sábado, setembro 27, 2008

Trabalhar para quê?

Porque não vais trabalhar? Porque não vais trabalhar? Porq....” Como disco riscado a frase ocupa-me o pensamento enquanto fito os olhos do indivíduo que me fita com olhos que parecem estar a ouvir o meu pensamento. A mão ligeiramente em concha, palma para cima, insistentemente a apontar para o meu umbigo. “Dá-me” leio-lhe nos lábios que despejam sons aos quais os meus lábios com outros sons respondem. O olhar dele semicerra-se e começo a perceber que neles está a resposta à minha pergunta pensada. Está lá, vejo que está lá, mas não a entendo. Um fino sorriso remata a mensagem enquanto me dá as costas. Que mensagem?

Que mensagem?

O ordenado mínimo é menos de 3 euros por hora. Dois euros e trinta por hora é quanto se paga nas empresas que prestam serviços com pessoal pouco especializado. 2.30€. 2 Euros e 30 cêntimos de Euro! 2,30€/ hora!

Trabalhar para quê? Mais vale pedir! Ou roubar! Basta entrar numa logeca qualquer uma vez por semana e assaltar a caixa para ganhar mais do que o ordenado mínimo em Portugal... Mais vale pedir. Trabalhar? Para quê???
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quarta-feira, setembro 24, 2008

A Crise Financeira Ocidental

Ora aqui vai uma pequena interrupção à série de posts sobre o balanço energético da humanidade, para falar de uma coisa que o chato do meu inconsciente resolveu que eu deveria tratar. Provavelmente é asneira. Mas não há forma de contrariar o que ele decide...

Os recentes acontecimentos financeiros nos EUA e na Europa, contrariamente ao que em sido afirmado pelos «entendidos», não resultam de falhas no sistema, de falta de fiscalização, de créditos mal concedidos. Os banqueiros podem ser gananciosos mas não são loucos nem incompetentes, não concedem crédito se não presumirem que têm uma perspectiva razoável de ele ser satisfeito. Então porque é que isto aconteceu?

Num post antigo, eu mostro, e isso não é uma opinião minha, que uma percentagem considerável da população está a empobrecer nas economias capitalistas. Por exemplo, é um facto indiscutível, que, em média, 90% das pessoas ficam mais pobres quando os 10% mais ricos enriquecerem a uma taxa superior a 10 vezes a do PIB. Notem que é «em média», portanto, um cenário mais detalhado poderá ser:

30% das pessoas estão a empobrecer
30% estão estacionárias
30% estão a enriquecer lentamente
10% estão a enriquecer rapidamente.

Na nossa sociedade capitalista há necessariamente um fluxo de riqueza dos mais pobres para os mais ricos; se este fluxo é superior ao aumento da riqueza média, alguém terá de empobrecer. A teoria capitalista é incompatível com um baixo crescimento do PIB e as sociedades ocidentais chegaram a um ponto onde o PIB só pode crescer devagarinho ou mesmo estacionar. Numa sociedade pobre, o capitalismo pode funcionar em economia fechada, mas nas nossas sociedades ocidentais as suas regras têm de sofrer grandes alterações.

Na primeira grande crise bolsista, em 1929, as empresas não conseguiam vender os seus produtos porque as pessoas já não tinham dinheiro para os comprar; com o aparecimento do crédito, as pessoas passaram a ter dinheiro para gastar mas depois não tiveram dinheiro para satisfazer o crédito – a actual crise tem as mesmas causas da primeira, a desigualdade na distribuição da riqueza.

A não existência de «pobres» não é uma preocupação social, é uma preocupação económica. Quando a UE define taxas máximas do número de «pobres» não está a fazer caridade, está a ser economicamente inteligente. E note-se que a definição de «pobre» não é uma definição absoluta, é apenas uma medida de desigualdade.

Quando alguns países, nomeadamente Portugal, excedem essas taxas, isso significa que estão a ser economicamente incapazes – a “pobreza”, esta “pobreza”, não é um problema social, é um problema do sistema económico, porque ele só pode funcionar bem se as pessoas não forem “pobres”. Ou seja, o capitalismo é uma teoria incompatível com um cenário de excessiva desigualdade na distribuição de riqueza, “crasha” neste cenário.

