sábado, agosto 30, 2008

Quanta Energia Sustentável?




Energia? É a Energia que faz as coisas boas acontecerem e a falta dela que gera as más, não é? Portanto, para sabermos se caminhamos para coisas boas ou más, temos de fazer o balanço entre a energia disponível e a necessária.


Primeira questão: quanto é a energia sustentável disponível?


Ao nível do conhecimento actual, a energia sustentável disponível é só a que vem do Sol; segundo os satélites, o fluxo médio de energia solar que incide sobre a Terra é de 1366 W/m2; parte desta energia é reflectida pelas nuvens e superfície terrestre; segundo a Wikipedia, o valor da parte reflectida (albedo) é 0,367; logo, a parte absorvida pela Terra é de 865 W/m2.


Para calcularmos a energia total absorvida pela Terra, basta multiplicar aquele valor pelo valor da secção da Terra. Como este é de 127 milhões de km2 (127 Tm2), a superfície da Terra recebe uma potência de 110 mil TW, ou seja 964 milhões de TWh por ano - grosso modo, 1 000 milhões TWh por ano. (T é o símbolo de «Tera» que representa um milhão de um milhão, ou 10^12)


Portanto, temos um primeiro número para o nosso balanço energético:


A potência solar «bruta» é de mil milhões de TWh por ano (ou 10^21Wh por ano)


Esta energia chega na forma de ondas electromagnéticas e facilmente pode ser transformada em «calor». Mas o calor não é uma forma de energia «útil», pode apenas ser usado como meio intermédio de obtenção de energia «útil», com uma eficiência baixa. A Vida recorre à fotossíntese para obter a energia útil de que precisa (à excepção de uns casos sem volume biológico).


Qual é o rendimento da fotossíntese? Ora a resposta a esta questão parece ser difícil. Para começar depende muito da temperatura e da concentração de CO2 ambiente. Depois, varia com o tipo de planta. Na Wikipedia podemos encontrar um valor teórico de 6,6%. Aqui diz-se que:


Photosynthesis and agriculture. Although photosynthesis has interested mankind for eons, rapid progress in understanding the process has come in the last few years. One of the things we have learned is that overall, photosynthesis is relatively inefficient. For example, based on the amount of carbon fixed by a field of corn during a typical growing season, only about 1 - 2% of the solar energy falling on the field is recovered as new photosynthetic products. The efficiency of uncultivated plant life is only about 0.2%. In sugar cane, which is one of the most efficient plants, about 8% of the light absorbed by the plant is preserved as chemical energy."



Há ainda um aspecto de peso que é o seguinte: as plantas gastam parte da energia que obtêm da fotossíntese simplesmente para se manterem vivas; esta parte é cerca de um terço em condições favoráveis. Mas este «terço» é gasto dia e noite, enquanto que a fotossíntese só funciona durante o dia. E isto reduz para metade a eficiência média liquida da fotossíntese. Ou seja, isto reduz para 3,3% o valor teórico em presença da luz de 6,6% indicado na Wikipedia.


Temos ainda de considerar que uma parte da área da Terra não suporta vida, como os desertos, as zonas elevadas ou as geladas; que as zonas da Terra em latitudes superiores aos 40º têm condições térmicas que determinam baixo rendimento e funcionamento da fotossíntese durante apenas parte do ano; e que os processos agrícolas determinam largos períodos de baixo coberto vegetal.


Eu já vi não sei onde que há quem tenha atribuído uma eficiência global de 1% à fotossíntese, o que, pelo que acima enumeramos, parece razoável; se o milho atinge o máximo de 2% durante só a época de crescimento, a que corresponderá um valor muito inferior na média anual, não poderemos esperar valores médios globais superiores a 1%, apesar de em alguns casos, como o da cana de açucar, ou recorrendo a atmosferas enriquecidas em CO2, isso ser possível; mas são situações sem dimensão à escala do planeta. Portanto, poderemos estimar para a eficiencia fotossintética natural global o valor de 1%.


E nos oceanos, que representam 70% da superfície do planeta? Aí, algas e bactérias encarregam-se da fotossíntese; na falta de outros elementos vou usar o mesmo valor de eficiência para todo o planeta.


Então temos aqui um segundo número:


Eficiência fotossintética global estimada: 1%


E este número permite-nos obter imediatamente um terceiro:


Energia bioquímica máxima: 10 milhões de TWh por ano (10^19Wh)


Há um pressuposto falso neste número: o de que todos os elementos químicos e outras condições necessários a uma quantidade de vida capaz de absorver essa energia estão naturalmente disponíveis. Não estão, por isso precisamos de fabricar e distribuir adubos, irrigar, etc., o que consome energia, algo a que teremos de prestar atenção mais adiante.


