terça-feira, março 26, 2013
Economia, Egoísmo, Altruísmo e Darwin (2/2)
Para desenharmos
a sociedade humana precisamos de saber qual é o objetivo a atingir. E não há
muitas dúvidas a esse respeito: o objetivo é a Evolução da sociedade.
O problema é
saber como se faz a sociedade evoluir. A História mostra que temos andado em
altos e baixos, civilizações que avançam e recuam. A construcão da sociedade
humana não é algo que decorra naturalmente das nossas características e
instintos, pois se temos características que a favorecem, temos outras que
podem conflituar com ela.
Uma das nossas
características que gera mais problemas é o Egoísmo de curto prazo; a nível das
relações pessoais e de vizinhança, somos capazes de lidar com ele porque
rapidamente aprendemos que ele nos é prejudicial, mas para sociedades grandes,
onde as pessoas não se conhecem, foi preciso inventar a Religião de Estado, que
pôde estabelecer comportamentos em prol da sociedade usando um chicote, o medo
de um Deus colérico, e uma cenoura, a promessa de um paraíso eterno.
Esta solução tem
uma limitação: só funciona enquanto as pessoas acreditarem na existência de um
Deus castigador.
As elites antigas
sabem que esta solução lhes é vantajosa, porque a Igreja prega a obediência, a
pobreza e a subserviência. As elites antigas, representadas pelos partidos da
direita, defendem esta solução para combater o destruidor egoísmo e para
manterem os seus privilégios, atribuídos à divina preferência.
Porém, a
diminuição da influência da Igreja abriu a necessidade de arranjar um novo
suporte para o direito a privilégios dos mais ricos: já que esse direito não
podia ser de origem divina, precisaram de outra origem; e foram buscá-la à
teoria de Darwin; este constatou, da sua observação da natureza, que:
“It is not the strongest of the species that survive, nor the
most intelligent, but the one most responsive to change.”
Isto foi resumido
à ideia da “sobrevivência do mais apto”, uma frase que, contrariamente ao que
quase toda a gente pensa não é de Darwin mas do filósofo Herbert Spencer, e que
contrariamente ao que toda a gente diz não traduz a ideia de Darwin; a partir
desta frase passou-se à conclusão de que os mais bem sucedidos, ou seja, mais
ricos, eram os mais aptos, logo os escolhidos pela natureza, o futuro da espécie,
aqueles a que se deveria dar todo o apoio, conceder todos os direitos porque
seriam eles o motor da evolução. Os outros têm apenas os direitos que os mais
ricos, na sua sabedoria, lhes concedem e enquanto lhes concedem.
Esta ideia casou
muito bem com a ideia anterior de Adam Smith de que "se cada indivíduo
prosseguir o interesse próprio, frequentemente promove o interesse da sociedade
de maneira mais eficiente do que se efectivamente tencionasse promovê-lo". Isto
é verdade mas está longe de ser o equivalente a dizer que se cada um agir em
função do seu interesse imediato, todos beneficiam, que é a forma com que essa
afirmação é usualmente apresentada. Ou seja, tanto a ideia de Adam Smith como a
de Darwin foram desvirtuadas para servir os interesses dos ricos. A de Adam
Smith defende o direito de cada um, ou seja, toda a gente e não apenas os
ricos, a prosseguir os seus interesses, contrariamente à ideia anterior
veiculada pelas elites e pela Igreja. Como os ricos têm mais capacidade de
promover os seus interesses do que os pobres, esta ideia sem mecanismos que
garantam aos pobres capacidade competitiva resulta em puro benefício dos ricos.
O resultado
prático destas ideias foi o foco na atividade produtiva como motor da economia,
assente na exploração dos empregados, o que conduziu à grande depressão. A
solução para sair dela veio pela mão de Keynes e de outras pessoas que
aplicaram o seu tipo de ideias, como o Ford. Keynes inverteu o motor da
economia, que passou a ser o consumo. Segundo Keynes, o dinheiro dos pobres
gerava procura e a procura é que fomentava a produção. O dinheiro posto no
bolso dos pobres tinha um factor multiplicativo da economia e por isso a
economia devia ser desenhada para que a riqueza produzida circulasse de volta
para os consumidores. As sociedades por acções, pagantes de dividendos, eram
uma forma de o conseguir. As diversas medidas postas em prática para realizar
as ideias de Keynes geraram o enorme boom de desenvolvimento ocidental que
serviram para estabelecer a ideia de que o capitalismo era o melhor sistema
possível.
No entanto, as
desvirtuadas ideias de Darwin e Adam Smith estavam mesmo ali à mão para
suportar todas as ganâncias, (a ganância chegou a ser considerada uma
qualidade) e as ideias racistas e as teorias de que os mais ricos são o escol
da humanidade e os restantes os falhados da evolução cuja sobrevivência apenas
acontece na medida das conveniências dos mais ricos e até por caridade destes.
Isto não é
falado, mas muita gente, essencialmente mulheres, foi esterilizada contra
vontade ao longo do século XX nos nossos “civilizados” países. A eugenia, uma
prática logicamente decorrente destas ideias, foi institucionalizada em todos
ou quase todos os países onde a revolução industrial fez surgir as novas
elites. Na Suécia apenas foi abolida em 1976!!! Já depois do nosso 25 de
Abril...
