quarta-feira, agosto 22, 2007

A Inteligência das Células


Luísa, a inteligência não é um exclusivo do nosso cérebro, é uma propriedade intrínseca do universo. Porque é que ela havia de estar excluída das células vivas? Tu tens ideia da complexidade de uma célula?

Bem, alguma...

Vou-te mostrar. Ana, tens para aí um livro de biologia não tens?

Tenho... deixa lá ver... por exemplo, este, do curso dos liceus – Ana rodou e tirou da estante um volume de cor azulada.


Serve. Vejamos o que diz sobre a reprodução duma célula. Cá está. Vou ler por alto... “... Os dois pares de centríolos começam a afastar-se em sentidos opostos, formando entre eles um sistema de microtúbulos proteicos que se agregam para formar fibrilas... Quando os centríolos atingem os pólos, a membrana nuclear fragmenta-se... algumas fibrilas ligam-se aos cromossomas... enquanto outras vão de pólo a pólo... os cromossomas dispõem-se no plano equatorial... cada par de cromossomas separa-se, as fibrilas ligadas a eles encurtam-se e os dois cromossomas de cada par começam a afastar-se migrando para pólos opostos... a membrana nuclear reorganiza-se à volta de cada grupo polar de cromossomas e a célula divide-se em duas.”

Sim, realmente isso é sofisticado.
Tu achas? Sofisticado é o que aqui não está dito! Repara: os centríolos movem-se ... mas movem-se como e porquê? Têm pernas para andar de um lado para o outro? Tem cabeça para decidir quando se movem e para onde? E depois formam um sistema de microtúbulos... mas formam como? Têm uma máquina para fabricar microtúbulos? E como é que as fibrilas sabem que têm de se ligar aos cromossomas? E que têm de os arrastar para os pólos? E como fazem isso?

Pois, estou a perceber onde queres chegar

Uma célula é algo muito complexo. Digamos que é necessário mais quantidade de informação para fazer uma célula do que a que é necessária para, tendo a célula básica, chegar ao ser humano.

Hummm, nunca tinha pensado nisso... por alguma razão foi necessário perto de 3 mil milhões de anos para o desenvolvimento da célula, enquanto os seres vivos pluricelulares apenas se desenvolveram nos últimos 600 milhões de anos ou coisa parecida...

Não custa muito pensar que um sistema tão complexo como uma célula, que desenvolve procedimentos tão “inteligentes”, disponha também de uma capacidade sofisticada, “inteligente”, de evoluir. Pelo contrário, basta pensar o seguinte: se, por um acaso, surgir uma célula com capacidade de evoluir melhor que as outras, essa célula vai originar células superiores às outras; em consequência, essas células irão dominar. Portanto, será inerente ao próprio processo da vida o desenvolvimento de capacidades evolutivas nas células.

Queres tu dizer – Mário fala lentamente – que não são apenas as espécies que evoluem, as espécies adaptam as capacidades das células às condições exteriores, a evolução das células é que permite seres mais sofisticados?

Deixo que o meu silêncio valha por um “sim” enquanto Mário parece estar a digerir esta ideia que aparentemente nunca lhe tinha ocorrido. Antes de perceber isto ele não poderá perceber onde eu quero chegar. Há que caminhar com o passo do aluno....


Isso é o que acontece com a tecnologia, os computadores de hoje não eram possíveis sem uma evolução dos chips
– Mário como que pensava em voz alta.


A comparação parece-me boa – a cada salto evolutivo das células uma variedade de novos seres são produzidos, adaptados às suas condições ambientais. Da mesma forma, cada vez que há um aumento significativo de capacidade dos processadores, surgem novos programas, e jogos, que fazem uso da nova capacidade de processamento. Evoluem os programas e evoluem os processadores; se os processadores não evoluíssem, os programas também não evoluiriam a partir de um certo ponto

Humm, essa dupla evolução, por um lado a evolução da célula, por outro, a das espécies aproveitando as novas capacidades da célula poderia explicar muitas das características da evolução...

Então aquela cena do Jurassic Park de produzir Dinossáurios injectando DNA de Dinossáurio em células de réptil, ou batráquio, não poderia ser, não é? As células dos Dinossáurios seriam mais evoluídas do que as dos répteis... ou não?

Brilhante Ana! É exactamente como dizes. Isso seria como tentar correr um programa actual num computador antigo. Mas o que eu estou a querer dizer é mais do que isso que vocês estão a pensar.

Mais? Como assim?

