sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O Terceiro Nível da Evolução



Suponho que os cientistas já saibam que as nossas células não são iguais às dos répteis. Elas são capazes de produzir proteínas mais complexas do que as possíveis com as células dos répteis; estas proteínas permitem uma «organização de células», isto é, nós, mais sofisticada do que a «organização de células», por exemplo, um crocodilo, que as células dos répteis são capazes de produzir. Este é um aspecto de que muitos não têm ainda consciência: a evolução das espécies suporta-se na evolução das células. As nossas células são mais sofisticadas do que as dos répteis e estas que as dos peixes. E não estou a referir-me ao código genético, não é apenas o «programa» que é mais sofisticado, é a própria maquinaria celular.

(como num computador, o pioneiro ZX81 não pode executar os programas actuais; sem a evolução do hardware não poderia ter havido esta evolução do software)

Este é, portanto, o primeiro nível de evolução que conhecemos: a Célula. O Hardware da Vida.

O segundo nível é o Organismo, o ser vivo que as células formam. As nossas células serão tão evoluídas como as do chimpanzé, mas formam um organismo ligeiramente mais evoluído, o Humano. Esta evolução está no código genético, no «programa» da célula. No código genético está o Software da Vida.

Uma característica da Vida que remonta às suas origens é a cooperação. As primeiras formas de vida que identificamos como tal existiam por si só. Mas desde muito cedo a Natureza descobriu as vantagens da cooperação. De facto, até ao nível das bactérias podemos encontrar fenómenos de cruzamento de código genético que podemos classificar como sendo «cooperação». As nossas próprias células serão uma construção que incorpora diferentes tipos de células mais primitivas, o resultado de um processo simbiótico. Qualquer organismo multicelular resulta de um processo de cooperação de células.

Esta cooperação não se limita ao nível celular, alastra pelos organismos, que formam «sociedades». As que mais nos impressionam serão as dos insectos, especialmente as das formigas. Assentam na especialização dos indivíduos, tal como acontece num organismo, onde as células se diferenciam para executarem funções específicas.

Este tipo de organização social não acrescenta nada ao conceito de «organismo» - é o mesmo conceito, o do sistema de células especializadas que executam cegamente um programa pré-definido.

A evolução das «Sociedades» de seres vivos tem assentado no desenvolvimento de um conjunto muito complexo de comportamentos e capacidades, quer instintos e afectos, quer capacidades de comunicação, de aprendizagem e de adaptação comportamental. Através deles, a Natureza procura a formação de sociedades onde cada indivíduo conserva algum livre-arbítrio, o que possibilita que a Inteligência do conjunto seja maior do que a Inteligência de um só indivíduo.

Comparando com uma rede informática, a Natureza busca construir redes com terminais inteligentes e não redes centralizadas com terminais «burros». Essa é a diferença entre «Sociedade» e «Organismo».

No entanto, até há umas dezenas de milhares de anos atrás, as sociedades que os seres vivos faziam eram quase totalmente determinadas pela informação nos seus genes.

Finalmente, talvez na altura em que o Homo Sapiens beirou a extinção, o Homo Sapiens Sapiens atingiu a capacidade de gerar uma Sociedade Evolutiva. Capacidade na verdade muito limitada até há cerca de uns 10 mil anos.

Este é um marco evolutivo. A Sociedade Humana é algo de novo na Evolução, um salto evolutivo como o salto das bactérias para as células nucleadas, ou destas para os organismos multicelulares. O Terceiro Nível da Evolução.

O que é que há realmente de novo na Sociedade, porque é que digo que ela é um terceiro nível evolutivo? Porque o suporte da sua evolução não é a maquinaria da célula nem é o código genético: a Informação que a suporta é exterior ao ser vivo, é o Conhecimento, a Cultura desenvolvida pelos seres vivos que a formam. Que é transmitida por via mental e não por via celular.

