terça-feira, agosto 30, 2011

O maquiavélico plano Franco-Alemão (3)




Mercadores de escravos analisando os dentes da escrava, por Jean-Léon Gérôme (da wikipedia)


O que é um ESCRAVO?


Qual é o mínimo custo de um trabalhador?

É o seu custo de sobrevivência – ou seja, alimentação. No fundo, o custo da energia que ele consome. Nas zonas onde a fome grassa devido à sobrepopulação, nomeadamente onde não se pratica controlo de natalidade, as pessoas trabalham por esse valor.

Desde que a sociedade humana existe que uns humanos usaram outros humanos para a realização de trabalho a troco de lhes assegurarem a sobrevivência. Nas sociedades sofisticadas do Egipto, da Grécia ou de Roma, estas pessoas, os «escravos», muitas vezes capturas de guerra mas nem sempre, distinguiam-se dos «cidadãos» por não terem direito de voto.

Note-se que até muito recentemente as mulheres não tinham direito ao voto, que não era considerado um direito fundamental dos humanos mas uma obrigação dos humanos que intervinham directamente na economia da sociedade. Não é pois a questão dos direitos que caracteriza o escravo pois os direitos das mulheres não eram muito diferentes dos deles.

Na antiguidade, em geral, os escravos eram bem tratados pelos seus senhores, pois por um lado não eram tidos como inferiores e por outro considerava-se que um escravo mal alimentado e mal cuidado não seria eficiente no trabalho. A qualidade do tratamento dispensado ao escravo foi sendo cada vez pior, adquirindo características de violência extrema sobretudo a partir do sec. XV, com a utilização maciça dos escravos africanos. Para justificar moralmente esta prática, foi então desenvolvido e "cientifizado" o conceito de «racismo».

Como é evidente, a utilização de escravos dava uma grande vantagem económica aos que a ela tinham acesso, o que levou os outros a desenvolveram uma luta feroz contra esta prática; por outro lado, era também fonte de degradação social por conduzir à ociosidade dos senhores, tendo esta sido a base para a proibição da entrada de escravos em Portugal pelo Marquês de Pombal; por último, as práticas esclavagistas tinham-se tornado moralmente inaceitáveis. Tudo isto conduziu ao fim do comércio legal de escravos e da possibilidade de umas pessoas serem legalmente donas de outras.

O fim desse tipo de escravatura não significou o fim do objectivo económico, isto é, do objectivo de dispor de pessoas que trabalham a troco da sobrevivência.

Notemos agora que o conceito de escravo reside apenas numa única coisa: escravo é a pessoa que trabalha a troco da sobrevivência, ou seja, pelo custo da energia que precisa de gastar para sobreviver.

A privação de direitos ou imposição de força foram apenas algumas das técnicas para obter trabalhadores pelo custo mínimo no passado. Mesmo no tempo da escravatura dos negros de África, alguns dos escravos eram voluntários – sem controlo de natalidade, era a fome que limitava a população e alguns ofereciam-se para escravos para sobreviverem mais uns anitos. 
O fim da «escravatura» apenas marca o fim do uso legal da força bruta sobre o indivíduo para obter esse desiderato. Outras técnicas foram desde então encontradas para conseguir o mesmo objectivo. A mais directa substituição da forma anterior de escravatura consistiu no sistema de cantina, em que os trabalhadores eram pagos em vales ou equivalente que eram descontados numa cantina do empregador; desta forma as pessoas ficavam a trabalhar a troco da sobrevivência, que os vales para mais não davam. Esta foi a forma usada no Brasil na era da Borracha, magistralmente retratada em A Selva de Ferreira de Castro.

Mas há outras formas; por exemplo, ainda há pouco mais de meio século, senhoras em Portugal iam à província buscar raparigas novas para trabalharem como suas empregadas domésticas a troco de alimentação e dormida. Isto mostra que as pessoas podem aceitar de boa vontade a condição de escravo desde que antes sejam colocadas numa situação em que a sobrevivência esteja em risco.

Conseguir escravos voluntários é o sonho de qualquer gestor de pessoal. E isso foi conseguido no começo da era industrial mantendo os cidadãos do país em situação de miséria - os escravos negros foram de novo substituídos pelo "povo" enquanto as elites concentravam a riqueza.