Os mecanismos
postos em prática para implementação das ideias de Keynes foram sendo
sucessivamente destruídos, dando o poder absoluto aos ricos. Os lucros das
empresas passaram a ficar no bolso dos grandes accionistas, nomeadamente
através dos ordenados dos administradores, os dividendos passaram a ser
simbólicos, a bolsa tornou-se um casino, a especulação financeira ficou
descontrolada, as leis antimonopólio postas de lado. A Globalização veio ajudar
ao desmantelar da estrutura Keynesiana, que ficou reduzida ao esquema de
proteções sociais, que impediam o excessivo empobrecimento das pessoas. O
objectivo atual é acabar com ele, deixando toda a gente na completa dependência
dos ricos; isso tornou-se fácil porque os ricos não pagam impostos e assim o
estado social tem de ser sustentado pelos ordenados dos empregados e pequenos
empresários e estes não ganham o suficiente para tal. Já está estabelecido no
ocidente que os direitos dos ricos não podem ser beliscados, os outros não têm
direitos, apenas a ilusão que os ricos lhes consentem. As Constituições são
torneadas com o argumento das necessidades especiais da situação.
Os economistas
“mainstream” trabalham para os ricos; assim, a habilidade que lhes interessa,
aquilo que as escolas de economia ensinam, é como enriquecer os ricos. A sua
especialidade é inventar processos de retirar dinheiro às pessoas para dar aos
ricos. As consultoras quase só tratam de despedimentos e redução de ordenados,
os financeiros inventam esquemas de extorsão. Linhas telefónicas de valor
acrescentado cujo único objetivo é vigarizar as pessoas são legais e quem é
enganado não tem recurso. Um bom gerente de conta, pelo menos para alguns
bancos, é alguém que seja um bom vigarista; é por isso que de vez em quando há
fraudes bancárias, as pessoas que eles contratam para vigarizarem os clientes
às vezes não resistem a vigarizar para além do previsto
Nas escolas de
hoje, no ocidente, o que se ensina às criancinhas é o direito dos mais ricos a
terem direitos. É fácil encontrar livros para crianças que sob a capa de
tratarem da evolução das espécies mais não fazem do que a apologia do direito
dos mais ricos. É a nova Religião, agora sob a capa da Ciência. Os construtores
de “religiões” optam agora pela Ciência em vez da Divindade, pois a Ciência
tornou-se mais credível.
Este descalabro
não acontece contra a vontade das pessoas; na verdade, a classe média
portuguesa é grande responsável por isto, achando que o bom é um sistema em que
cada um trate de si e os outros que se cuidem. Se alguns professores levassem um
pouco mais a sério a sua profissão, não havia 40% de abandono escolar; mas a
verdade é que para a classe média isso não é visto como um “mal” mas como um
“bem” porque aumenta as possibilidades de sucesso dos seus filhos. Ou pensam
que há alguma dificuldade em acabar com o abandono escolar? A única dificuldade
são os interesses da classe média. O mesmo se pode dizer de quase qualquer
profissão, onde gente suficiente não está nada interessada em contribuir para o
bem colectivo mas em tratar da sua vidinha. Por outro lado, se as pessoas não
comprassem tantos carros novos e tão caros, a nossa balança externa estaria
muito melhor. Se não comprassem tantas roupas e sapatos importados, a nossa
indústria estaria muito melhor. Se não comprassem tantos produtos alimentares
importados, o Pingo Doce e o Continente teriam de ter uma política diferente em
relação aos produtores nacionais. São estas coisas que fazem da Dinamarca um
país onde não há descartados nem crise. É a classe média que dá o poder aos
ricos porque adopta como comportamento o egoísmo de curto prazo convencida que
isso a favorece mas a prazo quem ganha são os ricos. E agora algo relevante:
não é a classe média toda; na verdade, é apenas uma minoria, 10% a 15% dela. No
entanto, perante a complacência dos restantes, esta minoria é suficiente para
gerar este descalabro.
Noutras partes do
mundo nada disto se passa, não porque as pessoas sejam melhores ou mais sábias
mas porque os governantes estão obrigados a desenvolver a sociedade toda para
ela poder sobreviver no contexto global. O indicador que interessa, que pode
ser tomado como objetivo sobre o qual se pode actuar directamente, ao contrário
do PIB, é o nível de vida dos mais pobres. Esse é o “rato que tem de ser caçado
e não interessa se o gato é branco ou preto”. Ou seja, não interessa se se
aplica as ideias de Adam Smith ou Keynes ou seja o for, o que interessa é a
chegar a resultados. Foi assim que os chineses começaram o seu desenvolvimento.
Mas nem foram os primeiros a perceber isso: antes deles já os nórdicos
(Dinamarca, Suécia, e Finlândia) o tinham percebido e adoptado como orientação
“não deixamos ninguém na valeta”. Isto não significa caridadezinha, significa
que a todas as pessoas são dados máximos conhecimentos para serem úteis à
sociedade, protecção para não serem explorados e condições para serem
competitivos. Nomeadamente, significa um grande investimento na educação, o
abandono escolar é coisa impensável, controlo da actividade financeira para
garantir adequadas condições de competitividade de toda a gente e controlo da
balança externa
Há regras que
mudam tudo; uma é que o investimento estrangeiro só é autorizado se for um
investimento que possa gerar desenvolvimento. Investimentos apenas para
aproveitar vantagens comparativas, daqueles que se limitam a pagar uns
ordenadozitos, que é o tipo de investimento estrangeiro que cá se faz, não são
autorizados. Para conseguir isso, uma regra é a necessidade de ter um sócio
nacional, tipicamente 50% de comparticipação nacional. O sócio pode ser uma
empresa do Estado. Esta regra já é seguida em praticamente todo o mundo (exceto
aqui). Esta regra garante que pelo menos metade dos lucros fica no país e que a
actividade interessa ao país, vai gerar desenvolvimento e subida do nível de
vida dos mais pobres. (claro que surge logo o negócio de cobrar uma taxa para
se fingir que é sócio, mas o balanço final do sistema é positivo para o país e
é por isso que ele se tornou quase universal).
