sábado, dezembro 24, 2011

Uma batalha ganha



Naturalmente que temos enorme dificuldade em aceitar desígnios maquiavélicos; a generalidade de nós preza a sua condição humana e o lado afectivo que lhe está associado. A generalidade de nós desconhece que as pessoas com sede ilimitada de poder ou de dinheiro não têm condição humana nem lado afectivo – uns nasceram sem ele, outros tiraram cursos para se verem livres dele – é que há cursos para isso, para matarem todo o “coração “ que uma pessoa possa ter, entendido como um obstáculo ao sucesso. Um gestor aprende a visar unicamente o lucro na nossa sociedade ultra-liberal e capitalista. Para um gestor, uma pessoa é uma “coisa”.

Notem que isto é apenas uma corrente de pensamento, uma escola. Há outras. Por exemplo, uma pessoa com religião não pode ter cargos políticos na China – a religião é aí ostracizada, tal como os sentimentos são ostracizados na teoria liberal do ocidente. Os gestores chineses não têm religião; os gestores dos países liberais ocidentais não têm coração. Compreende-se a opção chinesa, pois quando há mais de uma religião geram-se conflitos graves, como se verá no Iraque; a opção ocidental, a da coisificação do ser humano, é que não é aceitável porque de modo algum vai conduzir a uma sociedade melhor para todos; mas como conduz a uma sociedade melhor para alguns, andam muitos a defendê-la na ilusão de poderem pertencer ao grupo de privilegiados.

Notem também que não tem de ser assim – há escolas de gestão nos países nórdicos e na Holanda, pelo menos, que recusam a exploração do homem pelo homem como ponto de partida, que recusam a equação tão querida dos nossos gestores: «humano = objecto perecível». Dos nossos gestores e de muitos de nós....


Então que pretendem estes gestores sem coração e visando unicamente o lucro, do nosso pequenino país? Pretendem escravos. Maximizar o lucro passa por minimizar o custo da mão-de-obra; Portugal tem condições ideais para isso: clima ameno, que minimiza os custos de sobrevivência, e uma população iletrada, que nada sabe de economia e vive pelo coração. E tem mais uma característica adiante apresentada.

Um país de escravos é um país pobre – os pobres nem pagam impostos sobre o rendimento nem fazem compras geradores de IVA nem têm bens passivos de impostos como o IMI; logo, o Estado é parco em receitas. As empresas já não pagam impostos porque os lucros vão para fora – o ser humano foi «coisificado» e o capital «deusificado».  Um Estado sem dinheiro não pode pagar subsídios de desemprego nem reformas nem saúde – a saúde é das coisas importantes a condicionar pois só serve para prolongar a vida do escravo para além da sua idade útil. Interessa oficinas de manutenção de carros velhos? Não, os carros velhos são para abater. Então como se resolve o problema daqueles que não servem para escravos?

Há uma solução simples: emigrarem. Para África ou Brasil. A possibilidade de os excedentários emigrarem é a outra coisa que torna Portugal tão apetecível para os esclavagistas modernos.

A escravização e a emigração são dois objectivos associados. As medidas para promover a escravização – redução de ordenados e aumento do tempo de trabalho (aumento do horário, corte dos feriados e redução das férias) – serão acompanhadas de medidas incentivadoras da emigração. Estes são os dois grandes objectivos do processo revolucionário em curso. Que surgirá de uma forma “natural”, seguindo a chamada lógica da batata: pois se aqui não há empregos, naturalmente que o melhor que as pessoas têm a fazer é emigrar, não é? E como o mercado interno vai cair, o melhor que as empresas que trabalham para o mercado interno têm a fazer é virar-se para o estrangeiro, não é? E, sendo assim, nada mais natural que as empresas nacionais emigrarem para os seus mercados alvo, pois não faz sentido nenhum continuarem cá, até porque cá nem conseguem crédito nem sequer as garantias bancárias dos bancos nacionais são aceites no estrangeiro. E assim, logicamente, no país só ficarão os escravos a trabalhar nas empresas estrangeiras, uns quantos funcionários públicos e os reformados que forem sobrevivendo graças ao dinheiro que os filhos emigrados vão mandando. E os novos senhores, é claro.

E isto tudo irá acontecendo sem grandes resistências porque as pessoas irão sendo afectadas de baixo para cima. Os comentadores da televisão continuarão a dizer que não se pode tratar o capital como o trabalho porque senão o capital vai-se embora – isto porque pensam que a situação não lhes baterá à porta enquanto o capital mandar nisto.

É como caçar patos – começa-se pelos detrás que os da frente não dão por nada.