Claro que a evolução das Sociedades tem raízes fundas no ser vivo, tal como os programas que o código genético executa dependem da maquinaria celular. Sem as capacidades avançadas de comunicação, aprendizagem, descoberta, adaptação, a Sociedade não seria possível. E sem os instintos e afectos, os seres vivos não seriam compelidos a formarem sociedades.

A Sociedade que nós, humanos, somos capazes de formar não é, portanto, uma qualquer – ela está condicionada pelas nossas capacidades e sobretudo pelos nossos instintos e afectos.

Temos de perceber isso, mas só isso também não chega. Uma sociedade é uma construção complexa, por alguma razão a Natureza se preparou tão longamente antes de despoletar o Terceiro Nível da Evolução. Com regras simplórias temos uma sociedade constantemente a tropeçar em ciclos presa-predador e a estagnar em vez de evoluir. Ou a evoluir na direcção errada.

A Sociedade Humana é a nossa obra, como nós somos a obra das nossas células. Nossa obra, nossa responsabilidade.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

O Novo Paradigma - A Sociedade sem Operários


Tractor John Fowler


Alguns dos mais jovens leitores não o saberão, mas apenas há poucas décadas atrás a percentagem de trabalhadores agícolas em Portugal era mais de 10 vezes a actual.
Nos países pouco desenvolvidos a percentagem de trabalhadores agrícolas pode ser de 80% da população activa, e passarem fome; nos países desenvolvidos pode ser menos de 3% e terem sobreprodução.

A agricultura sofreu uma revolução profunda nas últimas décadas. A sua eficiência cresceu espantosamente. As novas empresas agrícolas tornaram obsoletos os agricultores clássicos (algo semelhante se passou com as pescas).

Foi isto um drama social?

Nos países mais avançados, a mudança do paradigma agrícola nem exigiu nenhum esforço de adaptação – as novas gerações tinham sido preparadas para o futuro e, naturalmente, não sucederam aos seus pais camponeses – a escola não preparou camponeses nesses países.

Já o mesmo não aconteceu em países menos avançados, nomeadamente Portugal. Porque em Portugal, o sistema de ensino preparou sempre para o passado e nunca para o futuro. O sistema de ensino português rejeita perto de metade da população, ou seja, condena metade da população a ser camponês ou operário. Por isso, foi preciso subsidiar essas pessoas, pagar a sua inactividade. E em Portugal houve perda de riqueza, porque agora a nossa agricultura produz menos do que antes – não porque não possa produzir mais, mas por questões de mercado e da tradicional incompetência da política/economia nacionais.
Nos países avançados, a mão-de-obra que desapareceu da Agricultura surgiu noutro nível de competência profissional, com as qualificações necessárias à sociedade do presente e do futuro.
Em Portugal, houve apenas uma passagem da Agricultura para a Produção Industrial. Os camponeses transformaram-se em operários. Não houve qualificação para o futuro para metade da população.

Os camponeses acabaram, agora vão acabar os operários. É o passo final da Revolução Industrial.

Mais uma vez, para os países avançados, isso é apenas a ordem natural da coisas; pois eles fazem o futuro, não são atropelados por ele. Nesses países já quase não há operários, têm de recorrer à imigração para manter as unidades de produção que ainda conservam. Agora, irão limitar-se a devolver os imigrantes aos países de origem.

Porque é que acabam os operários de repente?
Já há bastante tempo que se anda a produzir demais, produção esta que só consegue ser escoada à custa de intenso marketing. Mas este consumismo crescente entrou em rota de colisão com a desigualdade crescente e tornou-se insustentável. Por outro lado, enquanto antigamente uma fábrica era uma casa com máquinas e operários, agora é uma máquina. As «fábricas» estão a ser substituídas por uma «máquina», que já não tem operários mas operadores qualificados.

Mais uma vez, num quadro global, isto não é drama nenhum. Nem se trata de uma quebra de produção de riqueza – novas áreas de produção vão surgir compensando a quebra das tradicionais, por exemplo, menos automóveis e mais geradores eólicos e solares. O redução brutal do número de operários não é um problema, o problema seria arranjar operários - quem é que, num país avançado, ainda quer ser operário? O fim do duro e repetitivo trabalho operário é um objectivo duma sociedade melhor.

