quinta-feira, maio 29, 2008

Os "bugs" do cérebro

No blogue Ana Lítica Mente, lá para o décimo comentário a este post, o autor, Vitor Guerreiro, aborda a questão «pode uma máquina pensar?». Esta é uma questão que apenas a filosofia pode abordar, a ciência apenas pode pesquisar «como é que a máquina “cérebro” pensa?»

Um aparte: a metodologia científica impõe limites às questões que a ciência pode abordar em cada nível de conhecimento, o que não se pode confundir com afirmações do tipo: “a Ciência afirma que o cérebro é uma máquina que pensa.” A Ciência não afirma nada disso, como não afirma se existe um deus, mil, ou nenhum. A Ciência só faz afirmações sobre matéria que consegue provar ou tentar provar; quanto ao resto usa uma metodologia de pesquisa. Necessariamente, essa metodologia proíbe o recurso a qualquer explicação não provada ou não susceptível de ser provada a curto prazo. O que não implica que essa não possa ser a explicação. Percebem a diferença?

O nosso cérebro executa procedimentos definidos e rígidos no seu funcionamento. E isso é fácil de detectar em certos sub-sistemas, nomeadamente a audição e a visão.

Quem trabalha em processamento de imagem e de som está habituado a lidar com o programa dos sistemas visual e auditivo, pois a sua tarefa é encontrar formas de gerar no cérebro a mesma sensação que a imagem ou o som original produziria mas usando muito menos quantidade de informação do que a contida no material original. É isso que se faz com as rotinas mp3, mp4, da televisão digital, real audio, wmp, etc, e é por isso que os ficheiros digitais são cada vez mais pequenos, eles já só contêm uma pequenina parte da informação original.

As pessoas fora destas áreas e do estudo do cérebro não terão a noção de como é determinístico o processamento cerebral. E penso que nada como as ilusões de óptica para darem esta percepção.
Observem a figura, uma das várias que podem encontrar nesta excelente colecção.



Embora nada se mova, é impossível deixarem de ver as rodinhas a girarem. A informação contida na imagem gera no cérebro, fatalmente, uma construção que é diferente do que lá está.

O processamento de imagem do cérebro é algo fabuloso. Por exemplo, já existem lentes de contacto multifocais, com anéis concêntricos que focam para várias distâncias, originando uma sobreposição de imagens na retina; mas o cérebro consegue interpretar isso e construir uma imagem nítida a todas as distâncias. Outro exemplo: as lentes dos óculos distorcem a imagem; mas, após um período de “aprendizagem”, o cérebro corrige essa distorção da imagem que se forma na retina e gera uma imagem sem distorção.

O “programa” que nos faz ver as rodinhas em movimento na figura não tem, na realidade, um "bug"; trata-se de um efeito colateral de um “programa” que optimiza o funcionamento do processamento óptico nas situações frequentes ou mais importantes. No entanto, apesar de não ser um “bug”, conduz ao erro nesta situação. Mas o mais importante nem é isso, é o facto de não estar na nossa mão a correcção desse erro. Ou seja, o facto do funcionamento dessa “sub-rotina” ser perfeitamente automático e determinístico.

Ora isto não é uma característica específica do processamento das informações sensoriais mas de todo o funcionamento cerebral. Nomeadamente da geração do pensamento.

Se formos a atravessar uma rua e um carro surgir de repente, não nos ocorre voar. Essa possibilidade é vetada a um nível inconsciente, esse pensamento não chega a ser colocado no “consciente”.

Tudo o que o cérebro aprende pelos seus processos automáticos de aprendizagem, a partir das informações sensoriais, mais o que lhe é “ensinado” e aceite como “verdade”, formam um filtro que impede de uma forma absoluta a geração e até a aceitação de pensamentos contrários.

Isso verifica-se em todas as áreas, das sociais às científicas. Por isso é que Planck disse que é inútil tentar explicar as novas ideias, teremos de esperar pela geração seguinte que irá crescer em contacto com elas. Em qualquer campo.

