quarta-feira, janeiro 27, 2010

Mãe Terra - Mother Earth



A Mãe Terra faz hoje anos! Hoje, ontem ou amanhã, não se pode dizer ao certo. Mas faz anos. Que é como quem diz, envelhece.

Continua formosa. Um pouco envelhecida aqui e ali mas noutros lados ainda em pleno esplendor. Em qualquer zona equatorial se sente, pleno de vigor, o coração da Mãe Terra. Ninguém diria que já fez 4 000 milhões de anos. Uma Mãe de meia-idade.

Uma existência preenchida. Muito jovem, gerou no seu ventre o embrião da Vida. Uma Vida que cresceu e se desenvolveu, sempre alimentada e protegida no seio da Mãe Terra. Até que, há menos de 100 milhões de anos, a Vida teve de, pela primeira vez, começar a cuidar de si própria.

O primeiro passo foi produzir o seu próprio calor, quando o calor da Mãe Terra deixou de ser suficiente e adequado. Os Humanos sabem que são de «sangue quente» mas não sabem bem porquê.

Com o envelhecimento da Mãe Terra, a Vida terá de se autonomizar dela porque, progressivamente, a Mãe Terra deixará de ser capaz de prover as necessidades da Vida. Para isso, a Evolução tem vindo a aperfeiçoar seres com Inteligência capaz de usar recursos que ela, Vida, não pode usar directamente

Assim se chegou aos Humanos. Os Humanos não têm todas as capacidades necessárias para garantir a autonomia da Vida mas já têm algumas. São capazes de sobreviver fora da zona equatorial sem que a Evolução tenha tido de os dotar de adaptações. Foi um primeiro passo, mas já deram muitos outros. E, o mais significativo de todos, foram capazes de ultrapassar uma carência que o envelhecimento da Mãe Terra determinou: a falta de Azoto nos solos. Aprenderam a fabricar os adubos. Começam agora a descobrir que também nos oceanos o azoto escasseia em muitas zonas. Têm pela frente os magnos problemas da carência de Energia e da carência do CO2.

A Mãe Terra fez o que podia fazer: armazenou grandes quantidades de energia e de CO2 em depósitos de petróleo, gás e carvão; a Vida, por outro lado desenvolveu novos ciclos de fotossíntese, C3 e C4, capazes de funcionar com níveis baixíssimos de CO2. Mas não há milagres: o CO2, que já foi mais de 30 vezes a massa total da atmosfera actual, é hoje menos de 0,04% da atmosfera, mais raro que o Árgon. O CO2 actual é 1 milésimo do inicial! Cada planta precisa de respirar mais de 10 000 litros de ar para poder obter 1g do indispensável Carbono. Há umas dezenas de milhares de anos que a Vida tem fome de CO2. A biomassa de hoje é uma pequena fracção da de outrora, porque a biomassa está limitada pela disponibilidade do CO2. Cada grama de carbono de cada ser vivo tem de ser retirado da atmosfera pelas plantas, não há outra forma significativa de obter o precioso carbono.

É uma luta contra o tempo: a Mãe Terra gerou a Vida e a Vida terá de se prover a si própria à medida que a Mãe Terra vai envelhecendo; a Vida ainda não é autónoma da Mãe Terra e esta preparou umas reservas que têm de durar enquanto a Evolução não produz a forma de Vida capaz de se autonomizar. Se as reservas acabarem antes disso, a Vida na Terra extingue-se, mas isso não sucederá – tudo está devidamente organizado, a Evolução trará o ser que garantirá a autonomia da Vida antes da Mãe Terra esgotar os seus recursos. Apenas é preciso que os Humanos garantam ao novo ser as condições de que ele precisa para sobreviver. Apenas isso.

Este «apenas» é, no entanto, o elo fraco do processo. Os Humanos estão no início da caminhada do Conhecimento, ainda veem o amanhã como uma repetição do ontem, não percepcionam a evolução do Universo, não têm consciência do seu papel, alguma juventude e imaturidade pautam o seu comportamento. Os Humanos vão atribuindo à Mãe Terra as consequências do seu desconhecimento. Por exemplo, os sismos. O dia em que deixar de haver sismos será um dia triste, o dia da morte da Mãe Terra. Fazem mal os sismos? Sem as desqualificadas construções humanas, os sismos seriam dos mais inofensivos fenómenos vitais da Mãe Terra.

No Haiti ruíram muitas casas. Não foram pensadas para resistir ao sismo. Por ignorância – ignorância de que o sismo ia ocorrer durante a sua existência. Se fosse sabido, as casas teriam sido construídas para resistir ao sismo, pois isso não tem dificuldade tecnológica nem acréscimo importante de custos. Foi a ignorância de que o sismo podia ocorrer que causou a catástrofe. Ou, eventualmente, a simples falta de Qualidade, esse outro sinal de imaturidade – os construtores poupam no ferro e os habitantes cortam pilares para alargar a sala sem compensar a estrutura.