Uma coisa é a evolução da vida, algo que hoje é bem evidente, outra é perceber como se gera essa evolução.

Isso é sabido, ela ocorre devido a erros acumulados no processo de reprodução.

Estás distraído Mário, o Jorge já disse várias vezes que pensa que as células dispõem de inteligência evolutiva...

Exactamente Luísa. Um nível elementar de inteligência, como andar ao acaso no labirinto, não é suficiente para explicar a evolução; e não é nada lógico pensar que uma estrutura tão complexa como uma célula, que desempenha funções com tanta inteligência, não detenha capacidades evolutivas intrínsecas. Como já disse, pensar isso até é contrário aos fundamentos da teoria da evolução, pois dispor de uma tal capacidade representa uma clara vantagem evolutiva.

E como seria essa “máquina de evolução”?

Não faço ideia; mas lembro que a maior parte do nosso código genético não é usado na produção de proteínas, não parece ter qualquer função; mas seria muito estranho que assim fosse, que o nosso genoma estivesse cheio de “lixo”.

Estou meio fascinada com essa ideia de que o universo é inteligente, de que as células são inteligentes... isso é quase uma ideia panteísta... qual é a diferença para o conceito de um deus que está em todo o lado?

Uii Luísa, do que te foste lembrar!!!!
Não gozes!! E responde-me à pergunta!- o sorriso brincalhão típico da Luísa bailou por instantes nos seus olhos.

20 comentários:

Fá menor disse...

Ai...Alf
Desta vez não me pronuncio sobre células!
Esta matéria já me deu má nota uma vez, não quero repetir a dose.
Ah pois é!
As células são muito complexas para as minhas células, eheheheh

bruno cunha disse...

eis uma ideia de deus inteligente que a mim me agrada mais (e está relacionada com a tal ideia de que o tipo está em todo o lado)...
mas isso coloca-me um problema danado: eu sou agnóstico!
lol
e duvido que seja gnóstico tão cedo!
:P

alf disse...

Este post é cá uma "injecção"... livra!!! (desculpem, crises de inspiração...)

Fa, é isso mesmo: as células são muito complexas para a nossa inteligência elementar... e nós a pensar que eramos o suprassumo da inteligência...

Bruno, vejo que afinal és... gnóstico eheheh! porque o que se diz aqui é que a inteligencia é uma propriedade natural que está em todo o lado... das propriedades naturais não podemos duvidar...

Mas se, tal como a Luísa, queres falar de Deus, vamos a isso! (no próximo post)

Não podemos fingir que o conceito de deus não atravessa constantemente o nosso pensamento, não é? (Deus, Sexo e Maternidade...)

alf disse...

Percebermos que o Universo é inteligente é necessário para o podermos ver; e é necessário para dele podermos fazer parte.

Saber que fazemos parte dele é, no fundo, o que mais desejamos.

antonio ganhão disse...

Alf, um observador desatento, encontraria nos rituais de acasalamento dos perus americanos uma forma de inteligência que a ave não tem. São anos de evolução de uma coreografia que se tornou vencedora.

Os machos mais jovens aprendem com o peru vencedor. Os que aperfeiçoam a dança tornam-se no macho dominante.

É a história das pirâmides do Egipto, o que começou por ser um redopiar desajeitado em torno da fémea é hoje visto como inteligência refinada.

Temos que manter o olhar crítico!

Embora eu concorde que podemos encontrar "inteligência" na forma como o universo se organiza e vive.

alf disse...

António

A Ave não tem consciência dessa inteligência; mas tem a inteligência. Dizer que é o resultado de "anos de evolução de uma coreografia que se tornou vencedora" é simplicar o processo - e como surgiu essa coreografia?

Temos de ir distinguindo "inteligência", "consciência", "deus". Para já, estamos a identificar o que seja "inteligência"; o resto logo se verá...

antonio ganhão disse...

Capacidade de observar e aprender com isso. Inteligência tem que passar por: aquisição e processamento de informação, para produzir uma nova informação.

alf disse...

António

Certo, mas não chega. Essa nova informação é apenas uma hipótese; a seguir é preciso um processo de selecção. É a sequência dos 2 processos - geração de hipóteses e selecção - que formam um processo inteligente.

No caso do labirinto, poderia colocar como hipótese virar alternadamente à direita e esquerda; mas esta hipótese seria depois rejeitada pelo processo de selecção, que é encontrar a saida do labirinto.

Já a hipótese de seguir sempre a mesma parede encontra a saida do labirinto e é, pois, aprovada pelo processo.