Outra regra é a
de que os lucros gerados no país têm de pagar impostos no país, exceto no que
for reinvestido no país. Isto de os lucros irem direitinhos para offshores e
não pagarem impostos não acontece nem nos EUA. Já ninguém pensa em ter uma
empresa em Portugal que não tenha sede na Holanda. De que nos serve a Jerónimo
Martins? Parece que não contribui em nada para a produção nacional mas, pelo
contrário, esmaga-a, e os seus lucros vão para a Holanda. A sua contribuição
para as balanças externas será negativa, ou seja, contribui para o nosso
empobrecimento.
Para acabar com
os “descartados” bastará um investimento da ordem dos 5% do PIB. Não há
dinheiro para isso, diz-se na europa do euro, mas deixa-se muito mais do que
isso ser transferido para offshores.
Estive na China
há dois anos; uma das inúmeras coisas que me surpreenderam foi a vaidade que
eles tinham nos indicadores que para nós “são um problema”, nomeadamente o
número de centenários – já estavam em segundo no ranking mundial, diziam com
orgulho; a qualidade de vida dos velhos é uma preocupação constante e em todo o
lado se viam os jardins cheios deles, aulas de ginástica e dança para velhos
gratuitas por todo o lado. Aprendi muito sobre economia na China, é fantástico
as soluções que se encontram para levar ao desenvolvimento de toda uma
sociedade quando se deixa de funcionar por “teorias” e se passa a resolver
os problemas um a um.
Recentemente, o
FMI fez uma descoberta fantástica: a austeridade tem um factor recessivo maior
do que 1! Espanto dos espantos. Os nossos brilhantes economistas, do ministro
aos comentadores dos media não cabiam em si de espanto. “Uma coisa dos países
do Sul”, disseram alguns. Então estes economistas não sabem que isso é a base
de toda a teoria de Keynes? Isso é que é verdadeiramente espantoso. O FMI e
estes economistas que nos (des)governam não sabem o B-A-BA da teoria económica!!
Como diz um dos
meus leitores, os economistas de hoje são como os padres de antigamente,
convencem os pobres de que lhes cabe ser pobres, até é uma sorte terem o pouco
que têm, e que os ricos são intocáveis. Não é isso que eles dizem cada vez que
abrem a boca? A verdadeira economia paralela é a dos ricos, pois não pagam
impostos, com uma agravante: enquanto a economia paralela dos pobres alimenta o
consumo e este a economia, a dos ricos não, os seus ganhos simplesmente se
amontoam na banca, alimentam a economia dos artigos de luxo, que é a sua
economia privada, e empobrecem a economia que serve todas as outras pessoas.
Quanto aos investimentos dos ricos, eles destinam-se essencialmente a diminuir
postos de trabalhos, directamente ou pela realização de “sinergias” através da
compra de empresas, e a eliminar concorrência.
Assim, enquanto
algumas partes do mundo já estão para além do Keynes, na Europa do Euro estamos
anteriores ao Adam Smith; a consequência fatal é que vai haver um enorme
estouro, não vale a pena ter ilusões. Não pensem que a Alemanha está a ser
“injusta” ou “exploradora”; penso é que a Alemanha está aflita, o seu sistema
bancário deve estar um caos, apenas a ilusão de que ela está bem permite
esconder o cancro que a corrói. Mas não se pode enganar toda a gente durante
todo o tempo, e penso que em breve a Alemanha entrará em recessão e aí não
haverá troika nem FMI nem fundos europeus que aguentem o desastre. Isto porque
na Alemanha, tal como aqui, o dinheiro vai para offshores e os ordenados são
miseráveis; ganham mais do que nós? Pois ganham, mas raramente há dois empregos
numa família e os seus custos de sobrevivência são muito mais altos. Ou seja, o
poder de consumo é baixo e está a baixar, com a importação de empregados
doutros lados, como Portugal. Os empresários baixam os custos mas aniquilam o
mercado interno; e este é que domina a economia, embora não pareça pela
conversa dos economistas e políticos. Na Alemanha, os 50% mais pobres recebem
1% da riqueza, segundo o Soromenho-Marques (Visão); ou seja, já metade da população foi
“descartada”.
Os comportamentos
de egoísmo de curto prazo exacerbam-se quando no horizonte não há esperança de
crescimento. É por isso que a Europa vai fechar-se nos egoísmos e afundar-se
com fragor, porque esse é o caminho oposto ao da salvação.
Uma das razões
porque este bicentenário do Darwin foi tão badalado é porque era uma
oportunidade de agitar a bandeira do “cada um por si”, tão conveniente aos
ricos, certificando pela Ciência que eles têm mais direitos que os outros,
outorgados pela Mãe Natureza.
sexta-feira, março 15, 2013
Economia, Egoísmo, Altruísmo e Darwin (1/2)
(onde se
apresenta o verdadeiro retrato do que nos espera; e se mostra que, afinal, o
Passos Coelho sabe mais do que dizem)
Este desvio da
conversa com o Hans do campo da economia para o da evolução das espécies,
apresentado nos textos anteriores, e que vai continuar, parece despropositado;
mas não é, e pareceu-me importante explicar porquê.
Contrariamente ao
que constantemente se afirma, a macroeconomia é perfeitamente previsível, não
tem nada de misterioso, de esotérico; não são precisas complexas teorias para a entender. Tudo o que acontece em
macroeconomia serve directamente os interesses de quem tem o poder de a
comandar, pelo que basta entender que interesses são esses.
Esta “crise” não
tem a ver com “produtos tóxicos”, com despesismos de Estado e outras
barbaridades que para aí se dizem. Isso só acelerou a chegada a esta situação,
que é o resultado necessário, fatal, previsível e previsto de uma sociedade
organizada na base do Egoísmo.