A economia dos países mais industrializados, porém, exigia que cada cidadão fosse um consumidor de bens, dos bens produzidos pelas fábricas; ora isso implicava que os trabalhadores teriam de ganhar mais que o indispensável à sua sobrevivência para poderem comprar esses bens. A escravização da própria população impedia isso, era preciso transformar os cidadãos em consumidores. Passaram então as fábricas a pagar mais, acabando com a condição de escravo? Claro que não, o problema consistia em encontrar novos escravos, não em prescindir deles. A solução então encontrada para obter novos escravos foi a utilização de imigrantes.

Nos países não industrializados os cidadãos lutavam diariamente pela sobrevivência. Há menos de um século, em Portugal, ainda uma sardinha era um jantar para uma família e ainda muitos sobreviviam com sopa de erva. Muitos portugueses tiveram então a oportunidade de emigrar para os países industrializados, que lhes asseguravam a sobrevivência a troco do seu trabalho.

A melhor compreensão das leis da economia foi tornando claro que o crescimento económico seria tanto maior quanto mais iguais fossem as oportunidades dos cidadãos, quanto menor fosse a desigualdade; a desigualdade passou a ser um factor controlado pelos governos, dada a sua importância no crescimento económico e na paz social.

Portugal e a Dinamarca são dois exemplos em extremos opostos de como desigualdade e riqueza têm uma relação inversa.

Porém, as medidas de controlo da desigualdade, como o ordenado mínimo, aplicam-se a toda a população, incluindo imigrantes; então também os imigrantes passaram a ganhar mais do que o indispensável à sua sobrevivência, ou seja, deixaram de ter a condição de «escravos» (deixando assim de ter um papel útil, pelo que passaram a ser indesejados e perseguidos).

O problema de obter trabalhadores pelo preço mínimo coloca-se de novo. No próximo post vamos ver as soluções encontradas para substituir os imigrantes no papel de escravos e vamos descobrir que fazemos parte de uma delas.

segunda-feira, agosto 29, 2011

O maquiavélico plano Franco-Alemão (2)



As condições do trabalho resultam, directa ou indirectamente, do Jogo da Economia. Exclusivamente.

Qualquer actividade industrial tem objectivos em diferentes frentes; a que nos interessa aqui é a minimização do custo de produção.

Pensemos numa fábrica de automóveis, algo que é razoavelmente conhecido da generalidade das pessoas. Há muitos aspectos a considerar na minimização dos custos e todos eles têm merecido a melhor atenção. Por exemplo, há toda uma complexa teoria sobre o fornecimento de componentes, que passa por tornar os fornecedores parceiros do processo de produção.

A produção faz-se com máquinas e pessoas; logo, maximizar a relação trabalho/custo das pessoas é outra das preocupações críticas, aquela que nos interessa agora.

A produção de um trabalhador tem um máximo, que depende das características humanas, das circunstâncias, do tipo de trabalho. Por exemplo, com o aumento das horas de trabalho aumenta a taxa de erros e os erros têm um custo; logo, o nº de horas de trabalho não pode ser qualquer, há um valor óptimo. Por outro lado, o metabolismo do ser humano é variável; utilizar o metabolismo no máximo diminui a vida útil do trabalhador; há assim um ponto óptimo para o metabolismo exigido e a vida útil desejada do trabalhador. No tempo da escravatura negra, a esperança média de vida do escravo era da ordem dos 7 anos; hoje, há actividades em que a vida útil média é de apenas 2 anos, ao fim dos quais as pessoas sofrem de problemas incapacitantes vários, como esgotamento, burnout e tendinites, consoante a actividade.

Um exemplo de como quaisquer considerações não económicas são irrelevantes é o seguinte:

A segurança nas empreitadas tem um custo; os acidentes de trabalho também têm um custo; então faz-se uma «análise de risco» que consiste em encontrar o valor a gastar nas medidas de segurança de tal maneira que o custo final das medidas de segurança e dos prejuízos dos acidentes seja mínimo. Ou seja, quando se começa uma grande obra de construção civil já se sabe que vão morrer N pessoas nessa obra porque isso é o que optimiza o investimento a fazer em segurança – podiam morrer menos, mas isso não seria economicamente vantajoso. Mesmo a decisão de fazer ou não determinadas obras se baseia no mesmo tipo de análise – por exemplo, passagens elevadas para peões. Notem que isto não é assim em todas as sociedades, mas é na nossa.