Por isso não ocorre às pessoas em geral que a “expansão” do espaço seja afinal... uma contracção de matéria! Ou que a lapidação de uma mulher adúltera seja errado (para uma pessoa que cresceu nessa cultura e nunca foi exposta à dúvida). E, no entanto, qualquer das duas coisas parece escandalosamente óbvia depois de entendida.

A velocidade a que temos de evoluir hoje obriga-nos a aprender, desde pequenos, a combater este funcionamento cerebral. Porque no espaço da nossa vida teremos de mudar de “verdades”, o que não acontecia com o homem primitivo. Se seguirmos a nossa natureza, ficaremos amarrados a cada um dos conceitos que primeiro aceitámos.

É indispensável uma educação baseada na dúvida e na discussão e não na certeza. A necessidade de evolução da sociedade humana exige que não formemos «crentes» (isto é, pessoas que usam a credibilidade duma fonte, seja ela qual for, para classificar como “verdade” uma informação sem a sujeitar a uma análise contraditória).

segunda-feira, maio 26, 2008

A 2ª Revolução Copernicana



No "outra física" foi hoje publicado um post que inicia algo muito semelhante ao que Copérnico iniciou.


Quem o ler tem a oportunidade de recuar quase 5 séculos no tempo e sentir o que sentiram os contemporâneos de Galileu ao tomar contacto com a ideia de que a Terra se moveria. Poderão assistir às contorções do vosso cérebro para repudiar a absurda hipótese apresentada, alguns poderão mesmo sentir algum pânico, porque no fundo do vosso cérebro sentirão as certezas acerca do universo e da existência a serem postas em causa.


Muitos optarão por fechar os olhos, não os deixar ver senão o que já está inscrito na mente.


Alguns sentirão o fascínio e a esperança.


A Nave pôs-se em movimento, a Viagem começou. Nada será o mesmo. Nunca mais.
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quarta-feira, maio 21, 2008

Os Monstros da Nossa Ignorância


De regnis Septentrion, Monftra marina & terreftri quae pafsim in partibus aquilonis inueniuntur/ Cosmographia - Sebastian Munster, 1544 ( obtido neste interessante local)

Beleza e harmonia são-nos tão essenciais que quando desesperamos de as ter na Terra passamos a acreditar em Paraísos – se não conseguimos usufruir delas aqui, ao menos que vivamos com a esperança de as ter noutro lado.

Sentimo-nos bem, a felicidade invade-nos lentamente, quando passeamos em jardins bem cuidados; sonhamos em ir nas férias aos paraísos tropicais que enchem as páginas das brochuras das agências de viagens. Buscamos incansavelmente a Beleza e a Harmonia.

Qualquer criador de banda desenhada associa um ambiente degradado a uma população miserável, de aspecto, de atitude, de mentalidade.

Arredores de algumas grandes cidades construídos na lógica do betão geram uma vivência degradada, são viveiro de criminalidade em parte simplesmente porque são feios, desarmónicos.

A crença numa religião tende a ser tanto mais forte quanto mais inóspito é o local; é uma das atitudes possíveis das pessoas que aí vivem; outra é a violência. A violência é a forma com que reagimos ao que nos incomoda, mesmo que seja apenas a um nível inconsciente. A religião fornece um escape à realidade.

Vem isto tudo a propósito do post que pus hoje no «outra física» sobre a ideia que fazemos do que seja o Universo, reescrito sobre um post já aqui publicado mas que não salientava este aspecto.

Um Universo feito de Matéria Negra, Energia Negra e Buracos Negros não parece uma coisa muito agradável, pois não? Tentem explicá-lo às crianças para verem como elas ficam assustadas. E preparem-se para as perguntas: “mas em que é que a Matéria Negra difere da matéria normal? E porque é que só existe lá longe, no céu? O Céu é feito de matéria negra e energia negra? Onde existem as galáxias que são canibais?