Agora, vamos ao outro lado do nosso balanço: saber a energia que a Vida na Terra está a gastar. Sabemos que vamos buscar muita energia aos combustíveis ditos fósseis, mas não sabemos se a energia total que gastamos está dentro do sustentável ou não; se estiver, o recurso a biocombustíveis ou células solares ou fotossíntese artificial pode resolver o problema do fim desses combustíveis fósseis; se não estiver, a solução terá de ser outra.


Não saberemos quantos peixes há no mar mas sabemos quantos humanos há em terra. Quanta é a Energia que um ser humano precisa para sobreviver? E quanta a que a sociedade actual precisa?


Eu vou de férias por uns dias, o meu corpo recusa-se a sentar-se mais em frente ao computador, mas não acabou o amigo leitor de regressar de uns dias de férias, com a cabeça fresquinha e o corpo revigorado? Não quer procurar a resposta a essas questões? Por enquanto não dou prémios à melhor resposta mas certamente que oferecerei aos meus comentadores um exemplar autografado do livro que publicarei com algumas das coisas que aqui tenho dito e outras...


Se alguém tiver outros números diferentes dos que apresentei, faça o favor de os trazer aqui! Eu e os outros leitores ficaremos gratos. E é bom que haja outros números para testarmos depois o que melhor parecer ajustar-se ao balanço a que chegarmos. Este é um processo de descoberta, não é uma lição magistral.
PS - na versão inicial deste post havia um erro no cálculo da potência solar, já corrigida.

quarta-feira, agosto 20, 2008

O Princípio da IN (Inteligência Natural)


Em 2005, o prémio Nobel Robert Laughlin publicou um livro algo revolucionário para os cientistas: A Different Universe (reinventing physics from the bottom down).

A tese fundamental desse livro, onde ele diz outras coisas muito importantes e «inconvenientes», é que a ideia de modelar o Universo apenas à custa da matemática e de leis fundamentais é um mito. E isto por duas razões.

Uma é a própria ideia de “Lei Fundamental”. As leis de Newton são leis fundamentais? Para um físico atómico não, são propriedades de corpos neutros, estruturas complexas cujas propriedades resultarão das propriedades mais elementares das partículas.

Serão as propriedades das partículas «leis fundamentais»? Claro que não, as partículas compõem-se, segundo a teoria atómica, de quarks. Serão as propriedades dos quarks as «leis fundamentais»? Etc.

O que acontece é que em sucessivos níveis de complexidade e em diferentes situações os sistemas exibem propriedades regulares, sistemáticas, que podemos designar por Leis ou Princípios. E, embora estas leis possam ser consequência das propriedades do nível anterior, não está na nossa mão obtê-las por dedução matemática, dada a complexidade dos sistemas naturais.
Isto é a base da Tecnologia. Ninguém projecta uma viga ou uma antena a partir das leis ditas fundamentais. Já imaginaram o que seria calcular os complexos movimentos dos electrões dentro de um condutor para daí deduzir as propriedades duma antena? Impossível, sem sentido. O que se faz é estudar as propriedades relevantes à escala que nos interessa e projectar a partir delas.

Porque é que isto é revolucionário para a Ciência? Porque a ideia de que a ciência «terminaria» com a descoberta (?) das leis fundamentais fica sem sentido. O próprio conceito de «Lei Fundamental» não tem cabimento. A Natureza apresenta comportamentos regulares e sistemáticos numa enormidade de escalas e situações e é o levantamento infindável desses comportamentos que permite modelar o Universo. Que é o que a Tecnologia vai fazendo, nas áreas que lhe vão interessando.

Porque é que isto é relevante para o nosso problema de prever o Futuro? Porque nos abre uma possibilidade de o fazermos: uma vez que existem comportamentos sistemáticos, traduzíveis em Leis, nas mais diversas escalas, o que temos de fazer é procurar, intuir, um comportamento, uma relação causa-efeito, que seja válido numa escala adequada ao Futuro que queremos prever.

Isto tem sido tentado, mas sempre numa óptica de encontrar o que se conserva, o que não muda, ou o que é periódico ou, pelo menos, extrapolável. E temos até uma lei que nos diz qualquer coisa sobre a evolução dos sistemas, uma lei termodinâmica, que diz que um sistema isolado evolui no sentido da desorganização.

