela tem as «tabelas»? Será no genoma?

Nós sabemos hoje que as células trocam informações entre elas, esse é um mecanismo vital. Tão poderoso que permite aos animais sem cérebro comportarem-se como se o tivessem – por exemplo, a estrela-do-mar, o ouriço-do-mar, a medusa, a minhoca. Não têm cérebro mas movem-se, alimentam-se, reproduzem-se.

Reparo agora numa coisa: o cérebro também não tem «sistema nervoso central». Aquele monte imenso de neurónios depende das comunicações entre eles. E não está organizado como um «chip» de computador, pois neurónios em diferentes partes cérebro contribuem para a mesma função.

Bom, isto não é mais surpreendente que a própria formação de cada ser vivo: a partir de uma única célula que se vai dividindo, cada nova célula vai-se transformando apropriadamente para gerar o novo ser. Baseada em quê? Não há comando central na formação do ser. Baseada apenas na sua base de informação e nas informações que troca com as células vizinhas (e, eventualmente, na memória das células donde descende). Um saltinho a esta página da Wikipedia (gene regulatory network) mostra o pouco mas fascinante conhecimento sobre estes processos que já temos. Vou transcrever uma parte:

A major feature of multicellular animals is the use of morphogen gradients, which in effect provide a positioning system that tells a cell where in the body it is, and hence what sort of cell to become. / … / . Over longer distances morphogens may use the active process of signal transduction. Such signalling controls embryogenesis, the building of a body plan from scratch through a series of sequential steps. They also control maintain adult bodies through feedback processes.”

Dito assim até parece um mecanismo simples. Mas, como sempre tem acontecido, acabaremos por descobrir um processo altamente sofisticado e eficiente. Porque tudo o que se passa num ser vivo tem a eficiência de, por exemplo, o nosso olho. É tudo incrivelmente eficiente e sofisticado. É tudo como o Olho.

Este processo de localização acima descrito parece simples; mas localizar significa determinar a posição num sistema de coordenadas. Como faz um GPS. O receptor de GPS conhece a localização dos satélites do sistema e o sinal recebido destes tem uma marca temporal, obtida de um relógio atómico, que permite a um complexo algoritmo, conhecendo a velocidade de propagação do sinal, determinar a posição. Ora localizar dentro do corpo é muito mais complicado porque não existe uma velocidade de propagação constante e as fontes do sinal são múltiplas e de localização desconhecida do receptor a não ser que transmitam a sua localização. Portanto, o sistema de localização há-de ser algo bem sofisticado, utilizando um sistema de coordenadas que nem imaginamos qual possa ser. E, no entanto, é apenas uma capacidade trivial das células.

Um ser vivo não é uma máquina, é uma sociedade de células. Onde o fluxo de informação é essencial, permanente. Onde cada célula reage em função da informação residente nela e da que recebe. Cada célula é um «neurónio» no sentido em que processa imensa informação e comunica constantemente com as outras células. E tudo o que se passa num ser vivo é altamente sofisticado e eficiente, qualquer «explicação» simplória só pode ser disparate.

Bem, isto faz cair o essencial da argumentação anti – Lamarck: as células germinativas, óvulos e espermatozóides, também recebem os sinais que as outras células emitem; então, a experiência de vida do ser a que pertencem passa por elas. Terá consequências? Naturalmente, seria «estúpido» que essa informação fosse desperdiçada. E se há coisa que a Vida não é, é «estúpida», ela é muito mais «Inteligente» do que nós. Temos de meter isso nas nossas cabecinhas arrogantes.

Bom, mas qual é a Informação que se transmite geracionalmente?

(continua)

quarta-feira, junho 10, 2009

Todas as Células são «Neurónios» (1ª parte)

Vou fazer agora a um exercício de divagação. Divagar é um processo indispensável à Descoberta (no fundo, é uma forma sofisticada de «acaso+selecção»). Vamos divagar pelo nosso próprio percurso desde o nascimento e prestar atenção ao nosso funcionamento.

Como é que iniciamos a nossa interacção com o exterior? Aparentemente, colhendo informações ao acaso – fazemos movimentos, colhemos percepções visuais, tácteis, sonoras. Com isto, podemos fazer uma tabela dos impulsos a aplicar aos músculos para executarmos os movimentos pretendidos. Depois, apenas temos de «consultar a Tabela» para executar os movimentos pretendidos, ou interpretar as imagens, falar, ouvir, etc.

Será? Será assim tão simples?


Não é nada simples, exige imenso processamento. Por exemplo, a nossa representação do exterior usa um espaço euclidiano a 3 dimensões, mas isto não corresponde directamente às informações dos sentidos. O cérebro tem de processar muita informação de todos os sentidos para chegar a esse modelo 3D. Não é o que «os olhos vêem». Eu sou míope e posso usar óculos ou lentes de contacto. A imagem que se forma na minha retina num caso e noutro é muito diferente porque os óculos distorcem a imagem. Qualquer míope sabe que quando muda de graduação tem de ter cuidado a descer uma escada porque os degraus não estão onde ele os vê enquanto o cérebro não corrige a nova informação visual. O meu cérebro tem duas Tabelas de conversão – uma para os óculos, outra para as lentes de contacto. Experiências com voluntários mostraram que o cérebro até é capaz de corrigir a informação de lentes que invertem horizontalmente as imagens.