Nós agimos sempre
em função do nosso interesse, estamos programados para isso; porém, podemos
considerar o nosso interesse imediato, de curto prazo, ou o interesse de médio
ou longo prazo. Acontece que o nosso interesse a médio ou longo prazo implica
agirmos no interesse dos outros a curto prazo. A análise desta questão é
antiga, é estudada sob muitas formas; uma bem conhecida é o “dilema do
prisioneiro”. Mas podemos perceber que assim seja, porque ao agirmos em favor
da sociedade, ao sermos úteis a ela, passamos a ter valor para ela. Assim, agir
em favor do nosso interesse a médio ou longo prazo é agir em favor dos outros a
curto prazo; a isto chama-se “altruísmo”. Agir em favor do nosso interesse a
curto prazo é “egoísmo”.
O “altruísmo” é a
solução “subtil” para conseguirmos o melhor para nós, enquanto o “egoísmo” é a
solução “simplória”, logo errada. É como o jogador de xadrez que só analisa uma
jogada ou o que perspectiva duas ou três... qual é que ganha o jogo?
O egoísmo é
vantajoso no curto prazo, mas leva ao desastre no longo prazo. O altruísmo é
vantajoso a prazo mas tem uma fragilidade: é preciso que todos sejam
altruístas. Ora a vantagem de curto prazo que se obtém pelo Egoísmo é um aliciante
poderoso e isso torna muito difícil conseguir uma sociedade em que todas as pessoas
ajam de modo altruísta, que é o modo que melhor beneficia a sociedade e cada um.
A nossa sociedade
ocidental está estabelecida na lógica do Egoísmo. Querem ver como é fácil
perceber como evolui uma democracia sob a lógica do Egoísmo?
Gerir uma
democracia é satisfazer a maioria dos votantes; os votantes são cerca de 2/3 das
pessoas. Então, se se “descartar” 1/3 da população, maximiza-se o benefício da
restante população e isto assegura o poder democrático porque sendo 1/3 da
população metade dos votantes, ela é o máximo que se pode “descartar” sem pôr
em risco a vitória eleitoral, assegurada pela satisfação dos restantes 2/3
conseguida à custa do 1/3 descartado.
“Descartar”
significa reduzir os rendimentos e direitos ao mínimo, em benefício dos outros.
Certamente que já ouviram falar nesta coisa de 1/3 serem descartáveis; aqui
está a razão: enriquece-se uns em detrimento de outros porque é quem serve este
objectivo que ganha eleições.
A estabilidade da
classe média resulta do bem-estar que esta sente por se sentir acima do 1/3 de
descartáveis, da qualidade de vida que obtém dessa mão-de-obra quase escrava,
da qualidade de vida que o desenvolvimento tecnológico proporciona e da ilusão
de que qualquer um dentro da classe pode tornar-se rico. É uma ilusão
grosseira, é muito mais provável ganhar o euromilhões do que entrar para o
clube dos ricos. Ou seja, a classe média fica estável mesmo sem aumentar o seu
rendimento, deixando para os ricos o acréscimo de riqueza resultante do
crescimento do PIB.
Portanto, numa
democracia “egoísta” que parte do zero, todos iguais, há uma primeira fase em
que há equilíbrio e essa é uma fase de crescimento; mas como os mais ricos,
mesmo que por pouco, têm mais poder e mais capacidade de enriquecer, o
crescimento da desigualdade é acelerado, gerando-se então o tal 1/3 de
descartáveis, que é onde a classe média vai buscar o seu enriquecimento. O
crescimento do PIB é quase integralmente absorvido pelos ricos que, por o
serem, têm mais capacidade de enriquecimento.
Ou seja, a
sociedade estrutura-se naturalmente numa classe média de rendimentos
tendencialmente constantes de geração para geração, numa classe de descartáveis
com 1/3 da população e numa classe de rendimentos crescentes, ao contrário
dessas duas – a classe dos ricos.
O crescimento
acelerado da riqueza dos ricos acaba por ultrapassar o aumento de PIB (o qual
decresce com o crescimento da desigualdade); a partir deste ponto, o resto da
sociedade tem de empobrecer para os ricos manterem o seu enriquecimento. Vou
designar este ponto por “ponto de empobrecimento”. (já mostrei isto com
“continhas” neste post de há 5 anos)
Numa democracia,
este seria um ponto de inversão porque se o número de descartados ultrapassar
significativamente 1/3 ou se a classe média empobrecer, as eleições serão
ganhas por quem prometer que vai mudar o sistema económico. Como aconteceu
agora em Itália.
Além disso, a
economia depende do consumo; o empobrecimento da maioria da população leva à
diminuição do consumo e este à recessão. A recessão não impede os ricos de
continuarem a enriquecer a curto prazo, e isso é quanto basta numa sociedade
egoísta; o que trava os ricos é a consciência de que este empobrecimento pode
levar a uma mudança do poder político.
Porque é bem
sabido que é assim, as contra-medidas também foram desenvolvidas; uma delas,
essencial, é a redistribuição de riqueza através dos impostos; ora acontece que
os ricos encontraram maneira de deixarem de ser colectados. Os ricos não pagam
impostos, o seu dinheiro circula pelos offshores. Além de isto representar uma vantagem competitiva importante em
relação a potenciais emergentes, a base tributária do Estado sofreu um corte de
cerca de metade do PIB, que é o dinheiro dos ricos; e que cresce à medida que os ricos enriquecem. Sem
contra-medidas, a partir do ponto de empobrecimento, devido à recessão e ao
aumento da riqueza subtraída ao fisco pelos ricos, a base tributária diminuirá mais de 5%
ao ano. No primeiro ano, cortes na despesa e aumento de impostos podem
compensar mas depois isso torna-se impossível, o deficit da despesa pública
fica incontrolável. É por saber isso que o PM decidiu ser mais troikista do que
a troika: tentou equilibrar as contas públicas logo no primeiro ano, antes que
o descalabro começasse, para adquirir algum poder negocial. Não o fez por ser
ignorante, fê-lo por saber bem o quadro em que nos encontramos.