Optimizar o custo do trabalho é pois encontrar o ponto óptimo da relação produção/custo, independentemente de quaisquer outras considerações, nomeadamente as de natureza moral. Quem gere actividades que visam o lucro considera exclusivamente os aspectos económicos.

Quando uma fábrica consome a capacidade produtiva de uma pessoa e a larga, incapacitada, na sociedade, essa pessoa vai ter um custo para a sociedade que tem de ser reflectido nas contas da empresa, por exemplo com a TSU e impostos, multas por acidentes de trabalho, etc.

Assim, uma grande estrutura de produção, como uma fábrica de automóveis, considera estes factores todos na sua optimização da mão-de-obra. Ela não entra em conta com coisas como a felicidade ou a dignidade das pessoas a não ser na medida em que isso se pode reflectir economicamente. Por isso, as pessoas devem saber como fazer reflectir economicamente as coisas que verdadeiramente lhe interessam. Tentar conseguir isso por via dos «direitos» tem-se revelado ineficiente, estes nunca são estabelecidos ou mantidos se não tiverem uma vantagem económica. Como já disse, os Jogos que estão em cima da mesa são o Jogo da Economia e o Jogo do Poder; princípios, moral, felicidade, dignidade, etc, não fazem parte destes Jogos. Não estou a dizer que não existam, estou a dizer que para os aplicar é preciso ser capaz de os traduzir em consequências económicas. Quem são for capaz de fazer isso está condenado a não ter felicidade nem dignidade. Está condenado a ser escravo.

No próximo post vamos ver o que é ser escravo.

 (Note-se que me estou a referir ao nosso tipo de sociedade capitalista; nem todas as sociedades actuais se reduzem à economia desta maneira e podem existir outros modelos de sociedade a ser inventados ou aplicados. Mas a nossa realidade presente é esta.)

sábado, agosto 27, 2011

O maquiavélico plano Franco-Alemão (1)



Nota prévia

Antes de apresentar este maquiavélico plano, importa frisar que os «maus» não são os franceses ou os alemães, somos nós. Um país que tem uma taxa de abandono escolar da ordem dos 40% não é um país, é um saco de gatos; e isso é tanto mais evidente pelo facto de não levantar uma onda de indignação; mesmo a questão da desigualdade, em também somos campeões, só surge nos media por acção de alguns padres e outras pessoas que se preocupam com os casos de pobreza extrema – mas é só esta que comove as pessoas, o desigualdade em si não.

Isto reflecte uma cultura errada; em todos os países bem sucedidos, a prioridade das pessoas alinha-se assim:

1º - País
2º - Região
3º - Família
4º - Indivíduo

Ora em Portugal domina a ordem inversa; pode haver algumas alterações mas uma coisa é certa: o País vem sempre, ou quase, no fim desta escala.

A culpa não é só das pessoas, é dos governantes que nunca souberam mostrar a importância da ordem acima indicada; mas também é das pessoas porque uma das razões porque reagem tanto aos governantes é para poderem continuar a seguir a ordem inversa – grande parte da reacção ao governo de Sócrates foi movida por pessoas na defesa dos seus «esquemas» e em total desrespeito pelos interesses colectivos.

Denegrir os governantes tem sido a estratégia colectiva para justificar colocar os interesses do País, por eles representados, no fim da escala de prioridades; e o resultado disso tem sido afastar da governação as pessoas que pugnariam pelos interesses do País, embora um ou outro teimoso insista em tentar fazer alguma coisa pelo país no governo.

Quando, num organismo vivo, algumas células deixam de agir em função do interesse do organismo e passam a agir em função do seu interesse imediato, surge um cancro; o resultado é que todas as células do organismo morrem. De certa forma, nós temos um comportamento do tipo canceroso, um comportamento que não hesita em prejudicar o colectivo para benefício do individual.