Na natureza temos grupos de átomos que formam diversas combinações; algumas destas combinações podem combinar-se de novo entre elas gerando algo com novas propriedades e que é estável; podemos dizer que esta nova combinação seleccionou as combinações anteriores que a originaram.

Isto é só o princípio de uma ideia. Depois, vamos começar a analisar devagarinho, começando por baixo, pelo princípio, e as coisas irão ficar mais claras... espero eu!

antonio ganhão disse...

Mas o resultado da selecção pode ser intrínseco ao processo ou não.

No caso dos perus é externo ao processo da inteligência. O macho dominante elimina a hipótese errada e os outros seguem-no.

No caso do labirinto a selecção tem que ser ela própria o resultado de um processo inteligente.

Patrícia Grade disse...

E o facto de os outros perus seguirem aquele que tem sucesso não demonstra já que existe neles inteligência?
No caso dos humanos, por exemplo, temos os que seguem os bem sucedidos tentando imitar os seus passos e aqueles que escolhem os outros para seguir-lhes os passos. Isto denota diferença de inteligência (não vou comentar as escolhas, porque os conceitos humanos de sucesso tendem a variar de tempos a tempos) mas no reino animal isso não parece acontecer. O macho dominante é aquele que todos querem seguir e o facto de existir esta vontade não demonstra por si a presença de uma inteligência? Se ela não existisse, não tenderiam todos para seguir o seu próprio caminho, sem tentar compreender como o dominante faz para dominar?
Ora expliquem-me lá isto como se eu fosse mesmo muitoooooooo burra...

alf disse...

Indy, como sabes, burra é que tu não és... a prova disso é que tens ideias e a prova que sabes disso é que as expões...

eu só tenho uma maneira de conseguir encontrar respostas correctas ao que tu e o António dizem: começar pelo princípio!

Começar pelo princípio é começar por perceber o que seja "inteligência" na sua forma mais elementar. Já tenho umas luzes; depois, tenho de seguir o caminho da inteligência.

Para perceber a inteligência dos animais, e a nossa, é preciso começarmos por analisar os comportamentos a partir das espécies mais primitivas; ver onde aparece cada novo comportamento, ou seja, cada novo "instinto", e porquê e com que fim; etc.

Digo-vos que esse é um percurso muito interessante; ver que se a mãe crocodilo não tivesse desenvolvido um intinto maternal, a espécie não poderia ter sobrevivido porque existia num espaço confinado; perceber como os machos tiveram de desenvolver um instinto territorial; perceber como o instinto filial é crucial (este é muito importante e origina certos comportamentos mesmo na idade adulta, por exemplo, a necessidade de um Deus... já contaram o nº de vezes que a palavra "Pai" é dita numa missa? não é por acaso...)

E, de instinto em instinto, vamos chegando às danças dos perus e ao ser humano. E começamos a compreender coisas surpreendentes nos humanos. Mas isso já é outra estória.

A grande conclusão, para mim, é que temos sempre de fazer o percurso do princípio para o fim; tentar perceber comportamentos complexos sem conhecer as suas origens históricas induz-nos fatalmente em erro.

antonio ganhão disse...

Indy, o teu raciocínio está correcto.

O que eu pretendo dizer com o caso dos perus, é que uma inteligência diminuta, seguindo um processo de selecção, ditado pelo macho dominante consegue executar uma coreografia bem complexa. A aprendizagem leva-nos a executar tarefas que a nossa inteligência não teve que desenvolver.

O clip, esse pedacinho de arame dobrado, foi um rasgo de génio humano, que nós usamos sem nos apercebermos da sua genialidade! Ao alcance do mais inteligente e do mais burro.

NC disse...

«já contaram o nº de vezes que a palavra "Pai" é dita numa missa? não é por acaso...»
O exemplo serve para os católicos. Não para os judeus, por exemplo. Nas outras religiões não sei como é, mas não estou a ver os muçulmanos a utilizarem a palavra "Pai" para se referirem a Deus nas suas liturgias.
A introdução do "Pai" tem o seu quê de revolucionário no contraponto com a tradição e teologia judaica.

alf disse...

Tarzan

Pois tem; como o tem a ideia de que o Homem é feito à imagem e semelhança de Deus.

Toda a religião católica é uma revolução em relação à judaica. Segue uma filosofia que eu diria completamente antagónica. Por isso é que Jesus foi cruxificado.