Nos EUA, o ponto
de empobrecimento foi atingido no fim do séc. XX. É por isso que o Obama disse
claramente que “é preciso redistribuir a riqueza”. E é por isso que taxou os ricos
(ligeiramente).
Na Europa do Euro
acontece uma novidade: a Europa é comandada por quem comanda a Alemanha! Então,
basta ganhar eleições na Alemanha para manter o poder político na Europa. Ou
seja, os descartáveis podem ser toda a gente menos a classe média alemã!
Fantástico!
Os ricos baseados
na Europa e nos EUA podem continuar a enriquecer à custa das classes médias
europeias.
Portanto, o que
está em curso é o empobrecimento de toda a gente menos a classe média alemã. O
Passos Coelho foi muito claro: é preciso empobrecer os portugueses. E é isso
que está a ser feito, e não há erro nem desvio nos cálculos da troika. Os
valores que apontam para crescimentos de PIB, retoma, etc, servem apenas para
ir levando as pessoas na ilusão; o único valor que lhes interessa é quanto é
que os portugueses empobreceram.
A classe média
portuguesa passou a fazer parte dos “descartáveis” europeus. Vai ser reduzida
às mesmas condições que têm os descartáveis à escala nacional. O ordenado
mínimo vai ser o seu futuro ordenado (por vontade dos alemães, ou da troika, o
ordenado mínimo seria extinto); a pensão de sobrevivência a sua futura pensão;
o desemprego a sua situação mais provável a partir dos 45 anos. Passou a ser
“descartável”. Os alemães andam por aí a pescar uns engenheiros como quem
vasculha o lixo. O que sobrar vai ser lixo puro. É por isso que o nosso PM bem
aconselhou: emigrem! E também disse: “que se lixem as eleições”; é que se este
processo continuar, quando chegar a altura das eleições teremos é o país governado
directamente por uma qualquer troika; o objetivo do PM é que consigamos chegar
até às eleições, isso já seria uma vitória; por isso, alguém estar preocupado
em ganhar umas eleições que corremos o risco de nem sequer existirem é estar a
leste da situação. As pessoas parece terem cortinas nos olhos e tampões nos
ouvidos, nem ouviram o Draghi dizer “ Muitos governos ainda não perceberam que
perderam a sua soberania nacional há muito tempo”. Ou seja, quem manda é ele e
a Merkel, e é por isso que os nossos governantes lhe curvam a cerviz e beijam a
mão.
Quando o PM fala
verdade, as pessoas insultam-no; então ele diz o que as pessoas querem ouvir;
aí chamam-lhe mentiroso. Não está na mão dele alterar o destino traçado para
nós – a Europa do Euro é toda ela uma sociedade do egoísmo, onde os ricos
tomaram conta do poder através do BCE. Ele, não sendo um revolucionário, pouco
pode fazer, a não ser caldeirar as privatizações e chatear os ricos através do
MP. Porém, ao contrário de muitos comentadores, e do que se diz dele, o PM compreende muito bem a situação.
Vêem como é fácil
perceber estas coisas?
A classe média
está muito habituada a que tudo seja gerido em função dos seus interesses
imediatos; é por isso que há tanta pobreza, tantos descartáveis. Os 40% de
abandono escolar nunca incomodaram a classe média, pelo contrário. Para a
classe média, medidas para combater a desigualdade sempre foram encaradas como
“irem-lhe ao bolso”. As pessoas com contratos de trabalho cheios de direitos
sempre se estiveram nas tintas para o facto de as leis laborais implicarem que
quem não tenha contrato fique condenado a ser precário toda a vida. Os ativos
agora acham que estão a sustentar os reformados e estão disponíveis para
destruir o sistema da segurança social porque no momento isso lhes parece
vantajoso para eles. A SS não tem lugar numa sociedade Egoísta. Os ricos não
são pessoas diferentes das da classe média; trataram de agarrar o poder,
tiraram o Banco Central da dependência do poder político, controlado pela
classe média, e agora gerem em função dos seus interesses.
Poder-se-ia
pensar; ah, então há que mudar este estado de coisas, retirar o poder económico
aos ricos, devolvê-lo à classe média! Isso pode ser feito mas:
Com o poder nas
mãos, a classe média faz aquilo que os ricos estão a fazer: procura sugar para
si toda a riqueza. Penaliza a iniciativa, estagna a sociedade, explora os
“descartados”. Além disso, para inverter as coisas precisaria do apoio dos
“descartados”; só que para estes tanto lhes faz o poder ser da classe média ou
dos ricos – até preferem que seja dos ricos, que são dados à caridade...
O problema não
está na economia, nem está em quem a comanda; está no facto da sociedade ser
gerida pelo Egoísmo, que é a solução simplória para a busca do interesse individual.
Portanto, estar a
discutir economia é muito importante para a classe média perceber como pode
readquirir o poder mas não resolve o problema de fundo; é a base ideológica da
sociedade que interessa discutir. Sociedades construídas na base do Egoísmo vão
de crise em crise.
Isto é sabido há
muito, há milénios. Vamos enquadrar esta questão e perceber porque é que é a
teoria da evolução das espécies é a pedra angular da situação atual.