Um país com 40% de abandono escolar é inviável no mundo moderno, quer pelas suas consequências directas quer pelo que isso significa em relação ao funcionamento desse país. Portugal é um país inviável. Os alemães e franceses vão fazer dos portugueses escravos e essa acaba por ser a esperança de sobrevivência para os portugueses que não emigrem.

Portanto, no que se segue, não adianta pensar que erguer a voz contra alemães e franceses vai servir de alguma coisa; a única coisa que serve é pormos o País em primeira prioridade. E não é dizer isso da boca para fora, é meter isso na cabeça de uma vez por todas. Ao dizer isto não estou a dar novidade nenhuma aos leitores deste blogue, mas estou a dar um exemplo: há que afirmar isto com clareza e em todo o lado, e há que tomar iniciativas, como o fizeram os promotores do movimento «560». Para que quem não coloca o País em primeiro lugar não possa alegar ignorância das consequências.

sexta-feira, agosto 26, 2011

Deixar o adversário decidir as nossas jogadas??



Nos jogos muito simples, como a bisca, lambida ou não, ou mesmo a sueca, até mesmo o King, pode acontecer que um jogador principiante ganhe um joguito; isso é tão raro que até tem um nome: sorte de principiante! Um acontecimento contra as probabilidades.

E contra as probabilidades porquê?

Porque em qualquer jogo, mesmo nos mais elementares, a vitória sorri com mais probabilidade ao jogador que tem a estratégia mais apurada, conhece melhor as diferentes situações do jogo, tem a melhor solução para cada situação.

Muitas vezes o mau jogador não reconhece a sua ignorância e então queixa-se da falta de sorte ou acusa os outros de fazerem batota.

O futebol é um exemplo disso, as equipas que perdem acusam o árbitro; e os seus adeptos fazem coro com as acusações, o facto de a sua equipa jogar pior do que a equipa que ganha é tornado irrelevante. Isso não quer dizer que não possam existir alguns «esquemas» no futebol; um exemplo recente foi o caso do «túnel da luz».

A Economia obedece a um conjunto de regras; é um Jogo, que se joga a diferentes níveis: entre pessoas, entre empresas e entre países. Com estratégias, tácticas e «esquemas».

Neste país há uma quase total ignorância de como se joga este jogo.

Nos anos 50, um engenheiro inglês de poucas palavras colocado nas Minas da Panasqueira teve um dia forte desabafo, testemunhado por uma pessoa da minha família: “ os portugueses discutem mais futebol do que política!!!” O homem não cabia em si de espanto. O resultado está à vista: somos muito bons em futebol!

Já imaginaram o país que poderíamos ser se discutíssemos política e economia como discutimos futebol?

Um conhecido francês, que já não me lembro quem foi, disse: “uma porteira em França sabe mais de economia do que as elites portuguesas”. Exagero, pensarão vocês.

Mas parece que alguma razão terá, a nossa situação actual é o resultado do nosso mau jogo. E então que estamos a fazer para melhorar o nosso jogo? Estamos a deixar que os nossos adversários neste jogo decidam por nós!!!!!

Os resultados estão bem à vista na Grécia, um país que tem um PIB que é 1,7 vezes o nosso (não se iludam, o caso da Grécia não é pior que o nosso, é muito melhor, quer porque tem uma economia mais forte quer porque tem uma população mais esclarecida). Claro que a Grécia está cada vez pior, é isso que convém aos jogadores em cujas mãos se entregou. E, seguindo o mesmo caminho da Grécia, muito pior ficaremos.

A Merkel já informou o Passos Coelho que a EDP é para os alemães e já disse que o direito de voto dos grandes accionistas deixa de ter o limite de 5% e passa para 20%. Os brasileiros e angolanos escusam de estar com ideias, esta e os outras privatizações já têm vencedores definidos. E será que é para defender os interesses de Portugal que a Merkel decidiu que a EDP deixa de ser controlada pelos portugueses e passa para as germânicas mãos?

(bem, cabe também perguntar se a EDP tem andado a defender os interesses de Portugal ou apenas a aproveitar-se do seu monopólio... mas essa é outra questão)

Se isto é um Jogo entre países, não são os jogadores dos outros países que nos vão ajudar a ganhá-lo, não é evidente?

