domingo, setembro 30, 2012

As 3 escolas de Economia



(continuação)

Ora aqui está a tua cervejola a chegar; explica-me então quais são as 3 formas de especulação. O Hans hesitou por um momento, o olhar seguindo atento as bolhinhas de gás no copo de cerveja e disse, decidido:

Não. Antes disso é melhor eu falar primeiro das 3 escolas de economia, para teres o adequado enquadramento e perceberes a profundidade, a eficiência e o poder do processo especulativo instalado.

Ok, assenti com ar conformado; mas depois interroguei, curioso: quais 3 escolas? Referes-te à escola de Milton Friedmann, à Keynesiana e...

Nada disso. As pessoas têm a ideia erradíssima que a sociedade funciona segundo uma teoria económica única e que pode optar entre várias teorias; mas que é uma opção, ou se usa uma ou outra. Não é nada disso. A realidade é completamente diferente.

Fiquei surpreendido. É diferente como? A Europa do euro segue claramente a teoria do Friedmann, basta ver os estatutos do BCE, que o configuram como um banco dos banqueiros e não dos estados!

Inspirando, o Hans começou a expor com ar paciente:
As escolas, como sabes, estão sujeitas a critérios de avaliação, o primeiro dos quais será a empregabilidade; isto conduz a que elas ministrem um ensino otimizado para o mercado de trabalho que visam, que assegure empregos bem remunerados; ora, há duas áreas de actividade distintas para os economistas.

Duas? A que te referes?

Uma é a que visa ganhar dinheiro com o dinheiro, a da chamada banca de investimento, a da bolsa. Nestas actividades não há lugar a nenhuma produção directa de riqueza, é apenas dinheiro que muda de dono. É uma actividade puramente especulativa.

Sim, entendo; e a outra é....?

A outra é as empresas que produzem bens e serviços, onde o ganho de dinheiro está baseado na produção de alguma coisa, onde há uma troca, mais ou menos equilibrada, de um bem ou serviço que não existia antes por dinheiro. Esta segunda actividade gera directamente riqueza para a sociedade, a primeira não.

Mas então um economista não sai de uma escola preparado para trabalhar tanto num banco como numa empresa?

Não. Actualmente, os melhores ordenados auferem-se na actividade especulativa; as escolas de economia das grandes cidades, das capitais, especializaram-se em formar economistas para a especulação. Se fores ver onde se empregam os alunos das escolas de Lisboa, da Nova ou da Católica, certamente que encontrarás um largo predomínio da banca e da bolsa.

Então onde se formam os economistas das empresas?

Nas escolas em zonas de actividade industrial; por exemplo, na vossa universidade do Minho.

Ok ok estou a compreender. Nunca tinha pensado nisso, mas não estranho, pois é mais ou menos assim em todas as profissões, há especialidades.

Exactamente; há engenheiros especialistas em diferentes áreas, médicos também etc, etc. Com os economistas é o mesmo. Estas duas áreas da economia são muito diferentes, tal como são diferentes as especialidades nas outras profissões.

Então qual é o problema?

Tu contratarias um engenheiro electrotécnico para te projectar uma ponte? Um dentista para te operar ao apêndice?

Abri a boca de espanto.  Que disparate! Que queres dizer com isso?

Sabes qual é a especialidade dos economistas especulativos, os que trabalham para a banca, para a bolsa, para as instituições financeiras, os das escolas de economia das grandes cidades.

Então... é aumentar os lucros dos seus patrões... como todos os empregados...

Sim, como todos; só que no caso deles, não havendo lugar à produção de riqueza, o enriquecimento dos seus patrões implica...  O Hans abriu a boca e os olhos e fez sinal com as mãos a convidar-me a acabar a frase.

Implica... se os seus patrões enriquecem e a riqueza não aumenta... alguém empobrece.

Isso! O empobrecimento da sociedade é o parâmetro que mede a eficiência da actividade especulativa. O dinheiro não se evapora e cria-se muito lentamente, para os seus patrões ficarem mais ricos ao ritmo que desejam, o resto da sociedade fica mais pobre. A princípio, a actividade especulativa tinha pouco peso em relação ao crescimento de riqueza da sociedade, mas hoje já não é assim. Esses economistas são especialistas no empobrecimento. Através dos processos especulativos, o enriquecimento dos seus patrões fica independente do crescimento do PIB, é por isso que a taxa de enriquecimento destas actividades é há muito superior a 30% ao ano. A sua cabeça está sempre a inventar processos de empobrecer a sociedade, de fazer crescer a desigualdade. São cientistas do empobrecimento.

