quarta-feira, setembro 24, 2008

A Crise Financeira Ocidental

Ora aqui vai uma pequena interrupção à série de posts sobre o balanço energético da humanidade, para falar de uma coisa que o chato do meu inconsciente resolveu que eu deveria tratar. Provavelmente é asneira. Mas não há forma de contrariar o que ele decide...

Os recentes acontecimentos financeiros nos EUA e na Europa, contrariamente ao que em sido afirmado pelos «entendidos», não resultam de falhas no sistema, de falta de fiscalização, de créditos mal concedidos. Os banqueiros podem ser gananciosos mas não são loucos nem incompetentes, não concedem crédito se não presumirem que têm uma perspectiva razoável de ele ser satisfeito. Então porque é que isto aconteceu?

Num post antigo, eu mostro, e isso não é uma opinião minha, que uma percentagem considerável da população está a empobrecer nas economias capitalistas. Por exemplo, é um facto indiscutível, que, em média, 90% das pessoas ficam mais pobres quando os 10% mais ricos enriquecerem a uma taxa superior a 10 vezes a do PIB. Notem que é «em média», portanto, um cenário mais detalhado poderá ser:

30% das pessoas estão a empobrecer
30% estão estacionárias
30% estão a enriquecer lentamente
10% estão a enriquecer rapidamente.

Na nossa sociedade capitalista há necessariamente um fluxo de riqueza dos mais pobres para os mais ricos; se este fluxo é superior ao aumento da riqueza média, alguém terá de empobrecer. A teoria capitalista é incompatível com um baixo crescimento do PIB e as sociedades ocidentais chegaram a um ponto onde o PIB só pode crescer devagarinho ou mesmo estacionar. Numa sociedade pobre, o capitalismo pode funcionar em economia fechada, mas nas nossas sociedades ocidentais as suas regras têm de sofrer grandes alterações.

Na primeira grande crise bolsista, em 1929, as empresas não conseguiam vender os seus produtos porque as pessoas já não tinham dinheiro para os comprar; com o aparecimento do crédito, as pessoas passaram a ter dinheiro para gastar mas depois não tiveram dinheiro para satisfazer o crédito – a actual crise tem as mesmas causas da primeira, a desigualdade na distribuição da riqueza.

A não existência de «pobres» não é uma preocupação social, é uma preocupação económica. Quando a UE define taxas máximas do número de «pobres» não está a fazer caridade, está a ser economicamente inteligente. E note-se que a definição de «pobre» não é uma definição absoluta, é apenas uma medida de desigualdade.

Quando alguns países, nomeadamente Portugal, excedem essas taxas, isso significa que estão a ser economicamente incapazes – a “pobreza”, esta “pobreza”, não é um problema social, é um problema do sistema económico, porque ele só pode funcionar bem se as pessoas não forem “pobres”. Ou seja, o capitalismo é uma teoria incompatível com um cenário de excessiva desigualdade na distribuição de riqueza, “crasha” neste cenário.

Como é que a actual crise aconteceu? Temos de distinguir dois problemas, o do crédito mal parado e o da bolsa.

Em relação ao crédito, será que as pessoas e as instituições de crédito assumiram compromissos que já sabiam que não podiam ser satisfeitos? Não! O que acontece é que nem uns nem outros perceberam que as pessoas estão a empobrecer, todos pensaram que o futuro seria mais abonado que o passado – as pessoas contraíram os empréstimos a pensar que tinham condições para os satisfazer e os bancos concederam-nos porque na altura as pessoas reunião as condições necessárias. O problema nasceu porque as pessoas empobreceram e esta possibilidade não foi contabilizada!

(você não está a pensar que irá ficando menos rico nos anos que aí vêem, pois não? mas talvez não fosse má ideia fazer um gráfico dos seus rendimentos líquidos dos últimos anos, corrigidos da inflacção, só para ver se há alguma tendência...)

Em relação à bolsa, acontece o seguinte: a Sociedade Anónima foi uma invenção genial destinada a criar um fluxo de riqueza para os «pobres», compensando a tendência para a desigualdade inerente ao sistema capitalista – através da compra de acções toda a gente poderia participar dos lucros das empresas por distribuição de dividendos. Só que as regras foram mal definidas e o mercado das acções tornou-se para as empresas um meio de obter capital «de borla» - nada de dividendos! O pagamento de dividendos deveria ser uma obrigação, prioritária em relação à atribuição de gratificações aos administradores, por exemplo. Mas não é. Então, se as empresas não pagam dividendos, porque hão-de as pessoas comprar acções? Porque se inventou um jogo de «dona branca» com elas! As pessoas, toda a gente salvo uma pequenina parte, sofre de cupidez e, por isso, caiu na armadilha da especulação bolsista como cai em todos os esquemas do tipo «dona branca» até que a polícia lhes ponha cobro.