Como é que a actual crise aconteceu? Temos de distinguir dois problemas, o do crédito mal parado e o da bolsa.

Em relação ao crédito, será que as pessoas e as instituições de crédito assumiram compromissos que já sabiam que não podiam ser satisfeitos? Não! O que acontece é que nem uns nem outros perceberam que as pessoas estão a empobrecer, todos pensaram que o futuro seria mais abonado que o passado – as pessoas contraíram os empréstimos a pensar que tinham condições para os satisfazer e os bancos concederam-nos porque na altura as pessoas reunião as condições necessárias. O problema nasceu porque as pessoas empobreceram e esta possibilidade não foi contabilizada!

(você não está a pensar que irá ficando menos rico nos anos que aí vêem, pois não? mas talvez não fosse má ideia fazer um gráfico dos seus rendimentos líquidos dos últimos anos, corrigidos da inflacção, só para ver se há alguma tendência...)

Em relação à bolsa, acontece o seguinte: a Sociedade Anónima foi uma invenção genial destinada a criar um fluxo de riqueza para os «pobres», compensando a tendência para a desigualdade inerente ao sistema capitalista – através da compra de acções toda a gente poderia participar dos lucros das empresas por distribuição de dividendos. Só que as regras foram mal definidas e o mercado das acções tornou-se para as empresas um meio de obter capital «de borla» - nada de dividendos! O pagamento de dividendos deveria ser uma obrigação, prioritária em relação à atribuição de gratificações aos administradores, por exemplo. Mas não é. Então, se as empresas não pagam dividendos, porque hão-de as pessoas comprar acções? Porque se inventou um jogo de «dona branca» com elas! As pessoas, toda a gente salvo uma pequenina parte, sofre de cupidez e, por isso, caiu na armadilha da especulação bolsista como cai em todos os esquemas do tipo «dona branca» até que a polícia lhes ponha cobro.

Assim, ao longo de muitos anos, a bolsa tem servido para criar um fluxo de riqueza dos mais pobres para os mais ricos; porque o «pequeno investidor» só pode perder na bolsa, apenas o grande investidor pode ganhar.

Ora quando 70% da riqueza está na mão de 10% das pessoas, já não sobra riqueza suficiente para sustentar o casino bolsista. Então os grandes especuladores tiveram de deixar a bolsa e voltar-se para outro lado – foram especular com as matérias primas! A bolsa caiu, o preço das matérias primas subiu (mas abriram uma frente de batalha com os cartéis que controlam as matérias primas – felizmente há cartéis, como veremos noutro post... se o meu inconsciente o decidir...).

Como corrige o Sistema o problema? Criando um fluxo de riqueza para os mais «pobres»: os Bancos Centrais planeiam injectar cerca de um milhão de milhões de dólares.

Há quem pense que isto é inerente ao sistema e não tem problema: periodicamente surge uma crise destas, que se resolve desta maneira, e tudo retoma o bom caminho.
Mas pensemos: o dinheiro da Reserva Federal, ou do Banco Central Europeu, não é o dinheiro dos mais ricos, é de todos; quem injecta o dinheiro são todos os contribuintes. Isso significa que todos ficaram um pouco mais pobres (excepto os beneficiários da injecção). Então, alguns da classe «estacionária» empobreceram e dos que enriqueciam lentamente deixaram de enriquecer.

Tudo se irá repetir, é certo, mas a base de pobreza vai sendo cada vez maior pois continua a não haver espaço para o crescimento do PIB. Ou seja, a crise será cada vez maior. Portanto, o sistema tende para a ruptura.

Mas não é só isto. A massa crescente de pessoas que vai «batendo no fundo» fica numa situação psicologicamente muito má. Não podemos esperar que todas essas pessoas se resignem a isso. Revoltar-se-ão uns. Outros olharão para a sociedade como um campo de caça – todos os dias farão o seu assalto para prover as suas necessidades, a da sobrevivência e a de não ter menos que os outros. Este Capitalismo criou uma classe de pobres no interior de uma sociedade rica que não é uma sociedade de classes.