A aplicação destes métodos e leis, no entanto, é decepcionante. A economia é talvez o ramo do conhecimento que mais se especializou nisto, tanto que até já há cientistas que investigam a aplicação dos métodos econométricos à previsão climática, mas os resultados continuam muito fracos. Quanto à lei termodinâmica, aplica-se a sistemas só com interacção «mecânica», o Universo ri-se dela evoluindo no sentido oposto.

Em conclusão, precisamos de uma propriedade do Universo que nos permita balizar caminhos do Futuro mas nada do que temos actualmente serve esse propósito.

Tenho vindo a referir que parece existir uma misteriosa propriedade, a que chamei Inteligência Natural, que faz com que os sistemas evoluam para a organização desde que exista energia adequadamente disponível. A disponibilidade de energia determinará se o sistema evolui para a organização ou para a desorganização e a velocidade a que o faz. Até já referi que se poderá medir a Inteligência Natural de um sistema pelo simétrico da derivada da entropia do sistema (ou seja, a velocidade de variação da negentropia).

Note-se que já em 1944, o grande Erwin Schrödinger, reconhecido como físico mas, tal como Poincaré, alguém cujo pensamento não conhecia fronteiras, considerou no seu livro «O que é a Vida (considerado a fonte inspiradora para a pesquisa do DNA) que a vida se alimentava de entropia negativa ou negentropia. Salientou como a natureza segue geralmente o princípio evolutivo «ordem a partir da desordem», enquanto a termodinâmica trata de «desordem a partir da ordem» e a vida se pode entender como «ordem a partir da ordem».




não, não é o «pianista», é o Schrödinger lá para 1933, ano em que recebeu o Nobel. Ele e Poincaré são dois dos pais do Conhecimento que está para chegar... (foto da wikipedia)


A compreensão do fenómeno do Desvanecimento permite-nos traçar um quadro muito geral do processo à escala universal: as «partículas» surgem com uma certa «energia»; esta expande-se na forma de campo, desvanecendo a partícula; o campo move as partículas e leva-as a organizarem-se em átomos, galáxias, estrelas, átomos pesados; este processo transforma parte da energia em radiação; aglomerados de átomos pesados, a que chamamos planetas, desenvolvem processos de associar átomos em moléculas; nalguns casos, as moléculas organizam-se em Vida; a Vida usa a energia da radiação para continuar a gerar mais organização na forma de sistemas de seres vivos; neste processo transforma-se a energia de alta frequência absorvida (luz) em energia de frequência mais baixa (calor).

Portanto, a Natureza ganha organização à custa da «desorganização» da energia inicial – que passa do confinamento em «partículas» para a indiferenciação na forma de campo e radiação.

A descrição acima é válida em grande escala; se analisarmos numa escala mais pequena, isso pode não suceder – por exemplo, surgiu vida na Terra e não (provavelmente) em Vénus. A razão que apresentei é que apenas a Terra teve as condições necessárias à formação das moléculas da vida em grande quantidade, pois teve uma pressão atmosférica de umas 300 atmosferas (indispensável à fixação dos átomos de azoto), algo que Vénus não teve. Portanto, temos de ter atenção à escala de aplicabilidade desta propriedade. A Inteligência Natural é como a difusão – um processo ordenado numa escala grande que resulta de um processo desordenado à escala molecular.

O termo «Inteligência» que tenho usado para designar esta propriedade presta-se a confusão com o conceito de inteligência humana; convirá arranjar outro termo. Alguém tem uma sugestão a apresentar? Entretanto passarei a usar a abreviatura «IN» para Inteligência Natural.

Será que este «princípio da Inteligência Natural» ou «princípio da IN» nos poderá servir para prescrutarmos as alamedas do Futuro? No próximo post vamos verificar como ele pode ajudar a compreender a história da civilização humana.

terça-feira, agosto 12, 2008

Prever o Futuro: a inutilidade das Leis Fundamentais


Prever o Futuro, não é isso que mais nos importa? Saber que perigos, que Monstros se escondem no Futuro? E, mais do que isso, encontrar forma de os arredar do nosso Destino?

As antigas religiões foram a primeira estrutura que criamos com essas supostas capacidades, tanto a de prever como a de domar o Destino, recorrendo a rituais variados (danças, sacrifícios, mezinhas, orações).