O modelo 3D também não resulta das informações musculares por si só, pois estamos sujeitos a um campo gravítico, sendo o esforço a fazer para um movimento dependente da direcção deste. Apenas a conjunção das informações visuais e motoras pode, se puder, descortinar a característica euclidiana do espaço.

Levanta-se então uma questão: é o cérebro que conclui que o espaço é 3D, euclidiano, à custa de imenso processamento das informações sensoriais, ou essa informação é herdada, como qualquer outra característica fisiológica? Hummm, talvez nem uma coisa nem outra, este é apenas o modelo espacial mais simples, pode vir associado ao programa de processamento de imagem.... Interessante questão, tenho de voltar a ela, mas agora está a «bater-me» na tola outra coisa: é impressionante como as informações musculares estão tão bem adaptadas: tanto me custa levantar como abaixar um braço; no entanto, são dois movimentos com um esforço bem diferente.

E quando pegamos num objecto, o cérebro já sabe que força vai fazer – nunca vos aconteceu pegar num objecto que era muito mais leve do que pensavam e o movimento sair muito brusco? Mas isso é raro acontecer, porque o cérebro já tem uma Tabela que lhe permite saber o peso de todos os objectos... muito bem preenchida a «Tabela»!

Como é o processo de Inteligência que usamos para preencher estas tabelas de informação? É... «acaso+feedback+selecção». «A+F+S». A selecção é feita pelo cérebro, através do processamento da informação fornecida pelo «feedback».

Ora temos aqui algo novo em relação à «selecção natural»! A aprendizagem de funcionamentos não é feita pela natureza mas pelo próprio indivíduo. Ele é o Seleccionador. E para isso tem um processo de recolha de informação, de feedback.

Mas reparo que há uma coisa a que eu não estou a dar o devido relevo: os programas que o cérebro tem de ter para processar toda esta informação. Para a Visão, tem de ter um programa muito complexo para conseguir identificar as formas, como o pessoal que trabalha em processamento de imagem tem vindo a descobrir... é muito espertinho o cérebro... e se formos analisar a fala, e a audição, novamente encontramos a necessidade de sofisticados programas com que o cérebro tem de vir dotado.

O que me leva de novo ao espaço 3D... é herdado ou descoberto? E se o cérebro vem cheio de programas à nascença, também pode trazer informação... que informação trazemos nós quando nascemos sobre o mundo exterior?

Claro, há os «instintos»... as aves conhecem o falcão mesmo sem nunca terem visto nenhum... ou melhor, identificam qualquer silhueta voadora com pescoço curto como «perigo»... e todos os animais sabem andar logo que nascem, não é? Já nascem com essa Tabela preenchida!!

A propósito do saber andar: a principal diferença entre nós e um veadinho, um «Bambi», é que o Bambi nasce «terminado» e nós nascemos por acabar, andamos cerca de um ano depois de nascermos em «acabamentos»; nesse caso, será que somos mesmo nós que preenchemos essas tabelas em função da nossa interacção com o mundo exterior, somos nós que descobrimos como se anda, ou é uma informação que já está em nós e que vai sendo colocada no lugar durante o nosso primeiro ano de vida «exterior»?

Ou seja, é como se o nosso período de gestação fosse de uns 20 meses mas temos de sair da barriga da mãe antes disso. É que não faz sentido nenhum pensar que nós perdemos uma informação que as crias de veado têm... não somos menos do que o Bambi, não é? Assim, com este truque de nascer antes de tempo, numa tribo humana, que é muito mais capaz do que a «tribo» do Bambi para cuidar dos seus recém-nascidos, as fêmeas podem engravidar todos os anos em vez de ser de dois em dois anos, aumentando a taxa de reprodução. Inteligente a Natureza...

Preenchemos a Tabela ou ela vem preenchida? As duas coisas, pelos vistos... Certamente que a preenchemos, pois aprendemos a identificar objectos que não existiam anteriormente; mas parece que a informação indispensável à sobrevivência já lá vem – a silhueta do falcão nas galinhas e outras aves, o «saber andar» do Bambi. As duas coisas portanto...

Bom, mas se este conhecimento é herdado, teve alguma origem – e só podem ter sido os nossos antepassados muito distantes, desde há uns 500 milhões de anos que esta informação vem sendo adquirida e transmitida aos descendentes... e adaptada por estes à medida que os órgãos de locomoção e dos sentidos iam sofrendo evoluções...

Oops, mas para que isto possa ser assim, é preciso que a informação adquirida por um ser vivo possa ser transmitida aos descendentes!!! Não há hipótese nenhuma de explicar plausivelmente pela «selecção natural» que uma ave que nunca viu um falcão fuja da sua silhueta, ou que o Bambi saiba andar à nascença, não é verdade?

Há outra alternativa para explicar os «instintos»? Se alguém souber, que o diga.

Notem: não estou a dizer o mesmo que o Lamarck, não estou a falar da transmissão de modificações fisiológicas, mas de «transmissão de informação funcional».

(continua)