Os órgãos da UE deviam ser independentes deste Jogo; mas acontece que neste jogo, como no futebol, há «esquemas».
No futebol os clubes procuram, e já algumas vezes conseguiram, colocar as suas «peças» nos órgãos decisores emparelhados com pessoas incapazes de as contrariar e que se destinam a dar uma imagem de «isenção» do órgão.
Na UE, a França e a Alemanha colocaram em órgãos decisores críticos as suas «peças», emparelhados com pessoas incapazes de as contrariar, nomeadamente o Durão Barroso e o Constâncio. Grande jogada!!!
Este mesmo esquema, agora mais descarado, está a ser seguido em relação à Grécia e Portugal, com governos avalizados pelo voto mas ao serviço dos germânicos interesses. Em Itália, vão ter de fazer cair o Berlusconi para o conseguirem. Por certo arranjarão maneira, uma acusação de violação é muito fácil de conseguir em certos países onde as mulheres podem fazer essa queixa impunemente, é só o Berlusconi se descuidar e cair na asneira de ir à Suécia ou aos EUA.

O Mundo, a Vida, a Política, a Economia, está tudo organizado como um Jogo e esta seria, apesar de tudo, a melhor forma de organizarmos as coisas se não fossem os «esquemas».

Metamos isto na cabeça: estamos num Jogo; a Europa não é uma cooperação, é um Jogo; e um jogo onde todos os jogadores recorrem a «esquemas». Há uma razão, penso eu, para não poder ser uma cooperação, que apresentarei no próximo post.

Este Jogo não vai ser fácil, não temos físico para estes adversários, mas todos os problemas têm solução; e desde quando os alemães são melhores do que nós em «esquemas»?

Este Jogo é jogado também por cada um de nós, é por isso que os franceses cuidaram de que até as suas porteiras saibam o que têm a fazer. Vou expor o que elas sabem mas só depois de apresentar, no próximo post, o maquiavélico esquema Franco-Alemão para Portugal.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Parem de mimar os super-ricos



Como digo no post anterior, o Jogo da Economia terminaria num estoiro; isso só não acontece em duas situações:

-         ou porque existe algo (supostamente o Estado) que controla o crescimento da desigualdade e a mantém a oscilar em torno do valor ótimo;
-         ou porque entra em acção o Jogo do Poder e acaba com o Jogo da Economia, estabelecendo uma sociedade de Senhores e Escravos, uma sociedade estagnada neste formato.

Mostra-nos a História que, cedo ou tarde, o segundo cenário se impõe, originando um período negro na história da humanidade que pode durar séculos.

Não presumamos que os conceitos de igualdade, liberdade, fraternidade são conquistas da sociedade moderna, estabelecidos de uma vez por todas; nada disso, são conceitos antiquíssimos, dos primórdios da humanidade, repetidas vezes assumidos por brilhantes civilizações que depois sucumbiram; conceitos que foram redescobertos uma e outra vez após longos períodos de escravidão e negritude. Até a escrita já foi perdida, na Grécia e na Índia, entre o 2º e o 1º milénios A.C., tendo tido de ser reinventada.

É por isso que os grandes jogadores do Jogo da Economia, que não estão interessados no Jogo do Poder, se sentem assustados com a actual situação; eles sabem que se não forem tomadas medidas vigorosas de controlo da desigualdade, a economia vai começar a colapsar e os jogadores do Jogo do Poder vão assumir o controlo. Eles, os do Jogo do Poder, estão à espreita, esfregam já as mãos de satisfação, falam já com voz grossa, mesmo que em corpo de mulher.

É por isso que o Warren E. Buffet, a terceira pessoa mais rica do mundo, desceu à arena e publicou um artigo de opinião a pedir para aumentarem os impostos sobre os mais ricos. 

sábado, agosto 20, 2011

O Jogo



(inicío aqui a postagem, que pretendo diária, de uma dúzia de textos na busca do entendimento do que se passa a nível económico e duma solução para Portugal; são reflexões pessoais)

A Economia é, em parte, como um jogo; os próprios agentes económicos são designados por “players”. Um conjunto de regras define a economia, como acontece em qualquer jogo.