O Conhecimento veio dar-nos novas ferramentas. A primeira foi a detecção de períodos. Diariamente o Sol se repete a repelir a noite, todos os 28 dias a Lua desaparece dos céus, todos os 12 ciclos lunares as plantas se renovam e dão as suas flores e seus frutos, os rios transbordam os seus leitos. Sete anos são de vacas gordas e sete de vacas magras (o ciclo das manchas solares). Parecia que todo o Universo estava inscrito em Ciclos. Dominar o Futuro era uma questão de conhecer os Ciclos do Universo. A Astrologia é a Ciência de excelência na procura de Ciclos, usando o grande Relógio dos planetas, não só o único disponível na Antiguidade como certamente o mais adequado, pois seria o relógio do próprio Relojoeiro.


influências astrologicas no corpo humano - da wikipedia





Mas afinal o Universo parece não se repetir assim tanto; a mesma água não passa duas vezes sob a mesma ponte. O universo flui, pode evoluir em ciclos mas estes parecem não se repetir exactamente. A expectativa de dominar os monstros do Futuro esmorece, os olhos dos humanos carregam-se de nuvens de preocupação; as videntes ganham favores dos lideres.

Mas eis que uma nova esperança surge com as newtonianas Leis da Mecânica! Agora sim, o Universo revelava as suas Leis Fundamentais! Conhecer o Futuro era uma mera questão de fazer contas. Passos de gigante deu então a Ciência, desnudando impiedosamente o Universo, revelando a impotência dos Deuses que as religiões tinham criado. Crescia aquilo que é capaz de fazer surgir água no deserto, criar maná e destruir os inimigos: a Tecnologia!

A Tecnologia não prevê o Futuro, o Futuro a Deus pertence, a Tecnologia é apenas o seu poderoso Arcanjo. Mas a Ciência podia agora prever o Futuro! Bastava fazer as contas. A Física estava terminada, como disse Lord Kelvin, esclarecendo que “O trabalho das gerações vindouras será apenas o de acrescentar algumas casas decimais às constantes físicas conhecidas”.

Um pequeno soluço perturbou brevemente este convencimento mas logo surgiu a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade para devolver o brilho ao ego dos cientistas. De novo a Ciência capaz de cavalgar as estepes do Futuro. Era só fazer as contas, porque os modelos do Universo estavam concluidos.


Bem, há sempre um chato em todas as histórias cor-de-rosa não é? O chato desta história foi o Poincaré.




o incrível Henri Poincaré - da Wikipedia



Pois o chato – não tem outro nome – do Poincaré resolveu analisar o comportamento de 3 corpos gravitacionalmente ligados (bem... havia um prémio...). Uma coisa simples, tipo Sol-Terra-Lua. E descobriu algo que o deixou siderado: que podiam existir comportamentos não-periódicos, irregulares, com mudanças bruscas de características. Insignificantes mudanças das condições iniciais podiam conduzir a cenários completamente diferentes a breve trecho. A determinação do Futuro do sistema tornava-se impossível porque é impossível conhecer as posições iniciais com precisão infinita e efectuar os cálculos com precisão infinita. A pequena nuvem de erro nos cálculos e na posição inicial logo se transformaria em nevoeiro impenetrável.

Um exemplo elementar do que acontece pode ser dado pela aplicação logística, na Wiki e aqui. Quanto ao problema dos 3 corpos, pode ver aqui, no 4ºexemplo, uma emulação do problema (muito interessante, não percam); se escolher «2 planetas» verá como uma diferença de 1% na velocidade inicial conduz a trajectórias completamente diferentes em pouco tempo.

Poincaré lançou as bases do que viria a ser a Teoria do Caos. Não se pense que este tipo de situação que ocorre com os 3 corpos é rara na natureza – pelo contrário, ela ocorre por todo o lado, desde os fenómenos de turbulência às paragens cardíacas.


A Teoria do Caos pode perspectivar que tipo de situações podem ocorrer, pode explicar situações que observamos, mas não pode prever se determinada situação vai ou não ocorrer e muito menos prever quando!


Vejamos então em que ponto estamos em relação à previsão do Futuro:

1- sistemas muito pequenos, como o dos 3 corpos, podem ter comportamentos caóticos que, por dependerem criticamente do conhecimento das condições iniciais e da precisão de cálculos, são imprevisíveis por emulação numérica – os fenómenos da natureza são qualitativamente complexos;

2- os sistemas da natureza não são pequenos; porque se compõem de muitos elementos, não podemos ter detalhe de cálculo que permita aplicar as leis fundamentais a cada elemento individualmente – os fenómenos da natureza são quantitativamente complexos;

3- Temos um problema de fundo com as nossas leis fundamentais pois elas conduzem inexoravelmente a um Universo que se desorganiza enquanto este é um Universo que se organiza.