Numa era de abundância como a que vivemos, é inaceitável este objectivo de escravização das pessoas. Mas esta jogada dos europeus mais poderosos corre o risco de lhes sair furada. As regras que laboriosamente estabeleceram para servir os seus interesses vão agora servir os interesses de quem é mais forte do que eles. Vão ser vítimas do seu próprio jogo.

...quem ri por último...

(o nosso futuro seria negro se a EDP tem ido para os alemães, como estava mais do que “cozinhado”... mas houve gente muito inteligente que foi capaz de nos dar um outro futuro... vamos ver o que vem aí, este Futuro ainda não está escrito. Notem que isto foi uma batalha ganha por nós, a imensa pressa de “privatizar” as empresas publicas era apenas para não dar tempo a que os “de fora da Europa” entrassem no jogo.)

8 comentários:

Diogo disse...

Caro Alf, raciocínio interessante mas que se mostrará errado.

A evolução tecnológica está a evoluir a nível exponencial. Esta evolução tecnológica ficar criar um desemprego sempre crescente (em todos os processos de produção). Sem empregos não há salários. Sem salários não há vendas. Sem vendas não há lucros. Sem lucros não existe propriedade privada dos meios de produção.

E isto vai acontecer em todo o lado, a começar pelos países mais «ricos».

alf disse...

Diogo

Talvez seja antes assim: a evolução tecnológica cria uma produção que precisa cada vez de menos operários. Não há diminuição de riqueza, há apenas diminuição de postos de trabalho para operários, camponeses e pesacadores. Mas há um imenso aumento de outros postos de trabalho. Não há diminuição de riqueza nem de vendas.

os únicos em crise são as pessoas de baixas qualificações, porque os lugares para elas são cada vez menos; e então serão muitos à procura de trabalho e a aceitar condições miseráveis.

Baixas qualificações não é apenas não tirar o liceu - é também ser licenciado em áreas que não qualificam para a geração de riqueza, ou nos inúmeros cursos da treta que existem para aí a vender canudos.

Portugal, com o ensino mais caro e o pior da europa, ao que oiço dizer, com 36% de excluídos do ensino secundário, gera uma população incompatível com o actual estado de desenvolvimento tecnológico, que só carece de menos de 10% das pessoas com baixas qualificações.

Aqui começam os nossos problemas: milhões de pessoas que nada sabem fazer, ao nível do que é saber fazer hoje em dia. Não aqui nenhuma perspectiva de futuro digno enquanto o problema do ensino não for resolvido; e este não é resolvido enquanto o problema da pobreza não o for; e esta equação é muito dificil de resolver.

UFO disse...

http://m.youtube.com/#/watch?v=hXlnh9v3SKQ
A dívida pública explicada em 10 minutos (versão francesa).
Vídeo muito elucidativo.

O livro 'Suite 605' deve ser interessante de ler, bem como o livro, e ideias, que pode encontrar no site 100editora.net

Boas festas para todos, e muito especialmente para o alf e o ant

Peter disse...

Excelente texto com o qual concordo inteiramente. Destaco:
"o nosso futuro seria negro se a EDP tem ido para os alemães, como estava mais do que “cozinhado”... mas houve gente muito inteligente que foi capaz de nos dar um outro futuro... vamos ver o que vem aí, este Futuro ainda não está escrito."

alf disse...

UFO

parece haver um problema qualquer com o link que deixaste; podes verificar?

Boas festas para ti e um ano novo recheado de bons momentos

alf disse...

Peter

Obrigado. Vamos a ver o que vem aí... eu sou um eterno optimista...

UFO disse...

http://m.youtube.com/#/watch?v=ZE8xBzcLYRs
Se nao funcionar pesquisar então no youtube 'comprendre la dette public quelques minutes'
Nota: o 'm.' no link é porque estou a usar o telemóvel'
O texto dos últimos posts continyam com formatação estranha quer visto no telemóvel quer através do google reader.
Um bom ano.

alf disse...

UFO


http://www.youtube.com/watch?v=ZE8xBzcLYRs

suponho que seja ao que te referes, mas há um outro com o mesmo nome e um pouco mais detalhado; qualquer deles é fundamental para perceber isto.

Aqui se fica a saber que o problema reside no art. 123 de Tratado de Lisboa, que já vem do tratado de Maastricht e que já vem de uma lei francesa de 1973, creio.

Portanto, a Merkel tem razão; vira-se tudo para ela mas não está na mão dela resolver o problema, pois que o capital tornou-se autónomo do poder político; há é que corrigir esta situação.