Num jogo, há uma finalidade, um resultado que se atinge fatalmente, um estado final: um vencedor! Um único vencedor, os outros jogadores são derrotados.

Transposto para a Economia, isso significaria que o resultado da actividade económica seria haver uma pessoa ou uma organização que ficaria com a riqueza toda, e todas as outras pessoas seriam reduzidas à pobreza, à miséria, à escravatura.

Na verdade, na vida real, se um «jogador» ficar com a riqueza toda, ele não fica rico, pelo contrário.
 Isto é assim porque o valor das coisas é o valor que os potenciais compradores oferecem por elas; se não há compradores, as coisas não valem nada.

A famosa depressão bolsista americana mostrou bem isto – as fábricas produziam para armazém porque os trabalhadores eram tão miseravelmente pagos que não podiam comprar nada, logo os bens produzidos deixaram de ter valor e os ricos ficaram pobres.

O jogo da Economia tem umas características especiais, que interessa compreender. Uma é esta, a de, ao contrário dos jogos tradicionais, a vitória não pode ser absoluta.

Outra característica deste jogo é que quem é mais rico enriquece mais facilmente. É um jogo em que a desigualdade é sempre crescente, um jogo que, uma vez estabelecida uma clara desigualdade, tende rapidamente para um vencedor. Se se lembram do Monopólio, após um lento começo, a partir do momento em que algum jogador fica mais rico que os restantes o jogo termina rapidamente.

Portanto, entregue si mesmo, partindo de um estado de absoluta igualdade, o jogo da Economia tem um começo lento até que se define uma desigualdade entre os jogadores, em seguida avança rapidamente para a concentração da riqueza (e depois estoira porque a riqueza acumulada nada vale porque deixa de haver compradores).

A depressão americana foi uma importante lição que mostrou aos mais ricos que o excesso de desigualdade faz a sua riqueza perder valor; ou seja, existe um ponto ótimo para a desigualdade que maximiza a riqueza dos mais ricos; a partir desse ponto, essa riqueza só cresce por crescimento do PIB.

Porém, como controlar a desigualdade? Os ricos não podem autolimitar o seu enriquecimento, se um o fizer ficará mais pobre que os outros ricos que o não façam.

Este é um problema quase tão antigo como a humanidade; num texto inscrito em urnas de madeira há 4000 anos, o deus egípcio Amun-Re diz que criou todos os homens iguais, enviou ventos para todos os homens poderem respirar do mesmo modo ... mas a prática do mal produziu desigualdades que são apenas da responsabilidade do homem. * 

Só o Estado, árbitro do Jogo, pode controlar o crescimento da desigualdade. Foram criadas leis anti-monopólio (por esta e outras razões) e muitas medidas foram tomadas para controlar o crescimento da desigualdade. A possibilidade de ocorrência de uma nova depressão parecia assim eliminada.

Mas há outro problema: o crescimento do PIB. Ora, num sistema capitalista, o PIB cresce tanto mais quanto menor for a desigualdade (grosso modo); a desigualdade ótima em cada instante para os ricos implica um crescimento do PIB demasiado pequeno ou estagnado. Isso não é um problema para os mais ricos, eles não precisam de ser mais ricos, o seu objectivo nessa altura é manter a situação, garantir que ela se perpetua, que os seus filhos serão os ricos de amanhã e que os filhos dos outros serão os seus empregados. Os ricos lutam pelo aumento da desigualdade, agora não uma consequência do jogo económico mas um objectivo em si mesmo, necessário à manutenção dos seus privilégios. Os ricos passam a jogar outro jogo, o jogo do Poder.

Note-se que esta é uma descrição simplificada, a sociedade não se divide entre ricos e pobres, é um contínuo, cada classe defendendo os seus privilégios; e não há «maus» nem «bons», somos todos iguais, jogamos de acordo com as nossas conveniências.

As medidas que visavam combater o crescimento da desigualdade, fomentar a igualdade de oportunidades, vão sendo adulteradas para servir o novo objectivo; por exemplo, o ensino público, e o pré-primário, instrumentos essenciais da igualdade de oportunidades apenas se forem de excelência, passam a ensino para os pobres, sendo o ensino de excelência exclusivo dos ricos, assegurando a desigualdade.

