
“Não me digas que depois dos amores dos átomos agora vamos ter Superamores!”, a Luísa ri-se com o desprendimento que a caracteriza.
“Amores não, mas romance!” O romântico Supercêodois materializa o seu amor com belos cristais que oferece à sua amada Superágua! Não é bonito?”
“Eu preferiria diamantes, já agora...eheh”
“Interesseira!! Diamantes? Poof, isso não passa de um cristal incolor, sem graça... o Supercêodois fez coisas muito mais belas! Claro que é preciso ter olhos de Superágua para apreciar a beleza única das construções que o Supercêodois fez.”
“Ele fez uns cristais muito especiais... já que falamos em cristais... Mário, sabes como é que se produzem cristais, por exemplo, de quartzo?”
“Isso é um teste? Eh eh... esqueces que estás a falar comigo por certo! Os cristais de quartzo produzem-se pelo método hidrotermal, que foi inventado pelo senhor Bunsen, muito conhecido dos alunos de química.”
“E em que consiste?”
“Então, usa-se a água como solvente a pressões e temperaturas elevadas; o Bunsen usou uma pressão de mais de 100 atmosferas e mais de 200 ºC para os cristais que fez, numas ampolas de vidro espesso, hoje usa-se uma autoclave. Pequenos grãos da substância a cristalizar são fornecidos ao solvente, saturando-o, e depois, por um abaixamento de temperatura, o solvente fica supersaturado e origina a cristalização.”
“Portanto, para produzir um cristal precisas de um solvente apropriado que, ao supersaturar origina o crescimento do cristal; e sabes porque é que eu estou a falar de cristais, não é verdade?”
“Penso que sim, alguns cientistas sustentam que o processo de formação dos polímeros orgânicos deverá ter sido um processo do tipo da cristalização.”
“Aí está meninas, o que o Supercêodois fez: cristais orgânicos, longas cadeias de monómeros, fascinantes criações, cheias de beleza e variedade aos olhos encantados da Superágua!”
“Aí está?!?”, o Mário com ar de meio-riso, “não estou a ver... fez como?”
“Ora ora Mário, estou surpreendido... “, tiro os gráficos da minha pastinha e mostro-o ao Mário, “olha aqui a temperatura e a pressão do H2O; penso que consegues descrever às nossas princesas como seria nos primeiros tempos a atmosfera terrestre, não é?”
O Mário lança-me um olhar entre o surpreendido e o curioso, debruça-se sobre os gráficos.
“Bem, no primeiro meio milhar de milhão de anos, teríamos então uma atmosfera aí de 300 atm e uma temperatura de superfície de muitas centenas de graus segundo dizes; na base da atmosfera dominaria então o CO2 supercrítico, algumas quantidades doutros gases como o N2O, também supercrítico, a que se sobrepunha a tua Superágua, depois vapor de água e outros gases como o NH3.”
“Exactamente!”, fiquei sinceramente surpreendido com a facilidade com que o Mário tinha identificado o cenário, “de certa forma, podemos dizer que o primeiro oceano foi de CO2, não é verdade?”
“De certa forma sim... embora não seja o mesmo que um líquido, tem menos viscosidade e maior capacidade de difusão... vá lá, seria uma espécie de oceano eheh.”
“Então, e o oceano de água?”
“Ana, a água líquida só apareceu quando a temperatura da Terra ficou abaixo da temperatura crítica da água, 374ºC, o que só aconteceu há 3,8 mil milhões de anos, cerca de 800 milhões de anos depois da sua formação; isto porque a Terra estava muito mais próxima do Sol do que está hoje, como vos disse.”
“Então, existia uma espécie de oceano de CO2 e depois, há 3,8 mil milhões de anos, apareceu o oceano de água?”
“Exactamente Ana! Vejamos agora o que é que o Mário, grande especialista na formação de cristais, pensa que se poderia passar nessa espécie de oceano de CO2!”
“Sendo o CO2 um solvente dos compostos orgânicos, parece-me que uma espécie de oceano de CO2 em arrefecimento seria um bom meio para os monómeros orgânicos se ligarem num processo com semelhanças com o crescimento dum cristal... ou seja, a Superágua ia fabricando os monómeros, fornecendo ao CO2, que ia formando os polímeros...”
“Exactamente; e um dos problemas da formação dos polímeros é que a ligação entre os monómeros liberta moléculas de água e é preciso um meio que extraia essas moléculas de água, o CO2 podia ser esse meio.”