(conclui no próximo)
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quinta-feira, março 07, 2013
A Importância da "Caixa Negra"
(continuado)
(aqui se fala do
que é o Bem e o Mal, do nível 2 de Inteligência e da importância de aprender
com os erros)
Caixa negra do avião que caiu ao largo do Brasil; a sua recuperação era essencial para análise do erro, que é essencial ao processo de Inteligência que promove a Evolução em tecnologia.
- Ena, que
ambicioso... terminar o reinado de ideias que minam a sociedade... substituir
pelas ideias que geram a evolução... livra!!!
- Na verdade, não
estou a inventar nada, como verás; mas é interessante o que tenho para dizer
porque cheguei à conclusão de que aquilo que definimos como o “Bem” será afinal
essencial ao processo evolutivo e é exatamente por isso que é o “Bem”. A
Evolução é o comportamento dominante do Universo, o Universo tem pressa de
evoluir, e tudo o que se lhe opõe surge como um Mal e tudo o que a favorece
como um Bem.
O Hans deu um
solavanco na cadeira. Entre o espanto e a descrença exclamou: - O “Bem” é
aquilo que serve a Evolução? É essa a razão de classificarmos uma acção como
boa ou má? Encontraste uma razão objetiva para o Bem e para o Mal? Tens de me
explicar isso muito devagarinho... – concluiu, com ar cético.
-Já vais
perceber. Como estarás de acordo, Evolução exige Inteligência e entender a
Evolução implica entender os processos de Inteligência; este é o busílis de
toda a questão, encontrar um processo de Inteligência natural que seja capaz de
gerar a Evolução até ao Humano e mais além.
- “Encontrar um
processo de Inteligência natural que seja capaz de gerar a Evolução...”
interessante maneira de colocar a questão da Evolução... embora ainda me faça
alguma confusão o teu conceito de Inteligência como um processo natural...
- Pois... é um
passo que tens de dar... essencial! Vê os meus posts mais antigos sobre "Inteligência", talvez ajude.
- Ok ok, mas
continua; que processo de Inteligência natural é esse?
- Já conheces o processo H+S, que eu chamaria
um processo de nível 1; já mostrei que esse processo só funciona em situações
especiais, que é o melhor processo para gerar a Vida mas que qualquer análise
racional conclui fatalmente que não pode explicar a evolução dos animais,
pensar que sim é uma mera crença. Nota que isso não questiona a evolução da
Vida; significa que o processo de Inteligência responsável por ela é mais
sofisticado que o H+S, apenas isso. Precisamos de descobrir esse processo.
- Bem, até posso
concordar contigo; se existir um processo natural mais sofisticado, será ele o
responsável pela evolução... mas que processo é esse?
- Olha, nem
precisamos de procurar longe, está mesmo atrás do nosso nariz...
- Atrás do... na
cabeça?
- Isso mesmo. É o processo utilizado pelo
cérebro quando queremos resolver um problema novo. Evidentemente que não o
fazemos gerando hipóteses ao acaso até encontrarmos uma que o resolve, não é?
- Sim, nunca mais
lá chegávamos... a não ser em casos especiais... usamos a lógica, mas não estou
a ver que isso possa ser um processo usado na Evolução.
- Não é bem assim. Ou melhor, não é nada
assim, a lógica, a dedução, são coisas que usamos à posteriori para organizar o
conhecimento mas não são o processo de descoberta. A descoberta faz-se através
daquilo que muitos chamam Intuição. O Poincaré explicou bem isso, e a
generalidade dos “descobridores” referiu que as suas descobertas vinham da
Intuição e não da Dedução.
-Intuição? Sexto
sentido? Isso é um processo de Inteligência?
- Funciona assim:
primeiro, nas profundezas do nosso cérebro, a nível do inconsciente, é gerada
uma hipótese de solução, por um processo H+S. A Geração da hipóteses é feita
por um processo parcialmente aleatório e parcialmente associativo. A Seleção da
hipótese a este nível inconsciente é feita pela sua compatibilidade com uma
série de conhecimentos que o nosso inconsciente admite como verdadeiros. Uma
vez selecionada, neste nível inconsciente, a hipótese é colocada no consciente.
Dizemos então que tivemos uma Ideia; atribuímos essa ideia a uma “inspiração”,
ou à intuição.
- Bem, é uma
teoria sobre a geração de ideias... há outras, há quem diga que são inspiração
divina, ou que vêm de um repositório de ideias... mas a tua parece-me melhor –
o Hans sublinhou com uma risada curta – e explica o facto de elas surgirem como
por magia, vêm simplesmente de um nível inconsciente.
- Não penses que
esta é a única origem das nossas ideias... – deixei um arzinho de mistério -
... mas é a que usa o processo de Inteligência que nos interessa. Bem,
continuando, a seguir a termos uma ideia vamos testá-la, de forma consciente,
ver se ela “funciona”. Se sim, problema resolvido. Porém, em problemas novos,
raramente é o caso. O resultado do teste fica a ser um novo conhecimento nosso
e um novo processo H+S é realizado então pelo inconsciente e uma nova ideia é
presente ao consciente. E assim sucessivamente até alcançarmos a solução do
problema. Há aqui uma sequência de dois processos: o H+S, que gera uma Ideia, é
realizado pelo inconsciente; a experimentação da Ideia e análise do resultado,
pelo consciente.
- Bem, isso será
um método... mas não estou a ver que na generalidade dos casos seja assim...