Assim, ao longo de muitos anos, a bolsa tem servido para criar um fluxo de riqueza dos mais pobres para os mais ricos; porque o «pequeno investidor» só pode perder na bolsa, apenas o grande investidor pode ganhar.

Ora quando 70% da riqueza está na mão de 10% das pessoas, já não sobra riqueza suficiente para sustentar o casino bolsista. Então os grandes especuladores tiveram de deixar a bolsa e voltar-se para outro lado – foram especular com as matérias primas! A bolsa caiu, o preço das matérias primas subiu (mas abriram uma frente de batalha com os cartéis que controlam as matérias primas – felizmente há cartéis, como veremos noutro post... se o meu inconsciente o decidir...).

Como corrige o Sistema o problema? Criando um fluxo de riqueza para os mais «pobres»: os Bancos Centrais planeiam injectar cerca de um milhão de milhões de dólares.

Há quem pense que isto é inerente ao sistema e não tem problema: periodicamente surge uma crise destas, que se resolve desta maneira, e tudo retoma o bom caminho.
Mas pensemos: o dinheiro da Reserva Federal, ou do Banco Central Europeu, não é o dinheiro dos mais ricos, é de todos; quem injecta o dinheiro são todos os contribuintes. Isso significa que todos ficaram um pouco mais pobres (excepto os beneficiários da injecção). Então, alguns da classe «estacionária» empobreceram e dos que enriqueciam lentamente deixaram de enriquecer.

Tudo se irá repetir, é certo, mas a base de pobreza vai sendo cada vez maior pois continua a não haver espaço para o crescimento do PIB. Ou seja, a crise será cada vez maior. Portanto, o sistema tende para a ruptura.

Mas não é só isto. A massa crescente de pessoas que vai «batendo no fundo» fica numa situação psicologicamente muito má. Não podemos esperar que todas essas pessoas se resignem a isso. Revoltar-se-ão uns. Outros olharão para a sociedade como um campo de caça – todos os dias farão o seu assalto para prover as suas necessidades, a da sobrevivência e a de não ter menos que os outros. Este Capitalismo criou uma classe de pobres no interior de uma sociedade rica que não é uma sociedade de classes.

A assistência social pode assegurar a sobrevivência mas não a dignidade. Para assegurar a dignidade precisamos de um sistema que se preocupe com isso. Os Nórdicos têm um sistema desses. Terá os seus problemas, mas, pelo menos, mostra que isso é possível.

Se este é um problema grave, há outros ainda muito mais graves inerente ao actual sistema económico ocidental, que surgem ao fim de algum tempo. Num próximo post tentarei mostrar porque é que a cartelização é, por agora, a única forma conhecida de evitar catástrofes maiores – ou isso, ou um governo esclarecido, como o da China, que há muito compreendeu este e outros problemas cruciais. Pelo menos, é o que o meu inconsciente me sussurra...
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15 comentários:

Joaninha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Joaninha disse...

Acho que temos aqui pontos em comum e outros em que discordamos totalmente.
Never the less, é um assunto incontornavem e sobre o qual vale sempre a pena saber a opinião de pessoas inteligentes, mesmo que diferentes das nossas.
Fico à espera do resto

Um beijo

alf disse...

joaninha

Este é um assunto em que andamos aos apalpões, ninguém pode dizer que «sabe» - se aqui existisse ciência certa não existiriam «crashs» bolsistas, créditos malparados etc.

Presumir que a teoria económica não tem culpas no que acontece, que quem tem foi quem não a aplicou correctamente é uma presunção precipitada.

Portanto, resta-nos discutir a teoria económica. Eu mando uns palpites, tu mandas outros, outra pessoa dará outros, e pode ser que disto tudo saia alguma luz!

Por isso, não te inibas, espeta aqui com as tuas discordâncias!

antonio ganhão disse...

O drama é que ainda existe alguma esperança de acabar com a pobreza... agora a desigualdade...

fa_or disse...

Achei interessante esta sua reflexão/teoria...

... e Sarah Palin admite que venha a haver outra Grande Depressão...

alf disse...

António

Não é preciso acabar com a desigualdade... mas é preciso limitá-la.

Somos todos agentes da desigualdade - pagamos à mulher a dias o mínimo, não é? O nosso patrão procura pagar-nos o mínimo, nós procuramos pagar pelo mínimo o que contratamos. Numa perspectiva individual, de cada um por si, é o que fazemos.

Vivemos este paradoxo: queremos criar uma «sociedade» mas não queremos subordinar ou compatibilizar os interesses individuais aos colectivos. Por isso a nossa sociedade tem de ser gerida através de «mentiras convenientes» pois os políticos têm de gerir o interesse colectivo e este conflitua sempre, de alguma maneira, com interesses individuais imediatos. Então há que criar uma mentira que leva as pessoas a agir em favor do interesse colectivo convencidas que o estão a fazer no seu próprio interesse imediato.