Este Universo de bruxedo, de magia negra, regido por cegas leis do acaso, não tem nada de aliciante. Não lembra por certo o Paraíso, mais se assemelha ao Inferno. A Ignorância mascara-se sempre com os nosso medos, seja na forma de monstros marinhos escondidos atrás do horizonte para os marinheiros de há uns séculos ou nas formas escuras que preenchem o nosso horizonte de hoje.

Se analisarmos as crenças de povos antigos, vamos encontrar alguns que imaginavam um Universo sórdido. E cujo destino foi igualmente sórdido.

E talvez também não seja uma coincidência que o conceito harmónico e belo do Universo do modelo de Newton esteja associado a uma fase de grande mudança para melhor no mundo ocidental.

Somos o que acreditamos, muito mais do que o que comemos; precisamos de um Mundo de harmonia, solidariedade, beleza. E esse Mundo começa no nosso entendimento do Universo. Não é irrelevante andarmos às costas com um modelo de Universo feio e incompreensível, pintado com os montros da nossa ignorância.
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quarta-feira, maio 14, 2008

outra física

Os assuntos que aqui abordamos não se restringem a um único dos campos em que organizamos o conhecimento que vamos tendo de tudo. São variados como o pensamento de qualquer ser humano, em perpétuo movimento de descoberta desde o momento em que os neurónios se descobriram uns aos outros.

Porque o assunto que estamos a tratar se enquadra exclusivamente na Física, pareceu-me conveniente iniciar um blogue que é um destaque só para assuntos de Física. Esse blogue é o "outra física".

Os posts de carácter físico serão publicados em ambos os blogues; os outros só no "outramargem".

Os posts de Física têm o objectivo de serem acessíveis a pessoas fora da área técnica ou científica, e até de serem interessantes se o engenho a tanto chegar, mas serão absolutamente rigorosos.

E pronto. Podem espreitar e observar um contador a marcar um número de visitantes de um dígito só... ou dois... é quase como experimentar um carro zero quilómetros...

segunda-feira, maio 12, 2008

Uma Rapidinha sobre Velocidade

Toda a sabedoria deriva dos conceitos em que assenta. Convém pois que não haja dúvidas a respeito deles. Aqui fica um apontamento muito breve sobre velocidade... porque devagar se vai ao longe.




VELOCIDADE, O QUE É?

É a distância percorrida por unidade de tempo. Ex: um carro à velocidade constante de 60 km/h percorre 60 km numa hora. Como a hora tem 60 minutos, também podemos dizer que a sua velocidade é de 1 km por minuto. E como o minuto tem 60 segundos, ainda podemos dizer que essa velocidade é de 16,7 m/s.

fórmula: v= e/t


ou seja, velocidade é a razão entre o espaço e o tempo.


E se a velocidade não for constante?
Nesse caso podemos falar de velocidade média num percurso, que é a razão entre a distância total e o tempo total desse percurso; quando o percurso se torna muito pequeno, ou seja, tende para um ponto do percurso, essa velocidade média tende para a velocidade nesse ponto.

Vejamos um exemplo:

Um carro faz 50 km à velocidade constante de 100 km/h e outros 50km à velocidade constante de 50 km/h. Qual é a sua velocidade média no percurso de 100 km?

Temos de calcular os tempos gastos em cada uma das situações.
Os primeiros 50 km foram percorridos à velocidade de 100 km/h, logo, em meia hora (tempo = espaço/velocidade = 50/100=0,5 horas)
Os segundos 50 km foram percorridos em 1 hora (velocidade de 50 km/h)
O tempo total foi, portanto, 1,5 horas
Logo, a velocidade média foi de 100 km / 1,5 horas = 66,7 km/h

Note-se que a velocidade média não é a média das velocidades.



COMO SE MEDE A VELOCIDADE DA LUZ NO AR?