- Isso é porque
raramente temos de resolver problemas novos, apenas aplicamos aos problemas
soluções já conhecidas. O nosso cérebro funciona quase sempre no modo “motor de
busca”: a cada problema vai à memória buscar a solução que lá está. Dependemos
da Aprendizagem. Mas como resolvemos assim problemas, temos uma ilusão de
Inteligência; só quando enfrentamos um problema cuja solução não está em
memória e não temos onde a ir buscar, temos mesmo de a construir, aí é que
temos de recorrer a um processo de Inteligência; e esse processo é o que acabo
de te descrever.
- Então e o
conhecimento científico? O Einstein, o Newton, apresentaram um trabalho baseado
na dedução… o Newton até disse que não fazia hipóteses…
- Claro. A
dedução é o cimento do nosso conhecimento. Só que é feita à posteriori. O
Newton, ou o Einstein, primeiro tiveram a Ideia, aliás, muitas ideias, uma
sequência até chegarem à ideia certa, e depois realizaram um trabalho dedutivo
para construir a teoria suportada por essa Ideia. Não vou agora alongar-me
sobre o assunto, escrevi um texto sobre ele, depois lês quando for publicado. –
ri-me, naturalmente, o projecto da coletânea a que o meu texto pertence ainda
está um bocado verde. Sério, o Hans respondeu simplesmente:
-OK OK, por agora
aceito que seja assim; em resumo, tu consideras que o processo de inteligência
responsável pela Evolução é um processo H+S+Experimentação, é isso?
- Bem, é mais ou
menos; esse é o processo que chamo de 2º nível, ainda há o de 3º nível, mas lá
iremos. Para já, repara num aspecto importante do processo de nível 2: o
resultado da experimentação da Ideia é fundamental para a geração da segunda
Ideia. Para a primeira Ideia, o Inconsciente gera hipóteses algo às cegas, vai
buscar relações de semelhança, ou oposição, ou outras, com as características
do problema; para a segunda Ideia, ele já vai fazer uma procura em zonas de
conhecimento mais definidas, graças à análise do teste da primeira. É
esta realimentação que pode permitir encontrar a solução de problemas no caso geral. Ela é essencial ao processo, se faltar ficamos
reduzidos ao processo H+S, apenas complementamos a seleção inconsciente com
outra consciente mas não passamos de um processo de nível 1. Eu chamo a este
processo de 2º nível H+S+Reação porque o que é verdadeiramente relevante para
ele é o resultado da experimentação, a análise do erro.
- Estou a compreender; no fundo, é o que
chamamos “aprender com os erros”; quem não aprende com os erros nunca acerta... tem
apenas inteligência de nível 1... e é mesmo assim que fazemos na inovação
tecnológica, as experiências falhadas são objecto de cuidada análise porque é
ela que vai definir o caminho a seguir... O cerne da investigação em tecnologia
é a análise do que corre mal... Olha, vê o que gastaram para recuperar as
caixas negras do avião que caiu ao largo do Brasil, uma operação que parecia
impossível...
- Bom exemplo! Claro, isso mostra bem a
importância crucial de analisar as causas do erro, não se pouparam a esforços nem
a custos para recuperar as ditas caixas. A evolução tecnológica assenta em duas
coisas: a análise exaustiva dos erros e a capacidade de gerar hipóteses livres
de presunções.
- Sim, sem dúvida que é esse processo o
responsável pela evolução tecnológica, que é a mais relevante evolução da humanidade nos último milénios, mas tem por detrás a inteligência
humana; como é que passas daí para a Evolução da Vida sem meteres uma
inteligência exterior, um Criador?
(continua)
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sexta-feira, março 01, 2013
A Evolução é por camadas e implica Inteligência

A Evolução, como um arcoíris, estrutura-se em camadas
Portanto –
comecei, fazendo um ponto da situação – já deu para perceber que a evolução dos
seres vivos não é muito diferente da evolução das coisas feitas pelo Humano,
nomeadamente dos computadores. Esta resulta da evolução da tecnologia, dos
componentes e dos programas de baixo e alto nível. Cada uma destas 4 evoluções
é independente. Ou seja, as pessoas que trabalham a desenvolver a tecnologia atual,
ou que buscam novas tecnologias, como a orgânica, a quântica, a luminosa, nada
sabem dos sistemas operativos; as pessoas que se ocupam do fabrico dos
microprocessadores e memórias só estão preocupadas em conseguir dispositivos
que realizem o máximo de instruções por segundo (IPS), que minimizem o consumo
de energia, o custo de fabrico; também nada sabem dos programas que hão de
utilizar essas capacidades; mesmo as pessoas que desenvolvem os sistemas
operativos também nada ou quase nada precisam de saber dos programas de
aplicação que sobre eles vão funcionar. É uma evolução por camadas, onde cada
camada depende das capacidades da anterior mas ignora a camada seguinte.
- Estou a
perceber a tua analogia; parece que tens alguma razão, a tecnologia orgânica
que suporta a célula teve que evoluir, necessariamente, não surgiu do nada...
