quarta-feira, julho 31, 2013

A Crise Escalpelizada e Profetizada


Durante os próximos meses vou estar ocupado com a promoção das minhas teorias sobre o universo – aquela coisa óbvia de que não é o espaço que expande, somos nós que diminuímos; não se assustem porque a diminuição é tão lenta, mas tão lenta, que é completamente indetectável à nossa escala. Queria deixar neste interregno um texto a sumarizar como entendo a atual crise.

  1. A causa da crise.
 a) É sabido que o sistema financeiro só funciona enquanto a sociedade estiver a enriquecer. O sistema financeiro ganha dinheiro por processos especulativos, processos para ganhar dinheiro com o dinheiro, assentes na perspectiva de valorização das “coisas” em que o dinheiro é aplicado, seja um quadro do Miró ou uma acção da EDP. Esta perspectiva de valorização só existe havendo enriquecimento da sociedade. A atividade financeira vai buscar este acréscimo de riqueza das pessoas.
Quando uma sociedade, ao contrário, está a empobrecer, as pessoas deixam de colocar dinheiro nestas “coisas” e a perspectiva de valorização desaparece. Todo o sistema que permite aos bancos e entidades financeiras grandes lucros colapsa.
É claro que mesmo em recessão podem continuar a ganhar algum dinheiro com o casino bolsista, dado que são jogadores privilegiados que conseguem comandar as subidas e descidas – mesmo com uma tendência decrescente, podem ganhar nas oscilações. Mas é pouco.

b) O enriquecimento das sociedades financeiras na década anterior ao fim do século XX foi fabuloso: 30 % ao ano. Uma maravilha. Mas isto teve uma consequência: a riqueza absorvida por estas sociedades tornou-se maior que a riqueza gerada pelo crescimento do PIB. Então, a restante sociedade começou a empobrecer. Logicamente, deixaram de investir nas “coisas” e os ganhos do sistema financeiro colapsaram.

c) Portanto, a causa da crise é só uma: o excesso de desigualdade. O sistema capitalista só funciona enquanto a generalidade da sociedade enriquece. O brutal enriquecimento dos mais ricos determinou o empobrecimento dos restantes; mas esse enriquecimento era feito à custa do resto da sociedade e por isso colapsou. Secou a sua fonte por excesso de cupidez.

  1. A solução para a crise
 O Obama sabe isto tudo e sabe qual é a solução, fartou-se de o dizer: redistribuir a riqueza. É por isso que os EUA já voltaram ao crescimento, a crise nos EUA já é passado. Teve custos, muitos bancos fecharam as portas. Os impostos sobre os ricos aumentaram.
Não se pense porém que os EUA já estão seguros. As medidas tomadas foram mínimas, só o suficiente para pôr o barco a navegar. Os ricos são gananciosos e só abdicaram um mínimo da sua riqueza especulativa. A ideia deles é manterem agora a sua riqueza estacionária enquanto crescimento do PIB vai alimentando o esfomeado “porquinho”.

  1. A solução europeia
 A Europa é um saco de gatos; por isso, os gatos mais fortes trataram de resolver o assunto como mais lhes convinha. Os mais ricos, em vez de prescindirem de uma pequenina parte da sua riqueza especulativa, viram na crise uma oportunidade para enriquecerem mais. É o processo de enriquecimento usado nos cartões de créditos: nada como encontrar alguém em dificuldades para extorquir juros. Isso é possível na Europa porque o BCE não está ao serviço dos povos e não existe um orçamento europeu. Além disso, serve perfeitamente os objectivos hegemónicos da Alemanha e da França.

  1. Portugal no presente
 Em Portugal, o Governo está inteiramente focado em resolver o problema da banca. Os banqueiros são os seus pares, não é? O Estado tornou-se uma máquina de sugar dinheiro aos portugueses para colocar na banca. A Luís mexeu nos SWAP quando eles se tornaram mau negócio para a banca. Para disfarçar que estava a fazer o frete à banca, levantou um escândalo sobre os mesmos, para parecer que veio resolver um problema ao Estado quando o que ela terá feito (penso eu) foi resolver um problema à banca.
 A redução dos custos do Estado com as pessoas não visa diminuir o défice das contas públicas, visa apenas libertar dinheiro para Banca.
Há também uma questão ideológica: a ideia de um país de senhores e servos. Uma ideia obsessiva nas elites portuguesas dos últimos 4 ou 5 séculos. É por isso que o Crato acabou com o ensino de informática e quer ensinar as pessoas a usarem tornos quando já só há robots nas fábricas.

  1. O Futuro para Portugal
 A atual política de austeridade vai levar ao colapso do sistema bancário português. Estas luminárias esqueceram-se que os bancos, como as empresas, precisam do mercado interno. Por agora, estão todos os bancos a ser aguentados pelo BCE; mas a negociata das dívidas públicas não chega para os sustentar e a mãozinha do BCE não vai lá estar para sempre. Até porque a falência dos bancos “pequenos” é uma conveniência dos grandes... há apenas que aguardar pelo momento conveniente, porque os grandes têm ainda graves problemas a resolver.
Assim, ou a banca faz como as empresas e se vira para os mercados em crescimento, ou vai falir. Acontece que os mercados em crescimento estão muito pouco abertos à banca estrangeira – porque haveriam de estar? O que é que têm a ganhar com ela? Já as empresas levam “saber-fazer” e podem ser fonte de desenvolvimento, desde que devidamente enquadradas; e como enquadrá-las já é hoje teoria sólida, desenvolvida pelos chineses. Teoria para enquadrar a banca é que só há uma: entrada proibida!