A religião católica desenvolveu-se noutros tempos, em que o processo de condução da sociedade humana que era adequado no tempo de desenvolvimento da teologia judaica já não servia; nem a judaica nem as outras religiões da época.

A religião católica está para as religiões anteriores como a democracia actual está para os sistemas políticos anteriores. E, tal como a democracia actual, não é pelo medo que pretende conduzir a humanidade, são outros os métodos, e fazem uso dos aspectos mais profundos da natureza humana.

Hão-de surgir uns posts a analisar o assunto, que é importante.

alf disse...

António

Não resisto!! Traduzindo: a inteligência diminuta de uma perua consegue realizar uma coreografia complexa desde que devidamente orientada pela superior inteligência do macho! eheeheh

Fora de brincadeiras: entendo o seu ponto de vista.

Acrescento tb o seguinte: os documentários científicos são ainda menos isentos que as noticias dos media.

Há uns anos não faltavam documentários a mostrar como a natureza era monogâmica, coisa que desconheço em absoluto na natureza; agora mostram como a homosexualidade é frequente. Duma forma ou doutra, todos veiculam a maior das mentiras: a de que a natureza tem comportamentos padrão.

A natureza é um oceano de diversidade. Todos os tipos de comportamento nela podem ser encontrados. E mesmo dentro da mesma espécie.

Quando se fala do ritual de acasalamento do peru americano talvez seja apenas o ritual de uns perús que foi filmado na américa... se calhar há muitos perús na américa que não fazem nada de parecido...

Por isso, não sei se existirá realmente um fenómeno de selecção nestes comportamentos; ou talvez a selecção seja apenas a do comportamento mais extravagante; porque para chamar a atenção, e é essa a finalidade dos rituais, o que é preciso é um comportamento tão "anómalo" quanto possível.

antonio ganhão disse...

Oh! Alf não lhe fica bem.

A perua tem um papel passivo, os perus (machos) é que são condicionados pelo macho dominante, se quiserem roubar-lhe o lugar, têm que o superar. Dentro da tribo afina-se a e refina-se a dança.

Imagine que criávamos um teste de inteligência para as aves. A arara branca do Brasil ficava em primeiro lugar e atribuíamos-lhe 5 pontos na nossa escala. A galinha poedeira ficaria com o nível mais baixo o 1.

O nosso peru ficaria com o nível 2. No entanto se observássemos o seu ritual de acasalamento seríamos levados a pensar que o peru teria o nível 5.

Ou seja, uma abordagem descuidada pode-nos levar a percepções erradas.

Mas nunca pensei que se sentisse ameaçado nas suas teorias por um peru!

antonio ganhão disse...

Tarzan

Boa questão, e... importa-se de ir um pouco mais longe?

alf disse...

António

ehehe.. meti água, não resisti a ser engraçado...

mas não me sinto nada ameaçado pelos perus - como já disse, para se explicar os comportamentos complexos tem de se começar pelo princípio.

Qualquer tentativa em contrário não passa de um processo de projecção de ideias preconcebidas - como os tais documentários "científicos" que sempre explicam os comportamentos animais de acordo com as conveniências da sociedade humana de momento....

Rui leprechaun disse...

...a inteligência não é um exclusivo do nosso cérebro, é uma propriedade intrínseca do universo.


Claro! Isto parece-me tão intuitivo e óbvio!!!

Mas se as ditas sumidades e reconhecidas inteligências afirmam que não e não... ó que grande confusão!

A questão é que não falamos da inteligência humana associada à consciência, claro, mas de alguma proto-inteligência elementar ou lá como lhe quiserem chamar.

É neste sentido que o tão ridicularizado Intelligent Design sempre me pareceu uma ideia correctíssima, na sua essência, embora não me meta lá nessas barafundas da evolução que não pesco nada disso. Depois, agora parece que tudo se prova com uns misteriosos e mágicos algoritmos e na minha floresta não há essa espécie vegetal ou animal ou mineral ou viral... ou seja lá o que isso for, que é paleio p'ra doutor! :)

Ora assim, bem sou tomado também por IDiota, o que não me faz mossa nenhuma, que isto aqui é só risota! :D

Casco-lhes em cima co'as rimas...

Rui leprechaun

(...e só namoro as Meninas! :))


PS: Mas este blog é fascinante, vou começar a publicitá-lo... cocorocó!... espero não trazer galo! ;)

alf disse...

leprechaun

é um prazer ler os seus comentários!

Quanto ao galo, se ele cantar, óptimo!