“...e podiam surgir polímeros autoreplicantes, que teriam condições ideias para a autoreplicação... embora a duplicação dos cromossomas seja um processo muito complexo, experimentem ir à Wikipedia consultar «replicação do ADN» e verão...”,
“Pois é, a água representou um desafio novo, seleccionou as estruturas formadas no oceano de CO2, que passaram a ter de existir num meio adverso, onde os nutrientes, ou seja, os monómeros, passaram a rarear; mas foi este meio adverso, a água, que forçou a degrau evolutivo seguinte, a criação da individualidade, ou seja, da célula; depois, esta tem de se dividir para aumentar as possibilidades de conseguir nutrientes – a célula que se divide tem vantagem sobre a célula que cresce.”
“ Mas isso não implica que se tivesse formado Vida!”, a Luísa espetando o dedo.
“Claro que não! Mas o Mário concordará que se tivesse de definir as condições ideais para se formar Vida, essas condições seriam estas ou próximas! A prova é que nós, quando pretendemos fabricar produtos semelhantes escolhemos este tipo de condições”, o Mário diz que sim com a cabeça.
“ E onde é que isso altera as contas do Fred Hoyle?”
“O Fred Hoyle fez as contas como se os átomos das 200 000 proteínas que usamos se tivessem juntado por acaso de entre os muitos átomos existentes; ora nas condições iniciais da Terra os monómeros formaram-se necessariamente e, portanto, a probabilidade é só a dos monómeros se ligarem pela ordem certa; depois, não é preciso as 200 000 proteínas para se formar a Vida, bastará umas moléculas de RNA encapsuladas; ele incluiu a evolução no cálculo mas essa é outra questão.”
“Mas qual é a probabilidade pelas tuas contas então?”
“Neste modelo de Terra «autoclave», a quantidade de monómeros que se formam é muito elevada, basta pensar que existem perto de 10 elevado a 46 moléculas de água, ou seja, um “1” seguido de 46 zeros; o tempo para ensaiar diferentes combinações foi de centenas de milhões de anos, ou seja, uns 10 elevado a 16 segundos; nestas condições pode ser alta a probabilidade de obter sequências específicas de comprimento superior à centena de monómeros, o suficiente para iniciar processos de Vida; a formação da Vida na Terra passa de acontecimento improvável a acontecimento possível.”
“Credo, que ideia! Eu sei lá se existiu um Criador ou não. Isso é irrelevante!! Porque, bem vês, se existiu um Criador da Vida, certamente que fez como nós faríamos: criou a vida usando os processos adequados. Ou seja, não esteve a ligar os átomos um a um em condições adversas. Com ou sem um Criador da Vida, as condições em que a Vida surgiu têm de ser as mais adequadas ao processo de fabrico das suas peças!”
“Nunca tinha pensado nisso... ou melhor, não tinha pensado que pudessem existir condições aparentemente tão favoráveis...”
“O cenário que apresentei parece conduzir necessariamente ao tipo de estruturas de que a Vida é feita, portanto, o caminho para entender a Vida pode iniciar-se aqui. Mas só é possível encontrar este início sabendo o como e o porquê do fenómeno que faz a Terra afastar-se do Sol, a Lua afastar-se da Terra e o Universo parecer expandir.”
“E quando é que vais falar disso?”, a Luísa sempre directa ao assunto.
“ Eh eh.. se eu te dissesse agora tu não irias acreditar, há umas quantas coisas que é preciso perceber primeiro... vais ter um choque tão grande como o dos contemporâneos de Galileu... tem calma, tem calma, que lá chegaremos!”
“Sabes que há um brasileiro, como é que ele se chama... Félix de Sousa, que fez uma teoria, a Ecopoese, em que defende que a Vida teria de se originar em condições supercarbónicas do tipo do que tu dizes; o problema da teoria dele é que não tem maneira plausível de explicar como é que essas condições se produziram. É curioso porque a tua teoria de que a Terra estava mais próximo do Sol fornece exactamente as condições necessárias.”
“Olha que interessante! Tenho de ver isso! Mas não penses que a variação da distância da Terra ao Sol marca apenas a origem da Vida. Marca toda a evolução da Vida. Queres perceber porque é que os Dinossáurios, os seres vivos mais avançados na altura, se extinguiram, e outros mais primitivos não?”
“Ena, então isto tem continuação!”, de novo o riso alegre e contagiante da Luísa.
“Se marca toda a evolução da Vida, também marcará o nosso futuro?”, finalmente oiço a minha adorada Ana, que encontrou a oportunidade de fazer uma pergunta inteligente, como é seu timbre.
“Claro Ana! Queres saber o que A VIDA ESPERA DE NÓS?”