Estamos tramados, não é?


Mas não somos de desistir pois não? Até dobrámos o Bojador... Se não podemos prever o Futuro por emulação numérica a partir das Leis Fundamentais, não haverá outras maneiras?

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sexta-feira, agosto 01, 2008

Nos teus ombros carregarás a Vida



5. “mas Deus sabe que no dia em que dele comerdes, os vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal".
6. Então a mulher notou como era tentador o fruto da árvore, pois era atraente aos olhos e desejável para se alcançar Inteligência (Sabedoria?). Colheu o fruto...”


Os antigos tinham esta arte: em curtas parábolas condensavam grandes conhecimentos. Uma «estória» é um excelente algoritmo de correcção de erro e fornece suporte seguro à nossa memória. Uma genial invenção para que a tradição oral pudesse passar o testemunho de geração em geração sem degradação da informação. As parábolas eram os livros de antes dos livros. Pena que a banalização da escrita nos tenha feito perder a arte de as entender.


Aquelas poucas palavras do Génesis 3 retratam um acontecimento da maior importância para a Vida na Terra. Todos os seres vivos contêm um programa que os comanda. Que determina os seus actos. Dizemos que são «os instintos». Esse programa determina as regras de vida e é tal que assegura que a vida exista em equilíbrio.


O equilíbrio das espécies não resulta de um empate na luta pela sobrevivência de seres que se regem por interesses imediatos. Esta é uma ideia nefasta, uma pobre compreensão da Natureza, com consequências deploráveis a nível das teorias de organização da sociedade humana e da economia.


O equilíbrio das espécies resulta da existência de rígidas regras que os programas instintivos cumprem sem hesitação. Regras que estabelecem mecanismos de autolimitação para cada espécie. Que evitam os ciclos presa-predador.


Em consequência, a densidade ecológica de cada espécie é mantida nos níveis adequados. Especialmente a dos grandes animais.
Não é muito mais poderosa a águia do que o pardal? A Lei da Natureza não é a «do mais forte?» Então porque é, e sempre foi, muito mais rara a águia do que o pardal?


A resposta é que as próprias águias estabelecem os seus limites, e logo a nível das características de reprodução. A impiedade com que a águia recém nascida se apressa a deitar os irmãos do ninho abaixo é indispensável não para assegurar a sua sobrevivência, mas para assegurar que o número de águias não põe em perigo o equilibrio ecológico. Para assegurar a sobrevivência das espécies, não a do indivíduo.


Estes comportamentos instintivos exigem a total ausência de consciência individual do «bem» e do «mal»; a total ausência de autonomia de decisão. Exactamente porque resultam de uma sabedoria que não é de curto prazo nem da escala individual, logo incompreensível a nível individual.


Não significa isto que os animais ditos irracionais não disponham de Inteligência. Claro que são inteligentes, em menor ou maior grau. O seu cérebro é capaz de resolver problemas, mesmo ao nível dos insectos.


O que os distingue qualitativamente dos humanos é que estes são «conhecedores do bem e do mal». São «como os deuses». Os humanos não são necessariamente comandados por uma vontade que os transcende, consubstanciada no programa gravado no cérebro. Os humanos são capazes de desrespeitar os seus instintos, que comandam acções, para satisfazerem necessidades mais sofisticadas, como a de amar e ser amado. Isso, porém, exige um nível de Inteligência, e de Sabedoria, mais elevado, que o «fruto da árvore proibida» lhes concedeu, no dizer da parábola.


Tendo «comido o fruto proibido», os Humanos atreveram-se a desrespeitar os instintos. Os instintos que mantiveram a espécie em equilibrio ecológico durante milénios. Porque razão eram tão poucos, em relação ao actual, os humanos da pré-história? Porque obedeciam aos instintos e se autolimitavam através de lutas territoriais. Se o não fizessem, morreriam de fome. O número de humanos que o planeta pode suportar em equilibrio natural é o que existiu durante mais de 20 000 anos: em média, cerca de 5 milhões em todo o planeta, menos de 10 milhões no máximo. Cinco milhões de pessoas, esse é o número que o conhecimento do passado nos diz ser o número médio possível de humanos em equilibrio natural no seio da Mãe Natureza, vivendo uma vida de máxima simplicidade e mínimo consumo energético. Cinco milhões de humanos, é essa a capacidade do jardim do Éden.