Ainda recentemente, lembrei-me, inventaram um “cartão de débito diferido”, que introduziram sub-repticiamente no mercado, cuja finalidade é cobrarem mais aos comerciantes e ainda fazer as pessoas pensarem que têm um saldo à ordem maior do que o real, o que pode originar saldo negativo para os bancos cobrarem juros a descoberto.

O Hans assentiu. Estão sempre a inventar esquemas; a sua cabeça está formatada para empobrecer os outros. São os maiores especialistas do mundo na predação. E, como grandes especialistas que são, têm processos que nem imaginas, esse teu exemplo do cartão de débito diferido é só uma gracinha ao pé das coisas que eles fazem.

Estou a perceber onde queres chegar....

Talvez ainda não; ouve-me mais um bocadinho

(continua)

terça-feira, setembro 11, 2012

Existe um buraco negro no Deutsche??

(continuação)


Lentamente, direi mesmo a custo, voltei a pousar o olhar no Hans; ele recomeçou:

Como sabes, a actividade da banca dita de investimento gerou lucros superiores a 30% ao ano durante muitos anos; às vezes superior a 50%. Estes lucros não resultaram de nenhuma produção de riqueza, nada foi produzido nestes “investimentos”, estes lucros são o mero resultado de predação da riqueza alheia, ou seja, de “especulação”. Fez uma pausa para verificar se eu estava a par. Tranquilizei-o:

Sim, isso é bem sabido a nível dos economistas; todos os bancos e outras instituições financeiras trataram de entrar nessa actividade na medida das suas possibilidades. Cá, criaram-se dois bancos dedicados quase exclusivamente a isso, o BPN e o BPP.

Disseste uma coisa muito acertada: todos trataram de entrar nessa actividade ao nível das suas possibilidades! Ora quanto maior um banco, maior as suas possibilidades, não é verdade?

Sim… mais recursos financeiros para aplicar, maior pressão para aumentar os lucros, mais capacidade de contratar especialistas para inventarem novos processos especulativos…

Isso mesmo; portanto, os grandes bancos realizaram um imenso investimento especulativo, em produtos que o seu imenso corpo de especialistas foi inventando; e tudo isto em escala tanto maior quanto maior o banco. Uma nova pausa, a pedir para eu concluir o raciocínio. Fiz o que pude:

Queres dizer que quanto maior o banco maior o investimento especulativo… sim, e então? Evitei adiantar-me muito na resposta, quero saber o raciocínio dele

Maior o investimento e maior o corpo de especialistas em especulação, corrigiu-me. As duas coisas são importantes para perceberes o desenrolar dos acontecimentos. Agora, diz-me lá, qual foi a consequência deste enriquecimento tão rápido e sem produção real de riqueza?

Ah, isso é uma coisa que estou farto de tentar explicar aos meus amigos: quando essa predação da riqueza se tornou maior do que a riqueza produzida, a generalidade das pessoas começou a empobrecer; ora essa especulação só funciona enquanto as pessoas têm um horizonte de crescimento de riqueza. Quando as pessoas perceberam que estavam a empobrecer, fugiram desses esquemas e os balões especulativos estoiraram.

Claro, é o que acontece em qualquer esquema de pirâmide, vive da expectativa das pessoas de ganharem por entrar nele. É por isso que se diz que o sistema financeiro assenta na “confiança”, é “fiduciário”; só que não é confiança na honestidade dos processos e agentes, como muita gente pensa, é confiança em que o dinheiro aplicado vai gerar um retorno elevado– confiança em que ao entrar num esquema de pirâmide se vai sair a ganhar. Quando essa confiança desapareceu, as pirâmides estoiraram todas. As pirâmides e os investimentos de risco, foram os dois motores do enriquecimento rápido. Claro que os investimentos de risco dão retorno elevado a princípio mas depois colapsam. Disse, com ar definitivo, e recostou-se; tinha acabado a exposição e eu não estava a perceber onde queria ele chegar, não me tinha dado nenhuma novidade. Atrevi-me:

E …

Ergueu-se. Não estás a perceber? Não é óbvio? Quanto maior o banco, maior o estouro. Essas práticas agora ditas de tóxicas eram as práticas usadas por todos, quem as não usasse não tinha lucros, a banca de retalho rende pouco; e, quanto maior o banco, mais as usava.