Numa Democracia, os governos vão a votos; se a maioria dos cidadãos vê que as coisas não estão a melhorar, faz cair o governo. Os governos têm de arranjar maneira de fazer crescer o PIB mais do que cresce a desigualdade. A Globalização surge como a solução.

Algo mais do que a economia suporta a Globalização; desde sempre a sociedade mais forte seguiu a ideia de governar o mundo todo; “se o Céu é um reino, então a Terra tem de ser um império” disse Gengiscão **. A Globalização no momento em que os EUA ainda são a economia mais forte dá-lhes uma vantagem importante. Os EUA tinham de avançar para a Globalização antes que as economias de regiões com mais gente se tornassem maiores que a sua; depois seria tarde.

As regras do jogo mudam com a Globalização; os EUA deixam cair as políticas anti-monopólio – agora, o que eles querem é que as suas empresas sejam o mais fortes possível para que conquistem o Mundo. A desigualdade dispara nos EUA e o candidato que promete «distribuir a riqueza» ganha as eleições.

Na Europa, a Alemanha e a França sabem que num jogo global serão derrotadas pelos EUA; os jogadores agora são os países, e os países com menor PIB serão cilindrados pelos que tiverem PIB maior, tal é a característica fatal do jogo económico para os países que entrarem nele. Aqui não há um Estado que imponha limites ao crescimento da desigualdade entre países, a guerra económica entre países será sem piedade. Solução: criar um bloco com dimensão comparável aos EUA. O bloco europeu.

Porém, a ideia de criar um verdadeiro bloco, onde todos têm igualdade de oportunidades, é impensável para a França e Alemanha; de modo algum eles aceitam prescindir da sua vantagem sobre os outros países, como ontem afirmou a Merkel como argumento para rejeitar os eurobonds. O projecto europeu é um projecto de BIGS e PIGS, uma Europa estruturada, de ricos e pobres, onde os países pobres fornecerão a mão-de-obra barata que não pode ser conseguida nos países ricos. A criação e perpetuação de países pobres é essencial  a este projecto europeu. Países onde o preço da mão-de-obra seja competitivo com o seu preço em qualquer parte do mundo.
  
* do livro “Ideias que mudaram o Mundo” de Felipe Fernandez-Armesto, pg. 90
** idem, pg. 85

quarta-feira, agosto 17, 2011

Viagem ao Futuro de Portugal


Viajar ao Futuro não é tão extraordinário como parece; umas vezes o Futuro vem ter connosco, basta estarmos atentos (quantos sentidos temos?), outras vezes basta pensarmos um pouco, pois o Futuro está escrito no Presente, apenas temos de limpar a vista da bruma das ilusões para o vermos. Intriga-me até a dificuldade que tantas pessoas parecem ter para ver o Futuro; por exemplo, como os Judeus se deixaram tão facilmente conduzir para um destino tão claramente definido; que cegueira é essa que nos amansa no caminho do matadouro?


Paul Auster no seu romance “ A Noite do Oráculo” põe um misterioso chinês (pg. 11) a dizer «Mas não mais. Não mais Portugal. História muito triste.». Não sei se é ao país que o chinês se refere, se aos "cadernos portugueses" (esses ainda existem e existirão, a Emílio Braga vai continuar a fabricá-los em Cabo Verde). Mas essas são as suas proféticas palavras.

 O mais triste, para mim, é que a história do fim de Portugal foi escrita pelos próprios portugueses. Pelo menos por alguns. De forma deliberada por uns quantos, a que se associaram muitos por cupidez e outros por razões bem mesquinhas, como vingança. Compreendo isso agora porque agora, certos que o fim de Portugal já está escrito, alguns mostram já as faces sorridentes e gabam-se do feito. Estupidez minha que até agora presumira que os sucessivos «erros» se deviam à ignorância destas personagens, à sua incapacidade/recusa em compreender com que linhas se escreve a História do Mundo!!! 

A generalidade dos portugueses, no entanto, foi conduzida a esta situação ao engano, e continuam enganados; nos próximos posts vou dar a minha contribuição para limparmos a vista de ilusões e podermos conhecer o Futuro de Portugal. Ou os Futuros possíveis, para ganharmos o direito de escolha.