Assistiu-se também ao falhanço universal dos sistemas de protecção civil. Os hospitais de campanha tinham médicos e tendas mas não tinham equipamento. Serraram pernas e braços nas mesmas condições da 2ª Guerra Mundial. Milhares de haitianos morreram por falta da mais elementar assistência. É lógico – os planos e orçamentos dos sistemas de protecção civil são estabelecidos em face das necessidades do ano anterior. Se fossem para além disso, os contribuintes protestariam e os Orçamentos de Estado não seriam aprovados.

É quase sempre a ignorância do Futuro a profunda razão das consequências catastróficas dos fenómenos naturais e da falta de capacidade de resposta a elas. É por saber como é importante conhecer o Futuro que os Humanos se viraram para a Religião, para as artes divinatórias e para a Ciência. A Ciência já consegue prevenir algumas coisas mas ainda não consegue antecipar o Futuro porque o seu conhecimento do Universo e da Vida não é suficiente. Do Futuro ainda só há Medos, não há Visão.

O próximo Evento trará o Filho do Homem pela mão da Evolução. O Filho do Homem é o descendente do Homem, a geração seguinte ao Homem. O Filho de que o Homem se orgulhará. Mais Inteligente, mais preparado para o próximo passo da 4ª fase da Vida (3º nível da Evolução). Não virá montado numa nuvem nem chegará de repente. As trompetas não o anunciarão. Ninguém dará por ele, nem ele mesmo.

Mas será que o Homem saberá conduzir a Vida até ao Evento, atenuando as carências que a velhice da Mãe Terra vai fazendo aparecer, sobreviver ao Evento, e assegurar as condições necessárias para que o seu Filho se estabeleça e inicie a nova fase da Vida?

Isso não é certo; o Filho do Homem pode surgir num Mundo demasiado destruído e violento. A Cabeça da Mãe está preocupada com isso. O seu Coração está preocupado com outra coisa: o sofrimento que o Evento trará se o Homem não souber ver o Futuro. O parto do Filho não tem de ser doloroso.

Contrariamente ao sismo, o Homem pode saber como é o Evento e estimar quando é. O Evento, como um sismo, pode ser uma catástrofe indescritível ou um fascinante »passeio no Jardim da Estrela». Literalmente.



imagens:Wikipedia (Terra / Sismo Lisboa / Jardim da Estrela)

26 comentários:

antonio ganhão disse...

O Sá Pinto também não sabe que é de sangue quente e depois ferve em pouca água.

Precisamos de libertar mais CO2 para a atmosfera? E eu sem dinheiro para comprar um carro com um motor V8 a gasolina!


"Como ocorreu nos dias de Noé, acontecerá do mesmo modo nos dias do Filho do Homem." Lc 17,26

Diogo disse...

O novo homem será um objecto de bits e bytes.

alf disse...

António

pois... acontecerá do mesmo modo ou não... eu gostaria que não fosse do mesmo modo...

Não conhecia o Lc... sem dúvida que os antigos que isso escreveram sabiam tanto como eu... talvez mesmo mais. Mas eu também sei umas coisas que eles não sabiam e são essas coisas que podem fazer a diferença desta vez... ou não... mas é preciso tentar, não é?

alf disse...

Diogo

Será? A Vida sabe muito mais do que nós, os nossos bits e bytes não passam do primeiro passo no caminho do processamento de informação. Cada um dos nossos neurónios, como qualquer célula aliás, tem imensa capacidade de processamento, gastando uma minúscula fracção de energia. A Vida trabalha ao nível do átomo e nós ainda estamos longe disso.

Um sistema binário é óptimo para transporte de informação num meio ruidoso, e adequa-se bem à nossa electrónica; mas há processos muito mais eficientes noutras condições. Um sistema de base 12, por exemplo; ou um sistema dito «analógico».

Os nossos bits e bytes são fantásticos apenas face às limitações da nossa tecnologia. A Vida tem soluções mais poderosas.

antonio ganhão disse...

A sabedoria será sempre prejudicada pelo nosso discurso. A palavra é também uma ferramenta que temos que desenvolver e criar novos paradigmas culturais.

Diz a cabala que Deus criou o universo pela palavra e essa palavra era o hebraico.

Lc, São Lucas o evangelista.

alf disse...

antonio

Eu sei que Lc é São Lucas rsrsr... não o estudei mas sei quem é!

Quanto ao resto, cada grupo acha sempre que é o primeiro e o máximo... sejam hebreus ou benfiquistas.

antonio ganhão disse...

Na realidade a cabala prova de forma cientifica que Deus pensava em Hebraico...

alf disse...

antónio

sim, o Deus dos Hebreus.

o meu Deus pensa em português. E você sabe que eu nunca sempre defendi o produto nacional.

UFO disse...

Filho do Homem, pois que seja bemvindo e não se atrase.
Quem me dera ser tão optimista como o alf.
O meu amigo alf é visionário, e ainda bem.

Anónimo disse...

Se há coisa que eu aprecio é a capacidade de explicar coisas complicadas por palavras simples. Li, deliciada, o texto que escreveste. Só ainda não fui capz de entrar nos links (apenas o fiz no do Evento), pelo que há matéria ainda a entender melhor.
Agora..., isto é uma lição de biologia muitíssimo bem estudada. Não me enganei em tempos quanto a tomei como uma eventual opção de vida.
Aqui voltarei breve... não dou ainda por acabada a leitura.