Porém, em Portugal, (e noutros países atrasados) isto vai ser um problema complicado. Porque em Portugal continuamos a ter metade da população que ou trabalha como operário ou não trabalha.

Além disso, grande parte deste emprego é em unidades de produção de multinacionais. Que são apenas peças de uma estrutura maior. Vão fechar, ou vão reduzir pessoal, sem apelo nem agravo.

Para fazer face ao que vai acontecer nos países que, como Portugal, são atropelados pelo Futuro, a União Europeia poderia pôr de pé um PIC – Programa Industrial Comum. À semelhança do que fez com a agricultura. Mas os tempos do PAC eram outros, a solução para hoje terá de ser diferente. E Portugal vai ter de conseguir que a UE ponha a mão nisto. O que vai ser muito difícil com a actual crise do sistema económico.

Porque é que uns paises fazem o futuro e outros são atropelados por ele?
A resposta está na vontade da sociedade de conseguir um futuro melhor. Os países que fazem o futuro são aqueles que querem ser uma sociedade melhor e, para isso, desenvolveram novos conceitos de formação, que preparam as pessoas para o futuro e não para o passado. Já o Séneca disse que a escola ensina para a escola e não para a vida, e assim foi por todo o lado e por todo o tempo até que em alguns países o ensino começou a mudar, tornando-se fonte de progresso. Em Portugal ainda se vê a máquina de calcular nas escolas como um maléfico artefacto... ainda se começa a ensinar a ler só aos 6 anos de idade... ainda se pensa que é mais importante ler romances do que saber o que é electricidade...

Previsão de 8,5% de desemprego em Portugal?... alguém está muito iludido ou sabe coisas que eu ignoro..

Mas comecemos a fazer alguma coisa para ajudar... como consumir só produto nacional, mesmo que seja mais caro. Nós não estamos numa economia global – a riqueza gerada na Alemanha não suporta os nossos desempregados, e se a economia não é global, o mercado também não pode ser!!

Ahh, é verdade, tem toda a razão o deputado do PS que se escandaliza com as compras feitas pelos governos em dinheiro – seja de material de guerra ou de aviões para a TAP. Os Governos não fazem compras em dinheiro, o dinheiro é para os privados! Os Governos trocam bens e serviços entre si!!! E os concursos públicos são para serem ganhos por empresas nacionais! Estou a lembrar-me da barraca do Jorge Sampaio, quando pediu aos espanhóis que deixassem as empresas portuguesas ganharem ao menos um concurso em Espanha... será que já aprenderam a lição?

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A Mafia, o Obama e o Sócrates

A avalanche de emails anti-Sócrates que tenho recebido obrigam-me a interromper o que me ocupa e a vir falar-vos de algo que penso ser muito importante.

Na nossa sociedade ocidental desenvolveu-se uma actividade de gestão de negócios e dinheiros que tem como único objectivo o lucro. Único Objectivo. Não há quaisquer preocupações sociais que a condicionem – os que tinham esse tipo de preocupações foram há muito corridos pelos que as não têm, logo mais bem sucedidos na maximização do lucro.

Este gestores tornaram-se especialistas na manipulação dos consumidores, dos políticos e até dos
empregados das empresas para que trabalham.
Diferentemente das mafias de antigamente, não infringem a letra da lei.
Mas fazem tudo o que é imaginável e não imaginável que não colida com a letra dela.

Por exemplo, não têm problemas em fomentar conflitos locais se isso for vantajoso para a venda de armas ou de outras coisas.
Os esquemas de cartões de créditos são pensados para extrair das pessoas o máximo dinheiro possível, através de criação de dívida e de juros usuários, que se podem tornar crescentes com o tempo se perceberem que a pessoa já não tem condições económicas para amortizar a dívida.
Mas o grande esforço é feito junto dos políticos.
E isto é considerado legal em alguns países, como os EUA – é a actividade de lobbying.