A assistência social pode assegurar a sobrevivência mas não a dignidade. Para assegurar a dignidade precisamos de um sistema que se preocupe com isso. Os Nórdicos têm um sistema desses. Terá os seus problemas, mas, pelo menos, mostra que isso é possível.

Se este é um problema grave, há outros ainda muito mais graves inerente ao actual sistema económico ocidental, que surgem ao fim de algum tempo. Num próximo post tentarei mostrar porque é que a cartelização é, por agora, a única forma conhecida de evitar catástrofes maiores – ou isso, ou um governo esclarecido, como o da China, que há muito compreendeu este e outros problemas cruciais. Pelo menos, é o que o meu inconsciente me sussurra...
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domingo, setembro 14, 2008

A Potência da Humanidade

Vejamos então quanta potência biológica consome a população mundial actual pelo simples facto de existir. Vamos trabalhar em unidades de Wh/ano, pelo que temos de calcular quanto consome o humano médio nestas unidades.

No post anterior já se disse que uma potência de 114 kW corresponde a 1 GWh/ano (uma potência de 114W consome 114Wh ao fim de uma hora e depois é multiplicar pelo número de horas de um ano médio). Portanto, «de cabeça» vemos imediatamente que, então, 114 W corresponderão a 1 MWh/ano (é só dividir por mil); e está-se mesmo a ver que 114 W deve ser um bom número para representar a potência humana, não vos parece?

Com efeito, 114W são 114x24= 2736Wh/dia que são 2736x0,86= 2353 kcal/dia

Se consultarmos as tabelas que o anonimodenome indica num comentário ao post anterior vemos que nos países muito pouco desenvolvidos o valor da potência por pessoa se situa abaixo das 2000 kcal/dia; nos países desenvolvidos o valor é muito mais alto, acima de 3400 kcal/dia (Portugal: 3753 kcal/dia na ingestão de calorias diárias em 2001/2003). Portanto, o valor de 1 MWh/ano por pessoa, que corresponde a cerca de 2350 kcal/dia é um valor adequado, até porque queremos, pelo menos por agora, números «redondos».

Portanto:

Potência do ser humano: 1 MWh/ano

Qual é a população humana? Em 2005 eramos uns 6,5 mil milhões de pessoas, pelo que hoje seremos uns 6,7 mil milhões de pessoas, ou 6,7 Giga. Sendo 1 MWh o consumo anual por pessoa, então:

Potência da humanidade 2008: 6,7 milhões de GWh/ano

Isto está a ficar interessante! Começamos a ter números, o que significa que começamos a poder «apalpar» o assunto em vez de apenas «palpitar» sobre ele.
No post anterior determinamos que a potência máxima que a fotosíntese pode produzir, considerando que ela actua em toda a superfície do planeta, será de 10 milhões de TWh/ano. Quererá isto dizer que podemos respirar de alívio, a Natureza pode providenciar a nossa sobrevivência? Hummmm... será? Que vos parece?
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sexta-feira, setembro 05, 2008

Unidades de Energia e de Potência

Grande confusão, as unidades de energia! Parece que cada área de actividade faz questão de usar uma unidade diferente... Vamos lá clarificar ideias sobre isto.

As duas unidades mais importantes são a caloria e o Joule, que têm origens bem diferentes.

A caloria (cal) é a quantidade de energia necessária para elevar de 1ºC um grama de água (em certas condições, mas isso não é relevante). É muito usada quando a forma de energia envolvida é o calor.

Nas medidas da energia consumida pelos seres vivos usa-se a cal. Mas como é uma unidade muito pequena, usa-se o seu múltiplo kcal, que vale 1000 cal, naturalmente. Por exemplo, a dose diária recomendada (DDR) de energia que um ser humano deve obter dos alimentos andará pelas 2000 kcal. Mas nos rótulos do valor energético dos produtos alimentares, ou nas máquinas do ginásio, muitas vezes encontrarão «cal» (às vezes «Cal») para designar «kcal». Temos por isso de ter atenção: quando virmos escrito “cal” pode estar a representar “kcal”.