Assim, se a política de austeridade continuar, a banca portuguesa vai falir. Provavelmente, antes do fim do programa da troika.

5 comentários:

alf disse...

recomendo este post:

http://conversasdexaxa4.blogspot.pt/2013/07/a-alemanha-e-o-acordo-de-londres-de-1953.html

Peter disse...

Estou profundamente preocupado: por motivos diversos que não vale a pena estar a escalpelizar, o dinheiro que recebo não me dá para viver. Assim, vou retirando do banco aquilo que necessito, mas se estes abrem falência, ou melhor, se ameaçam abrir falência, como faço?
Vou retirar o dinheiro (se me autorizarem) e meto-o debaixo do colchão?

alf disse...

Peter, creio que não vale a pena estares preocupado. Na Europa, isso não acontecerá. A um banco em crise só podem acontecer duas coisas: ou é nacionalizado ou comprado por outro, ficando o prejuizo para os acionistas e para o Estado (e para os depósitos superiores a 100.000 euros; depois o Estado tem de ir aos mercados buscar mais dinheiro para tapar o buraco e os bancos ganham mais um bocado emprestando a 5% o que recebem do BCE a 0.5%; e o Estado faz novo corte nas reformas).

Os bancos, nesta altura, não querem saber do nosso dinheiro para nada, estão a ser alimentados pelo BCE a 0.5%, que lhes interessa pagar mais nos depósitos a prazo?

Podes fazer como o ex-bloquista Daniel de Oliveira que achou que o mais seguro é por-se do lado do inimigo, já que este é mais forte, e depositou o seu dinheiro no Deutsche bank; eu pus o dinheiro em certificados de aforro, tem melhores condições dos que as que os bancos oferecem; e diminui a necessidade do estado ir aos mercados... embora o estado pareça ansioso por o fazer, é por isso que não coloca a dívida pública a retalho, é negócio só para os bancos.

Há também quem ande a aplicar o dinheiro a comprar as casas leiloadas pela banca.

Mas o melhor é capaz de ser mesmo por o dinheiro debaixo do colchão... mas não é nada prático e tb tem riscos.

Em resumo, não penso que economias até 100.000 euros sejam postas em causa. Os americanos sabem que correm esse risco, mas na Europa foi criada a ideia de que isso era impossível e se essa ideia for desrespeitada será o caos, por isso penso que farão tudo o que puderem para que isso não aconteça.

Peter disse...

alf

Obg pela resposta, mas vê:
- se eu preciso mensalmente de dinheiro e preciso, não posso andar a aplica-lo isso faria se ele fosse muito, mas não sou o Daniel de Oliveira;
- depósitos superiores a 100 mil € por depósito ou por titular da conta? Dizem que é por titular, mas eu não acredito.
Partilho do receio dos americanos sobre as economias (ou depositantes) até 100 mil € poderem ser postas em causa.

Abraço e bom domingo.

alf disse...

Peter

Quanto aos 100.000, deve ser a hipótese mais restritiva

Quanto a movimentares o dinheiro, os juros dos depósitos a prazo rendem muito pouco, não justificam grandes malabarismos. Em todo caso, nos certificados de aforro os juros vencem de 3 em 3 meses e podes movimentar em qualquer altura, a única penalização sendo a perda dos juros do período de 3 meses em curso - ou seja, quase nada.

Eu penso que esta "crise" será transitória até colocarem os ordenados onde querem - competitivos com os praticados no norte no México. Os da Índia e afins serão sempre mais baixos enquanto não houver controlo de natalidade por lá.Os da China já estão a ficar mais altos, a política da China tem de ser o enriquecimento da população, pois isso é a única coisa que legitima um governo não-eleito. Por isso, a China vai virar-se para o mercado interno.

A história dos depósitos acima de 100.000 euros é um bocado estranha. No Chipre, quem tinha tais depósitos só teve de apanhar um barco e ir à Grécia levantar o dinheiro numa agência do banco. Houve alguém com mais de 100.000 euros no banco que perdeu o dinheiro? Não sei, mas tenho dúvidas. E no caso do Chipre tratava-se de dinheiro "sujo", fugido aos impostos de outros lados.

Muitas pessoas optam por dividir o dinheiro por vários bancos.

Difícil fazer previsões neste cenário. Mas acho que não vale a pena anteciparmos preocupações.

Em último caso, emigra-se para uma aldeia do interior, onde as casas são quase dadas, e onde há centros de dia que levam o almoço a casa por uns 15 a 30 euros mensais... e há internet e tv em todo o lado e ainda se beneficia do ar puro...