Ainda ninguém conseguiu fazer uma medida directa da velocidade da luz no ar entre dois pontos diferentes (que fosse considerada válida). O que se conseguiu foi medir a velocidade da luz num percurso de ida e volta. O primeiro a consegui-lo foi o francês Fizeau em 1849.





representação esquemática do dispositivo de Fizeau para medir a velocidade média da Luz (Wikipedia)



Como o fez? Usou uma “roda dentada” em frente a um espelho, colocado a umas centenas de metros. Um raio de Luz passava no intervalo entre dois dentes, era refletido no espelho e regressava passando por um outro intervalo; com a roda em movimento, quando a velocidade de rotação é tal que o tempo gasto pela Luz a ir e vir é igual ao tempo necessário para um “dente” se colocar na posição da janela por onde a Luz devia passar no regresso, o observador deixa de ver a luz. Medindo a velocidade de rotação da roda é fácil então determinar o tempo gasto pela luz a ir e a vir. Assim se determinou a velocidade MÉDIA da luz num percurso de ida e volta.

Porém, como vimos no exemplo do automóvel, a velocidade média não nos diz qual é a velocidade em cada instante a não ser que a velocidade seja constante em todo o percurso. Será a velocidade da Luz igual no percurso de de “ida”, isto é, entre a roda e o espelho, e no percurso de “volta”, entre o espelho e a roda?



E SE A LUZ FOR UMA ONDA?

Se a velocidade da Luz fosse relativa à fonte, como a bala de um canhão, poderíamos presumir com razoabilidade que a velocidade da Luz é a mesma na “ida” e na “volta”, pois seria relativa ao emissor e ao espelho que a reflecte. Mas sabemos que não é assim. A Luz não se comporta como um corpúsculo ejectado.

O facto de a velocidade da Luz ser independente da velocidade da fonte sugeriu que será, como a velocidade do Som, relativa ao meio que a suporta. Não conhecemos outra situação. A este hipotético meio deu-se o nome de Aether luminífero. A quintessência do universo.

Ora certamente que esse aether terá uma velocidade em relação à Terra, pois sabemos que a Terra não está em “repouso no centro do Universo”; e isso implica diferentes velocidade de “ida” e de “volta” do raio de Luz em relação ao aparelho de medida.

Por exemplo, se o aether, em relação ao aparelho de medida, se desloca no sentido roda-espelho, certamente que a velocidade da Luz em relação ao aparelho é maior na “ida” do que na “volta”. Na “ida”, a velocidade do aether soma-se à da Luz, na “volta” subtrai-se.

Como poderemos descriminar a velocidade da Luz no aether da velocidade deste em relação ao aparelho de medida? Se pudéssemos fazer medidas da velocidade só de “ida” ou só de “volta”, seria fácil; mas só podemos fazer medidas de “ida e volta”. Mesmo assim, será que podemos descobrir alguma coisa?
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segunda-feira, maio 05, 2008

O “Triângulo das Bermudas” da Física (2 - a velocidade média da Luz é constante)

aqui se realizou uma das mais famosas experiências da Física

A velocidade da Luz é o maior mistério da Física actual? Essa agora!! Pensei que a resposta à minha pergunta fosse trivial! Não me digas que não se sabe qual é a velocidade da Luz??” A Luisa transpirava espanto, quase indignação.

“ E como é que podíamos saber isso?”
pergunto com o ar mais ingénuo que consegui.

Então, mede-se o tempo que a Luz leva entre dois pontos e divide-se a distância pelo tempo...”

“Isso é o que fazemos para medir a velocidade dos corpos... medindo o tempo da sua passagem num ponto A e num ponto B... mas não dá para medir a velocidade da Luz.”

Não dá porquê?”

“Por exemplo, supõe que o Mário te atira um desses amendoins que amavelmente a Ana nos serviu; eu podia medir a velocidade do amendoim começando a contar o tempo quando ele passasse sobre o copo do Mário e terminando quando ele passasse sobre o teu copo; depois media a distância entre os copos e, dividindo pelo tempo, obtinha a velocidade do amendoim, não era?”