Mas não tem de ser assim; tanto os nórdicos como muitos orientais já aprenderam que os interesses individuais sossobram a prazo se não se empenharem no interesse colectivo.

Não podemos ser apenas um «balde de caranguejos portugueses».

alf disse...

maf_ram

Obrigado pelo seu interesse.

A Sarah Palin admite isso? Tenho de ver o que ela disse a esse respeito.

joshua disse...

Para mim, Alf, é este teu um dos melhores textos que li sobre esta matéria e, para corolário, sinceramente julgo que nunca mais aprenderemos a ser outra coisa que caranguejos num balde português de caranguejos, cada qual procurando ficar à tona dos outros numa perpétua e penosa alternância emaranhada de pinças, patas arrancadas e sacrifícios por respirar debalde, embora.

Provavelmente, o sistema capitalista chinês e o socialismo nórdico, porque caldeados com os valores do comunismo distributivo e nivelador, contém as tendências dos 10% e precavê-se das arritmias ocidentais do crescimento do PIB, escapando ao alargamento da pobreza e ao fosso ainda maior da desigualdade, sendo que, no caso chinês houve um caminho fulgurante desde a pobreza e da desigualdade que por muito tempo será trilhado ainda.

Quanto ao nosso estado de Perda e de Recuo ele parece inexorável e o colapso não pode estar longe. Aí, que os ricos fiquem cada vez mais rico será para eles a vitamina que se converte em venenho, não te parece?!

PALAVROSSAVRVS REX

alf disse...

Joshua

Obrigado pelo entusiasmo, confesso que escrevi este post a pensar «vou-me fartar de levar porrada mas que se lixe!». Se adivinhasse que não seria bem assim teria talvez sido um pouco mais cuidadoso na explicação.

O problema não está apenas na riqueza dos 10% mais ricos; claro que isto é um problema quando esta passa dos 50% da riqueza total e sobretudo quando passa dos 70% do total como acontece nos EUA, por razões que poderei detalhar noutro post.

O problema está nos que têm menos. Uma forma de limitar isso é através do ordenado mínimo. Mas não pode ser um ordenado mínimo de 400 euros, tem de ser muito mais alto. É isso que fazem os nórdicos. Mas para conseguirem isso têm de proibir a imigração, instrumento inesgotável de degradação dos ordenados.

Os chineses não têm estes problemas por agora porque têm uma taxa de crescimento do PIB muito alta e isso permite que toda a gente enriqueça - se a taxa de crescimento é de 10%, os 10% mais ricos teriam de de ter uma taxa de enriquecimento superior a 100% ao ano para que a riqueza média dos restantes 90% diminuisse.

As regras do capitalismo têm outros problemas ao nível empresarial que irão tendo consequências cada vez mais graves no futuro. Porque o sistema capitalista é excelente qd o mercado pode crescer mas não qd esse crescimento já não é possível.

Há um paralelo nos sistemas biológicos, o comportamento duma espécie introduzida num novo habitat é um na fase inicial mas depois tem de mudar qd o numero de indivíduos da espécie satura os recursos.

Os chineses já terão compreendido a necessidade dessa mudança de regras, mas os EUA continuam agarrados ao modelo original, na ideia de que se ele foi bom no passado terá de ser bom no futuro. A Globalização permitiu-lhes sair temporariamente dum sufoco mas esta parece não estar a ter os resultados necessários para eles porque os outros mercados estão rápidamente a fecharem-se, por um lado, e por outro o aparecimento de potências económicas, especialmente a China, veio virar o jogo.

anonimodenome disse...

não vejo 'mode' de discordar com o meu amigo alf.
Hoje soube que o Ramalho Eanes continua coerente consigo mesmo. Poderia ter arrecadado um milhão de euros ao Estado (de todos nós) e, ficou tranquilo. A lei foi feita de propósito, ouvi dizer e não posso confirmar, que é para cobrir a posição do nosso presidente actual.
Depois da 'bronca' com Almerindo, MiraAmaral, aqui del'rei, fica tudo na mesma. Eles acumulam e acumulam e acumulam. envelhecem na mama do estado e de administrações de favor, de conselhos fiscais, de comissões inócuas, assessores consultores, e ... e nunca ganham que chegue. O Vitor Constâncio ganha muito mais que o presidente da Reserva Federal dos USA. Se fechar o Banco de Portugal o país fica a ganhar.