Portanto…

Portanto – com ar impaciente - os grandes bancos, o Deutsche, o Barclay’s, estão falidos, falidíssimos! Têm um buraco dum tamanho incomensurável, do tamanho da riqueza especulativa de que se alimentaram durante muitos anos.

De repente, lembrei-me duma conversa que tive há dias com um gerente bancário; além de me explicar como é que eu podia fazer aplicações do capital que ele pensa que eu tenho mas não tenho sem pagar imposto, ou pagando muito pouco, dissera-me que o Deutsche tinha mudado radicalmente o seu perfil de investimento, que agia agora como os bancos em dificuldades, procurando apenas produtos de curto prazo e rendibilidade segura. Dei um sinal de concordância ao Hans e incitei-o a continuar:

E…

E então – como se dissesse algo óbvio - o seu imenso corpo de especialistas teve de encontrar maneira de salvar a situação; e a solução passa pela aposta em novas formas de especulação, pois só algo que permita grandes ganhos no curto prazo pode aguentar esses bancos.

E…

Bem, vamos por partes. A primeira coisa que podes começar já a perceber é que a única coisa que interessa à Alemanha agora é salvar o Deutsche. E depressa, depressinha, antes que o Zé povinho perceba – o Hans, nesta conversa em inglês, disse mesmo “Zé povinho”, o que me deixou boqueaberto. A Alemanha está a executar o plano traçado pelos especialistas em especulação do Deutsche, os matemáticos e outros cientistas pagos a peso de ouro, para salvar o banco; salvar à custa do dinheiro dos outros, naturalmente, não há outra maneira. O objectivo é sacar todo o dinheiro real, que é o dinheiro dos pobres, para tornar real o seu dinheiro especulativo.

Queres dizer que os países do Sul são verdadeiramente patéticos quando se viram para a Alemanha para os ajudar a enfrentar o ataque especulativo às suas dívidas soberanas?

Claro; a Alemanha é o motor desse ataque, delineado pelos seus especialistas. E o objetivo desse ataque é o empobrecimento dos povos, e rápido.

Estás a dizer que não podemos ter nenhumas esperanças que sejam tomadas medidas da parte do BCE ou da Alemanha no sentido de controlarem esse ataque?

Claro que não!!! Eles nem enganam, declaram mesmo que o que estão a fazer é empobrecer os povos. Empobrecer os pobres para que os ricos não abram falência. Vocês entrarem em recessão não é um falhanço da Troika, é um objetivo atingido; ou pensas que eles são tão estúpidos que não sabem aquilo que toda a gente sabe, que estas medidas implicam recessão e aumento do déficit, aumento do desemprego?

Sim, claro…

Legitimam esse empobrecimento com o argumento de que sem os ricos a sociedade inteira colapsa e por isso eles até estão a salvar toda a gente ao empobrecer os pobres e a classe média! Só que eles não estão a empobrecer toda a gente por igual, estão a empobrecer por baixo, é claro.

Isso é óbvio no caso de Portugal onde, ao contrário dos outros países, só existem medidas para empobrecimento do povo, nem uma medida reestruturante ou que afete os mais ricos.

E não é por acaso, como verás. Além de que os líderes alemães querem ganhar as suas eleições, por isso espalham a miséria nos outros lados. Vocês vão pagar o buraco do Deutsche. Vocês vão ser explorados até ao último tostão, e depois escravizados. Todos os direitos foram já riscados, como irás vendo, excepto o direito dos ricos à sua propriedade. Esqueçam a semana de trabalho de 5 dias, férias pagas, ordenado mínimo, horários de trabalho, reformas, etc, etc.; vão passar todos a ser pagos à hora (muitos já são) e miseravelmente, porque o poder negocial dos empregados desapareceu. E se as coisas ainda não estão mais graves é porque a Alemanha tem medo do Obama, que anda a investigar o Deutsche; mas se o Obama perder as eleições, vais ver o que acontece.

Sim, já vi qualquer coisa sobre os americanos exigirem investigar o Deutsch a pretexto de alegadas ligações ao Irão… Mas porque é que dizes que Portugal pode ter um papel crítico neste processo?

Bem, tenho de de explicar quais são as 3 formas de especulação. Pede-me aí outra cerveja.

(continua)

PS- este texto relata uma conversa, as opiniões do Hans (nome fictício) são as dele, não as do autor