Esta mão terra está em plena maturidade. Como eu... Um destes dias não vai bastar aos seus filhos. Como eu... A grande vida, tão a par com a pequena vida. Aos filhos cabe a responsabilidade de se prepararem para a insuficiência das mães. BRILHANTE!

Diogo disse...

Não faço ideia de como vamos ser. Julgo que não precisaremos de um corpo. Tenho a certeza de que seremos imortais.

alf disse...

UFO

O teu comentário sugere-me vários pensamentos.

Se te puserem um problema novo, uma adivinha, um desses problemas de passatempos, a princípio olhas e não «vês» nada; começas então a pensar, a pensar e finalmente «vês» a solução.

«Vêr» o futuro é a mesma coisa, não tem a ver com visão, tem a ver com pensar.

Pensar o futuro exige duas coisas: tempo para pensar, que pensar consome muito tempo; e compreensão dos conceitos.

A compreensão do conceitos perdeu-se, porque agora tornamo-nos todos especialistas em aplicar regras e fórmulas e nada sabemos dos conceitos.

Em tempos dei explicações de matemática. Dava uma, ou duas, ou três a cada aluno. Três era o máximo. Não era preciso mais. Era quanto bastava para transformar em bom um mau aluno. Porquê? Porque é só o que é preciso para explicar os conceitos. E quem entende os conceitos não precisa de saber regras, a matemática torna-se «transparente».

O que é saber os conceitos em matemática? é saber o que representa uma fracção, uma potência, um logaritmo.


Ou seja, temos a cabeça cheia de informação, regras, procedimentos e fórmulas resolventes, mas somos «cegos», não temos «visão», porque transformamos a nossa cabeça numa espécie de motor de pesquisa, que só pode debitar o que aprendeu, só vê o que já sabe, e não podemos sair disso porque não entendemos os conceitos por detrás das regras que aprendemos.

alf disse...

susana, obrigado pelas tuas palavras amáveis e estimulantes.

A biologia será o mais complexo e dificil campo de investigação e também o mais fascinante. Tão complexo que as nossas capacidades mentais são claramente insuficientes e isso é bom porque nos força a uma atitude mais humilde que tantas vezes falta noutros campos do conhecimento.

alf disse...

diogo

nós já somos imortais; não como ser vivo, não como corpos, não como individuais - a individualidade é mortal mas nós fazemos parte da Vida e do Universo e do que ainda não sabemos.

Agora, a individualidade tem de ser mortal, se não fosse a Evolução pararia. A imortalidade da individualidade seria, na verdade, a morte da Evolução. A imortalidade do indivíduo é que seria a cessação da nossa profunda imortalidade enquanto partes de um todo.

é por isso que está escrito:

22. E disse Deus: «Foi aqui que o homem, ao conhecer o bem e o mal, se tornou como um de nós. Que não estenda agora a mão também à árvore da vida, para comer dela e viver para sempre.»
...24. Tendo expulso o homem, colocou querubins a oriente do Jardim de Éden, e uma espada flamejante que se movia em todas as direções, para guardar o caminho da árvore da vida.

como refiro no meu post de 1 agosto 2008

Anónimo disse...

Não são palavras amáveis, são sinceras. Ali o teu amigo implumado sabe que eu não elogio em vão ;)

Joaninha disse...

Muito bom, adorei ler...Cientificamente elucidativo.

beijos

Anónimo disse...

Alduz hauxley - Admirável Mundo Novo - não há na Bertrand. Há muito que não o têm. Logo agora que me puseram a água na boca...

Joaninha disse...

Acho que não dei os parabéns à mãe terra...
Parabéns Mãe Terra.

alf disse...

susana

Tens livre na net:

http://www.clube-de-leituras.pt/upload/e_livros/clle000075.pdf

tem alguns defeitos de paginação... mas nada que não se ultrapasse.

alf disse...

Olá Joaninha

A Mãe Terra agradece: Obrigado Joaninha, és uma filha de que a Mãe se pode orgulhar.

Anónimo disse...

E é um texto não revisto.
Como detesto ler no ecrã ou em fotocópias, vou ver se ainda consigo o original por outras vias. Se não, lá voltarei às fotocópias. Obrigada!!

Metódica disse...

Quer queiramos ou não o tempo para nós só aponta num sentido...

As mães têm sempre tendência a querer proteger os filhos da dor, embora às vezes seja necessária, esperemos que não seja o caso...

Anónimo disse...

alf, estás a ser preciso aqui: http://em2711.blogs.sapo.pt/594479.html

Anónimo disse...

Reconheçamos que o alf sempre foi um bocadinho preguiçoso. Coisas de ailiens.
5 semanas sem escrever nada! Nada de nada?

Então?

alf disse...

Tu mandas!

Um homem precisa sempre de uma mulher que o mande trabalhar rsrsrs... mesmo que seja um alien!

Estou a preparar o próximo, mais um bocadinho de paciência...

Anónimo disse...

Ora muito bem!