Sim..”
a Luísa um pouco admirada do meu exemplo; não foi muito feliz, mas foi o que me ocorreu assim de repente...

“Bem, agora repara, há aqui uma série de factores que não contabilizamos, não é?”

Estás a referir-te ao teu tempo de reacção?”

“Esse é um, mas há outro que me interessa mais agora: eu não começo a contar o tempo na altura em que o amendoim passa sobre o copo do Mário mas quando eu VEJO o amendoim passar. Estás a perceber a diferença?”

Luísa hesita uns instantes. Depois anui:Sim, estás a querer dizer que é preciso considerar o tempo que a Luz levou desde o amendoim até aos teus olhos.

“Exactamente Luísa! Claro que neste caso é irrelevante. Mas se eu estiver a querer medir a velocidade de um raio de Luz, já não é. O tempo que mediria seria uma composição dos tempos gastos pela Luz no triângulo formado por mim e pelos pontos de começo e de fim do percurso da Luz.”

Sim, mas e então?”

“Então, o resultado que consigo obter dessas medidas é a velocidade média da Luz num percurso fechado, não é a velocidade da Luz entre dois pontos.”

Luísa interroga o Mário com o olhar. O Mário responde: “É como o Jorge diz; pelo menos, até hoje, ninguém conseguiu medir a velocidade da Luz entre dois pontos de uma forma que a ciência reconheça. e calou-se o Mário, mas eu percebi-lhe o sorriso maroto a fugir pelos cantos dos olhos e da boca, estava a querer prolongar o espanto da Luísa.

Mas então não se sabe a velocidade da Luz? Estou farta de ouvir dizer que a velocidade da Luz é contante e vocês estão a dizer que ela não se pode medir??”

Nada disso Luísa”,
o Mário assumindo aquele ar paternal que tão bem lhe assentava,Não podemos medir a velocidade da Luz entre dois pontos mas podemos medir num percurso de ida e volta; e sabemos que é de cerca de 300 000 km por segundo no vácuo! Altura de eu intervir:

“Essa é portanto a velocidade MÉDIA da Luz num percurso de ida e volta; só será a velocidade da Luz se esta for a mesma quando vai e quando volta; mas será assim?”
Deixo a pergunta no ar, estou curioso de ver como vão elas responder à questão.

Se eu percebi o que disseram”, a Ana em tom cauteloso, “se a velocidade da luz for relativa à fonte de Luz, que estará parada no laboratório, ela será a mesma nos dois sentidos e igual à velocidade média, como é evidente; se for relativa a outra coisa qualquer, à galáxia por exemplo, ela será diferente num sentido e noutro, porque estamos a mover-nos em relação à galáxia.

“Exactamente Ana!”
Fiquei genuinamente surpreendido com a resposta da Ana, estava a pensar que teria de explicar isto muito detalhadamente e afinal nem tive de explicar nada.

Vocês estão a arreliar-me! Mas é igual nos dois sentidos ou não? O temperamento fogoso da Luísa queria uma resposta, não queria explicações. O Mário tomou a palavra:

Uma maneira de o saber é medir a velocidade média da Luz nesse percurso de ida e volta para diferentes orientações. Se a velocidade da Luz for relativa à fonte, não interessa a orientação do percurso, a medida da velocidade será sempre a mesma; se for relativa a outra coisa, como o Jorge sugeriu, então será diferente, porque a composição da velocidade da Terra com a do raio de Luz terá diferentes valores para diferentes direcções.

Está bem, percebo. E então: variando a orientação do percurso, a velocidade média varia ou não?”

Não! A medida da velocidade média da Luz num percurso de ida e volta é constante! Esse é o resultado de uma das mais famosas experiências da Física, a experiência de Michelson-Morley.

Então isso quer dizer que a velocidade da luz é relativa à fonte!”
Luísa suspira de alívio, deve ter pensado que o assunto está a chegar ao fim.

Ah ah, essa não pode ser a explicação: o Jorge já mostrou, e muito bem, que a velocidade da Luz é independente da fonte!” Este riso do Mário foi dardo cruel na serenidade que aquietava já a Luísa.

