Um aparte: a metodologia científica impõe limites às questões que a ciência pode abordar em cada nível de conhecimento, o que não se pode confundir com afirmações do tipo: “a Ciência afirma que o cérebro é uma máquina que pensa.” A Ciência não afirma nada disso, como não afirma se existe um deus, mil, ou nenhum. A Ciência só faz afirmações sobre matéria que consegue provar ou tentar provar; quanto ao resto usa uma metodologia de pesquisa. Necessariamente, essa metodologia proíbe o recurso a qualquer explicação não provada ou não susceptível de ser provada a curto prazo. O que não implica que essa não possa ser a explicação. Percebem a diferença?
O nosso cérebro executa procedimentos definidos e rígidos no seu funcionamento. E isso é fácil de detectar em certos sub-sistemas, nomeadamente a audição e a visão.
Quem trabalha em processamento de imagem e de som está habituado a lidar com o programa dos sistemas visual e auditivo, pois a sua tarefa é encontrar formas de gerar no cérebro a mesma sensação que a imagem ou o som original produziria mas usando muito menos quantidade de informação do que a contida no material original. É isso que se faz com as rotinas mp3, mp4, da televisão digital, real audio, wmp, etc, e é por isso que os ficheiros digitais são cada vez mais pequenos, eles já só contêm uma pequenina parte da informação original.
As pessoas fora destas áreas e do estudo do cérebro não terão a noção de como é determinístico o processamento cerebral. E penso que nada como as ilusões de óptica para darem esta percepção.
Observem a figura, uma das várias que podem encontrar nesta excelente colecção.

Embora nada se mova, é impossível deixarem de ver as rodinhas a girarem. A informação contida na imagem gera no cérebro, fatalmente, uma construção que é diferente do que lá está.
O processamento de imagem do cérebro é algo fabuloso. Por exemplo, já existem lentes de contacto multifocais, com anéis concêntricos que focam para várias distâncias, originando uma sobreposição de imagens na retina; mas o cérebro consegue interpretar isso e construir uma imagem nítida a todas as distâncias. Outro exemplo: as lentes dos óculos distorcem a imagem; mas, após um período de “aprendizagem”, o cérebro corrige essa distorção da imagem que se forma na retina e gera uma imagem sem distorção.
O “programa” que nos faz ver as rodinhas em movimento na figura não tem, na realidade, um "bug"; trata-se de um efeito colateral de um “programa” que optimiza o funcionamento do processamento óptico nas situações frequentes ou mais importantes. No entanto, apesar de não ser um “bug”, conduz ao erro nesta situação. Mas o mais importante nem é isso, é o facto de não estar na nossa mão a correcção desse erro. Ou seja, o facto do funcionamento dessa “sub-rotina” ser perfeitamente automático e determinístico.
Ora isto não é uma característica específica do processamento das informações sensoriais mas de todo o funcionamento cerebral. Nomeadamente da geração do pensamento.
Se formos a atravessar uma rua e um carro surgir de repente, não nos ocorre voar. Essa possibilidade é vetada a um nível inconsciente, esse pensamento não chega a ser colocado no “consciente”.
Tudo o que o cérebro aprende pelos seus processos automáticos de aprendizagem, a partir das informações sensoriais, mais o que lhe é “ensinado” e aceite como “verdade”, formam um filtro que impede de uma forma absoluta a geração e até a aceitação de pensamentos contrários.
Isso verifica-se em todas as áreas, das sociais às científicas. Por isso é que Planck disse que é inútil tentar explicar as novas ideias, teremos de esperar pela geração seguinte que irá crescer em contacto com elas. Em qualquer campo.
Por isso não ocorre às pessoas em geral que a “expansão” do espaço seja afinal... uma contracção de matéria! Ou que a lapidação de uma mulher adúltera seja errado (para uma pessoa que cresceu nessa cultura e nunca foi exposta à dúvida). E, no entanto, qualquer das duas coisas parece escandalosamente óbvia depois de entendida.
A velocidade a que temos de evoluir hoje obriga-nos a aprender, desde pequenos, a combater este funcionamento cerebral. Porque no espaço da nossa vida teremos de mudar de “verdades”, o que não acontecia com o homem primitivo. Se seguirmos a nossa natureza, ficaremos amarrados a cada um dos conceitos que primeiro aceitámos.
É indispensável uma educação baseada na dúvida e na discussão e não na certeza. A necessidade de evolução da sociedade humana exige que não formemos «crentes» (isto é, pessoas que usam a credibilidade duma fonte, seja ela qual for, para classificar como “verdade” uma informação sem a sujeitar a uma análise contraditória).