As bolsas perderam biliões nestes dias. o que é certo é que o dinheiro 'perdido' afinal não existia.
A emissão de acções bolsistas são o pior negócio que uma empresa pode fazer.
Na essência deveriam servir para financiar a empresa a troco de dividendos. Mas este empréstimo nunca fica pago. Mais ainda, se a empresa passa por dificuldades, os accionistas são os primeiros a 'trair' vendendo as acções e fazem aumentar as dificuldades para a empresa ao fazer diminuir a sua credibilidade.
Melhor é que se financiem na banca que assim pagam x prestações e ficam livres da dívida.

A surpresa maior no pensamento do alf tem a ver com as consequências benéficas dos cartéis, que ele explicará, contra-corrente. O que no alf felizmente já é habitual.

Dois ou três exemplos em que ilustra a sua verdade:
A DeBoeers comercializa (em cartel) todos os diamantes no mundo. O diamante é apenas uma pedra bonita, sem valor real.
O cartel faz com que exista desejo pelo bem pela sua raridade no mercado. Se fosse livre o mercado de diamantes eles não teriam valor algum.
a OpEP: Tenho petróleo,se eu vender muito ou barato amanhã não tenho e não fiquei com nada em troca para compensar a perda da riqueza e acautelar o futuro. Se o vizinho também tem petróleo e por considerações de curto prazo decidir dá-lo barato ficamos todos a perder quer no curto que no longo prazo.
Temos (ou tínhamos) um Algarve muito belo, praias de areia suave e sol, mas, na ânsia de vender ficámos com os piores turistas, daqueles que não gastam porque pouco têm. Vêm apenas beber umas cervejas. No Abu Dabhi é diferente, converteram $$ do petróleo em turismo de luxo. Trabalham para o futuro.

A cartelização em extremo, estatal por exemplo, mata a concorrência e ficam todos mal servidos. aconteceu à URSS.
Se a AMD/ATI arruinarem ficamos todos mais pobres nas mãos da Intel e da NVidea. Os preços não baixam e os PC não melhoram. Nos produtos de inovação tecnológica convém competição. criam mercado e todos ganham.

Um mundo de pobres não serve para ninguém, nem aos ricos nem aos pobres. Espero que os ricos não sejam estúpidos e entendam que o melhor para todos também é o melhor para eles (equilíbrio de Nash ? ou uma visão cristã? ou uma equação?)

Joaninha disse...

Alf,

Fico à espera do post sobre os carteis para depois concordar ou discordar de ti ;)

beijos

alf disse...

anonimodenome

Pessoas como o Eanes são raras; as pessoas aproveitam quase sempre as vantagens que podem aproveitar sejam moralmente lícitas ou não - desde a baixa fraudulenta, às falsas deficiências, aos subsídios e horas que se recebem por trabalho que não precisava delas, aos dois meses de férias dos juizes, aos subsídios de casa deles e doutros, aos horários seguidos de 30 horas semanais dos funcionários públicos, etc, etc. Mas no caso dos governantes acho especialmente reprovável porque eles são o exemplo, e o exemplo que eles dão é que é uma pessoa não tem deveres em relação à sociedade a não ser o de sacar desta o que puder.

Quanto aos cartéis, num mundo sem espaço para crescimento acentuado, que vai ser este mundo a prazo, como já foi no passado antes da «revolução tecnológica», sem cartéis vamos cair em monopólios.

A competição vai ter de abrir um espaço para a colaboração. Afinal, do ponto de vista económico, em relação ao exterior, a Europa é uma espécie de cartel, já reparaste?

alf disse...

joaninha

Joaninha, hehe, não vai ser para já que vou falar dos cartéis... outras coisas mais importantes virão primeiro.

Nota que neste blogue, ando à descoberta, posso estar certo ou errado, a tua opinião é tão boa, ou melhor, do que a minha.

(por isso é que abri o «outra Física» - o que digo lá é fruto de «sabedoria», o que digo aqui é fruto da «dúvida»)

Joaninha disse...

Ai é fruto da duvida alf?

Entao quando crescer quero ter duvidas tão bem explicadas como as tuas :)

O outra fisica é de alguem de fisica,

(fisica o meu odiozinho de estimação)
Mesmo sabendo que a minha mama é professora de fisica e das boas, santos da casa nunca farão milgares I say.

Beijos

alf disse...

Joaninha

Física?? Nada disso! é Outra física!!!!

O meu objectivo é fazer um texto para pessoas fora da física mas que contenha a informação necessária para que os que sabem física vejam que o que digo está certo.

Vou tentar limitar-me a descrever como o Universo é mas pontualmente lá terei de dizer qq coisa mais... Pra que serve isso, perguntarás tu... ora, ficamos a entender um bocadinho melhor a nossa existência... pra que serve isso perguntarás tu... ora...

E que pensará a tua mamã do «outra física»? Tens coragem de lhe indicar tal leitura rsrsrs?