não sei é se ainda evolui, ou quando deixou de evoluir. Da mesma forma, até se
chegar à nossa célula teve de haver um longo processo evolutivo, e sabemos que
este acompanhou a evolução das formas de vida, pois as nossas células são mais
complexas e sofisticadas do que as das bactérias, das plantas e certamente dos
animais inferiores; tu pensas que as nossas células serão mesmo mais evoluídas
que as do chimpanzé, e isso é que eu já não sei se estou de acordo contigo. –
Aqui o Hans fez uma pausa, à espera de uma reação minha, bebeu lentamente um gole de cerveja, observando-me, mas eu mantive-me impávido, forçando-o continuar o seu raciocínio:
– Depois, tu consideras que o programa que define o ser vivo, codificado no DNA, evoluiu aproveitando cada nova capacidade celular; provavelmente, atendendo à analogia que fizeste com os programas de baixo e alto nível nos computadores, suspeito que pensarás que também existe uma programação intrínseca às células, uma espécie de sistema operativo, que determina as operações a realizar pela célula para construir uma proteína a partir do código genético, bem como todas as imensas operações que as células realizam independentemente do organismo a que pertencem; o DNA corresponderá ao programa de alto nível, o programa que define o ser. – Esperto o Hans, percebeu bem o meu pensamento. Confirmei o seu raciocínio:
– Depois, tu consideras que o programa que define o ser vivo, codificado no DNA, evoluiu aproveitando cada nova capacidade celular; provavelmente, atendendo à analogia que fizeste com os programas de baixo e alto nível nos computadores, suspeito que pensarás que também existe uma programação intrínseca às células, uma espécie de sistema operativo, que determina as operações a realizar pela célula para construir uma proteína a partir do código genético, bem como todas as imensas operações que as células realizam independentemente do organismo a que pertencem; o DNA corresponderá ao programa de alto nível, o programa que define o ser. – Esperto o Hans, percebeu bem o meu pensamento. Confirmei o seu raciocínio:
-Acertaste no
essencial. – exprimi um sorriso de aprovação - Isso define uma base para
começarmos agora a analisar como se faz a evolução.
- Pois é, pois é,
- ar malandro aflorou na face do Hans – só há uma pequena grande dificuldade
nesse teu raciocínio que parece tão acertadinho..
- Qual?
- Tu
estabeleceste uma analogia com a evolução dos computadores; mas esta acontece
devido à acção de uma Inteligência exterior, a Humana; ora, sendo assim, a tua
analogia aponta para a existência de uma Inteligência exterior, um Deus; e,
sendo assim, então já não estás a falar de Evolução mas de Criação. – o Hans terminou definitivo; para ele, este
argumento arrumaria todo o meu raciocínio.
- Há um erro no
teu raciocínio, mais uma das presunções que tanto inquinam o nosso pensamento.
– foi a vez do Hans ficar desorientado – Erro? Onde?
- Claro que
Evolução implica Inteligência, seja evolução dos produtos que fazemos ou da vida;
é mesmo por isso que há tantas semelhanças entre a evolução dos computadores e
a da vida, ambas são o resultado de processos Inteligentes; o teu erro é
presumir que a Inteligência que produz a evolução da vida tem de ser exterior a
ela. Estás a presumir que Inteligência é algo que só a nós ou a um Deus
pertence; ora a Inteligência necessária à evolução da vida é intrínseca,
interior, ao sistema vivo, não precisa de ser exterior. Esse é o busílis de
toda esta questão, compreender o processo Inteligente intrínseco à Vida que
gera a Evolução. O grande mérito do Darwin foi ter proposto um tal processo, o
processo de geração de hipóteses e seleção, que é o processo mais básico de
Inteligência. Ao fazer isso, ele criou uma alternativa à Inteligência Divina. É
essa a sua grande, genial, contribuição.
- Ok ok, já me
estou a lembrar do que disseste sobre os processos de Inteligência, de como um
processo H+S é capaz de resolver problemas... – O Hans calou-se por momentos,
pensava em qualquer coisa – Mas.... não começaste esta conversa por dizer que o
Darwin estava errado, como o Ptolomeu, que a Seleção Natural nunca poderia
explicar a evolução dos animais superiores?
- O processo que
o Darwin propôs, o processo H+S, é o processo mais básico de Inteligência; só
funciona em situações muito especiais, quando a probabilidade de gerar e testar
a hipótese certa em tempo útil é aceitável. Serviu para encontrar as primeiras
sequências orgânicas auto-reprodutíveis, depois para obter destas outras mais
complexas e, naturalmente, para se chegar a sistemas com processos de
inteligência mais sofisticados, que foram gerando processos ainda mais
sofisticados até se chegar ao nosso cérebro. A nossa Inteligência não surge do
nada nem da inspiração divina, não é verdade?
- Bem, eu penso
que não é uma inspiração divina... – o meu sorriso enigmático instava o Hans a
prosseguir o raciocínio - ah, estou a perceber-te, se não é de origem divina
mas natural, então teve de iniciar-se num processo H+S; porém, ela é muito mais
sofisticada que um tal processo, portanto é a prova que um processo H+S é capaz
de gerar um processo mais sofisticado de Inteligência, a nossa; e como isto já
é verdade para formas de Inteligência menos desenvolvidas que a nossa, então há
um contínuo de processos de inteligência mais sofisticados que o H+S, o qual só
terá servido para o primeiro passo, para o arranque do processo...
- Ora vês? Desde
que não se presuma que a nossa Inteligência tem origem divina, somos
necessariamente levados à conclusão que o processo H+S, o proposto pelo Darwin,
apenas pode ter servido para o arranque do processo evolutivo da vida, sendo
esta o resultado de processos sucessivamente mais inteligentes. Estes processos
já não funcionam no esquema H+S, portanto a evolução das espécies não resulta
da forma elementar de inteligência proposta por Darwin, não depende de uma
geração mais ou menos aleatória de hipóteses nem de uma seleção natural.
- Bem, estás a
adiantar-te nas tuas conclusões... o facto de depender de um processo mais
sofisticado que o H+S, o que eu aceito, não significa que não dependa de uma
Seleção Natural! Era preciso que soubéssemos como são esses processos
sofisticados para saber se dependem ou não de uma seleção natural!
- Tens toda a
razão; é precisamente por saber que processos serão esses que eu faço essa
afirmação.
O Hans pousou
bruscamente o copo que ia levar à boca e, esbugalhando os olhos, disse: - Ah,
mas isso surpreende-me muito! Nunca me falaste noutros processos de
Inteligência além do H+S... isso interessa-me muito!
(continua)
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