O Joule (J) nasce na mecânica: é a quantidade de energia necessária para elevar de 1m um peso de cerca de 100g à superfície da Terra.

Pareceriam referir-se a duas coisas muito diferentes: a caloria a «calor» e o Joule a «trabalho»; mas sabemos que com a electricidade tanto podemos produzir calor como trabalho, não é verdade? Portanto, estas duas medidas de energia, de génese tão diferente, são redutíveis uma na outra e sabemos qual é a relação entre elas:

1cal= 4,184 J

Bem, e o watt, perguntarão vocês?

O Watt nasce por outra via. Quando fazemos um motor, este destina-se a gerar um fluxo de energia – uma certa quantidade de energia todos os segundos. A «energia por unidade de tempo» chama-se Potência. Portanto, um motor caracteriza-se pela potência que produz; e esta deverá medir-se logicamente em joules por segundo – J/s. A esta unidade de potência chamou-se Watt (W).

A Electricidade veio permitir a comercialização directa de energia – em vez de se vender litros de petróleo ou kilos de carvão, com a electricidade vende-se directamente a energia. Portanto, algo que se poderia contabilizar em Joules. Simplesmente, os motores eléctricos são definidos pela sua potência em W; toda a gente sabe que o W é uma medida de potência mas ninguém sabe o que é um joule. Ora um motor com a potência de 1 W, se estiver a trabalhar durante uma hora, que quantidade de energia consome? Se tem a potência de 1W, isso significa que consome 1 Joule em cada segundo; numa hora consome 3600 J, portanto.

Bem, aqui alguém teve um rasgo de génio (ou talvez fosse simplemente inglês, logo não poderia usar uma unidade que não fosse inglesa...) e lembrou-se do seguinte: se o motor tem a potência de 1W, numa hora consome 1W vezes 1hora, ou 1Wh (watt hora)! Assim se criou uma nova unidade de energia, o watt-hora: Wh.

Então:

1Wh=3600 J=860 cal

ou

1 Wh=0,86 kcal (ou 1kcal=1,16 Wh)

Por exemplo, as 2000 kcal da DDR para os seres humanos são 2320 Wh ou 2,3 kWh

Reparem que W é uma unidade de Potência e Wh é de Energia!

Isto permite-nos calcular imediatamente que o ser humano precisa de cerca de 100 Wh em cada hora (2320 Wh a dividir por 24h), ou seja, tem o consumo (potência) de 100W, gasta a mesma energia para sobreviver que gasta uma lâmpada de incandescência de 100W. Cada um de nós é uma lâmpada de 100W acesa noite e dia (na realidade é mais, como veremos).

Como vamos trabalhar com grandes números, teremos de recorrer aos conhecidos múltiplos: k (quilo) para mil, M (mega) para um milhão, G (giga) para mil milhões; por exemplo,

1GWh=1000MWh=1000 000kWh=1000 000 000 Wh=10^9 Wh

No post anterior apresentei cálculos da energia sustentável por ano; ora isto é uma Potência, uma vez que é uma energia por unidade de tempo (um ano): GWh/ano. Podemos convertê-la noutras unidades de potência, por exemplo, o kW:

1GWh/ano = 114 kW

Portanto, se tivermos uma máquina com uma potência de 114 kW a funcionar noite e dia, ao fim de um ano terá produzido 1GWh de energia.

Isto permite-nos fazer facilmente um cálculo interessante: sabendo a potência disponível, a que cada humano precisa e o número de pessoas no Mundo, podemos fazer um primeiro balanço da situação energética da humanidade! Aqui fica o desafio aos corajosos leitores, uma espécie de exercício de “Train your brain”...

Ah, e se quiserem saber qual é a potência do carro em kW, aqui fica a relação com as unidades habitualmente usadas:

1 hp (horsepower)= 745,7 W
1 cv (cavalo vapor)=735,5 W
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