Ao darem generosas contribuições aos candidatos, conseguem a aprovação de leis que lhes são favoráveis – que aumentam os seus lucros.
E ao darem empregos a ex-membros dos governos, deputados e senadores, também conseguem contratos com os governos que doutro modo não conseguiriam.

Em Portugal, a Sociedade Lusa de Negócios (BPN) parece ter um riquíssimo historial de adjudicações do Governo conseguidas desde há vários anos.
Nos EUA é particularmente gritante que a indústria farmacêutica consiga praticar os preços mais altos do mundo ocidental – como é isto possível no país da livre concorrência, não é um paradoxo gritante? Será que o facto de as campanhas de uns 99% dos senadores americanos terem recebido grossas quantias da indústria farmacêutica tem a ver com o assunto?

Algumas pessoas pensam que a actual onda anti-Sócrates tem os professores por detrás. Mas não, os professores são só um dos instrumentos cegos. Outros pensam que é o PCP. Decerto que ao PCP interessa garantir o actual nível de excluídos do ensino, pois são eles que engrossam as suas fileiras. Mas também não é o PCP. Outros pensam que é a oposição. Outros pensam que é verdade. Mas estão todos enganados. Por detrás disto está a máquina mais poderosa do Mundo.

O crescimento imparável da desigualdade levou Obama ao poder. Ele sabe que o caminho do futuro passa pelo combate aos grandes interesses económicos. Se o não fizer, a sociedade estagnará, como sempre aconteceu no passado, transformar-se-á numa sociedade de senhores e escravos, de classes e castas. Bloqueada na sua própria desigualdade, o fluxo económico estancado.

Mas esses interesses económicos não estão dispostos aquilo que ele quer fazer e que é a única saída: redistribuir a riqueza.
Portanto vão lutar contra ele. Como?
O método é bem conhecido, se não inventarem nada de novo será assim:
primeiro, uma suave campanha de difamação; em seguida, fomento de desestabilização social (é fácil, o desemprego está aí, além de que ele terá de atacar os privilégios de muitos); depois, uma campanha de difamação mais intensa, tão mais forte quanto mais fraco ele estiver.

Os processos tipo «Casa Pia» são uma metodologia já conhecida e experimentada noutros países; já é tão conhecido que duvido que voltem a recorrer a ele. Não sei o que vão fazer, mas sei que já começaram: as notícias sobre o meio-irmão apanhado com droga a ocuparem páginas inteiras de jornais são um primeiro teste. Depois virão certamente histórias do seu passado, ninguém chega ao topo sem acotovelar alguém, um fundinho de verdade chegará para alimentar as mais torpes insinuações.

Será que o povo americano é tão tolo que irá deixar-se conduzir pela mafia financeira?

Isso sempre aconteceu no passado...

E o que é que isto tem a ver com o Sócrates?
Tudo. Porque Sócrates e Obama estão exactamente no mesmo papel. Ambos sabem exactamente o que têm a fazer. Ambos anunciaram exactamente o mesmo. Não é por acaso que o Sócrates começou pela indústria farmacêutica e o Obama anunciou que isso será uma prioridade para ele.

A Mafia sem escrúpulos está no terreno. Nada a pode derrotar – ela tem todo o dinheiro, ela domina a comunicação social, ela domina a cabeça das pessoas.

... só há uma esperança: não há alternativa ao Obama. Ou ao Sócrates. Na hora da verdade, façam as campanhas que fizerem contra eles, suficientes pessoas votarão neles. Não porque sejam esclarecidas, infelizmente a maior parte não o será, mas simplesmente porque não têm alternativa.
(na verdade, na verdade, nenhum político a sério quer ser alternativa a qualquer deles; todos os políticos sabem o que vos digo e os que são minimanente espertos sabem que é preciso que os Obama e Sócrates deste mundo ganhem esta guerra).