Então, duma experiência conclui-se que a velocidade da Luz depende da fonte e na outra que é independente! Isso é uma contradição!” Qual amante enganada, Luísa reage com calor indignado. Mário sorri-se, deve estar habituado ao espanto que estes resultados causam. Ocorre-me o verso de Camões, "se tão contrário a si é o mesmo Amor".

O génio de Einstein resolveu esse problema ao descobrir que a velocidade da Luz é a velocidade limite do Universo, por isso é que a sua soma com a velocidade do observador continua a dar o mesmo valor inultrapassável. Ou seja, a velocidade da Luz não depende do observador nem da fonte e, no entanto, tem o mesmo valor constante tanto em relação ao observador, como em relação à fonte, como em relação a qualquer outra coisa.”

O Mário deixa cair o silêncio sobre esta revelação transcendente, bombástica; espera certamente mais uma intensa reacção da Luísa. Interessante esta forma de namoro... aguardo. Luísa não reage, também ela percebe o jogo do Mário e, na dúvida, está a fazer o oposto do que ele pretende. Resolvo ultrapassar o impasse:

“Eu explico-vos meninas: o Mário está a dizer que se tivermos dois observadores a verem o mesmo raio de Luz, por exemplo, a imagem de uma estrela, a velocidade desse raio de Luz em relação a ambos os observadores é a mesma, não importa se um está aqui sentado e o outro vai numa veloz nave espacial.”

Não percebo isso. Não faz sentido nenhum.”
Luísa definitiva.

Não faz sentido para o senso comum.”
Mário não evita um sorriso condescendente.Lembras-te do conceito de infinito em matemática? Representado por um oito deitado?” Luísa anui, quase a contra-vontade.

Se a esse infinito somares ou subtraíres uma quantidade, qualquer que ela seja, o que obténs? Infinito na mesma, não é verdade? Ora bem, o que se passa é que no mundo real a velocidade da Luz corresponde ao conceito de infinito em Matemática.”

E é por isso que qualquer que seja o movimento do observador, a velocidade de um raio de Luz é sempre a mesma em relação a ele?”
Ana resolveu entrar no diálogo.

Certo! Assunto encerrado para o Mário. Altura de eu entrar em cena:

“O conceito de infinito é uma abstracção matemática sem correspondência na Física. Claríssimo para um matemático, tal como os conceitos de Deus ou do Espírito Santo são claríssimos para um católico. Mas inaceitável para um Físico. Um Físico não pode explicar os fenómenos com base em abstracções ou coisas desconhecidas, por mais razoáveis que elas possam parecer. Porque, se o fizer, nada impede então que recorra também ao conceito de Deus, não é verdade?”

Os olhos de Mário dardejam na minha direcção mas mudam rapidamente para um registo magoado: “Estás a desconversar, não acredito que não saibas que é assim.”

“Eu sei que NÃO É assim. E é nessa terrível ideia, que não era a ideia do Einstein mas sim a do Minkowsky, que começou o afundamento da Física. Esse é um dos vértices do “Triângulo das Bermudas” da Física, onde a metodologia legada pelo Galileu desapareceu.”

Lá começas tu; há outra explicação para o resultado da experiência de Michelson-Morley?

“Claro que há”
e, não resistindo à pontinha de mistério, "embora só possa entendê-la quem tiver a chave que o Teorema de Pitágoras esconde."

Esperem aí!
A Luísa sabe que não pode deixar eu e o Mário a falarmos sozinhos, interrompe sempre que ameaçamos entrar em diálogo. "Dizes que este é um dos vértices de um “Triângulo das Bermudas” da Física? Quais são os outros dois vértices?”

“Um, já falamos, é a independência da velocidade da Luz em relação à fonte; a constância da velocidade média num percurso fechado é outro; só falta falarmos do terceiro vértice.”

Então? E qual é?”

“É o Princípio da Relatividade.”
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