Há uns dez mil anos atrás, o Humano ousou imitar os deuses. Ousou desrespeitar os instintos primários. Em vez de lutar ferozmente pelo seu direito ao alimento, em vez de matar o próximo para que não lhe faltasse o alimento, em vez de fazer como a cria da águia, ousou tentar obter da natureza mais alimento do que aquele que ela dava voluntariamente, violando a clara ordem que os seus instintos ditavam.

Diz o Génesis que foi a Mulher que o fez. É provável. O Homem estava concentrado na luta e na caça, actividades do agrado da generalidade dos homens. Ainda hoje, em muitas sociedades primitivas, a agricultura e pecuária dependem exclusivamente das mulheres.


Veja-se a maldição lançada sobre o homem:

17. “Porque obedeceste à voz da mulher e comeste da árvore da qual eu te ordenara: «Não comas», amaldiçoada será a terra por tua causa. E só com fadiga tirarás dela o alimentodurante todos os dias da tua vida. Produzirá para ti espinhos e abrolhos e comerás as ervas do campo. Comerás o pão com o suor do rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado...“


As contantes guerras e lutas que costuram a história da humanidade não constam do “castigo” porque lutar é natural para o homem, é o programa que nele está inscrito, é o programa da autolimitação; a agricultura é que é o “castigo” porque ela é que representa a desobediência ao instinto, a vontade Humana a desafiar a da Natureza, ou seja, a dos Deuses.

Não haja ilusões: não existimos em equilibrio ditado pela Natureza. Não existimos em equilíbrio ecológico. O equilibrio da Vida na Terra não depende das leis da Natureza, dos programas inscritos nos seres vivos. Depende da nossa acção. Não é já a «Mãe Natureza» que cuida da vida na Terra, são os Humanos. Foi esse o papel que assumimos quando «comemos» o fruto da Inteligência e da Sabedoria, quando abrimos os olhos e ousamos desafiar a Natureza.


Não se pense que há alternativa. Não há. Como saberemos depois de compreender a Teoria do Desvanecimento, as condições de vida na Terra dentro de alguns milhões de anos serão incompatíveis com a vida tal como a conhecemos. Apenas uma Vontade Inteligente poderá assegurar a continuação da Vida para além disso. Na Verdade, a «expulsão do Paraíso» não é um castigo divino, é a solução encontrada pelos Deuses para que a vida possa continuar. «Proibir o fruto» foi apenas um ardil para o tornar irresistível... de outra forma, como entender que


3. Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse «não o comeis, nem sequer lhe toqueis, morrereis se o fizerdes.»

Então a árvore proibida iria estar logo no meio do jardim? Não foi Ele quem pôs lá a árvore? Seria estúpido esse Deus?


Claro que não... a árvore que Deus não quer que o Homem descubra é outra, pois:


22. E disse Deus: «Foi aqui que o homem, ao conhecer o bem e o mal, se tornou como um de nós. Que não estenda agora a mão também à árvore da vida, para comer dela e viver para sempre.»
...24. Tendo expulso o homem, colocou querubins a oriente do Jardim de Éden, e uma espada flamejante que se movia em todas as direções, para guardar o caminho da árvore da vida.


Como é evidente, esta é a árvore cujo fruto o Homem não pode comer; se o fizesse, estagnaria a evolução. Esta árvore, Deus não colocou no meio do jardim.
(Já agora, porque diz Deus que o homem se tornou «como um de nós»? «Nós» quem??? E para quem fala Deus?)


E porque «Deus» recorreria a tal ardil da árvore proibida no meio do jardim? Porque doutra forma o Homem culparia Deus das suas canseiras e revoltar-se-ia. Perceberia que para regressar ao Jardim, bastar-lhe-ia perder a consciencia do bem e do mal. Autolimitar-se, como as outras espécies. Mas assim o Homem recusaria a sua Missão – a de salvar a Vida. Que terá de ser salva já não pela Natureza mas pela espécie inteligente que a Natureza criou como seu instrumento.


Esta não é, porém, uma missão fácil. Sucessivas ascensões e colapsos marcam a história dos humanos. A ignorância da verdadeira razão dos colapsos anteriores é o estigma do próximo colapso. Não é com a ignorância mas com Inteligência e Sabedoria que o homem pode cumprir a magna missão que pesa sobre os seus ombros. Que não é a de carregar os Céus, mas a Vida.