sexta-feira, março 07, 2008

O princípio do Princípio da Relatividade



Do Einstein queres tu dizer, o Princípio da Relatividade é do Einstein, isso eu ainda sei ah ah!” A satisfação de Luísa é tanta que até me custa desiludi-la:

“O Einstein tornou-o famoso, alargou o seu âmbito de aplicação, mas a ideia nasce com Galileu.”

Bem, lá estás tu a trocares-nos as voltas! Ah ah ... “,
a Luísa está imparável, “sempre quero ver o que vai sair daí.”

“Repara: o Galileu sustentava que a Terra se movia, não é verdade? O que é que os seus opositores diriam?”

Ora, que é evidente, incontornavelmente evidente, que a Terra não se move, penso eu...”,
a Luísa agora séria, puxa pela memória, “ acho que até já li um poema... era qualquer coisa a gozar com a ideia de que a Terra podia estar a mover-se mais depressa que uma bala...

“Claro, qualquer pessoa de bom senso «percebe» que a Terra não se move! Se ninguém nos tivesse ensinado em pequeninos que a Terra se move, não acreditaríamos em tal disparate! Não se está mesmo a ver que este chão que pisamos está solidamente parado, não há a mais pequena vibração, nenhum objecto estremece ou escorrega, não há nada, nada, que possa suportar a mínima suspeita de que a Terra se move? O Galileu teria de ser um doido para pensar outra coisa, não é?”

Acho que concordo contigo!”,
a Luísa solta nova gargalhada, a alegria é perfume do ar que ela respira.

“E como podia o esperto Galileu contestar estes argumentos?”

Sei lá! Isso pode contestar-se? Não é evidente que não se move?”
Mais uma risada, parece-me que agora para chamar a atenção do Mário, algo distante, que reage com um sorriso um pouco forçado.

“Bem, o Galileu foi analisar o que acontece num sistema em movimento. Num barco, por exemplo. Será que uma pessoa fechada na cabina de um barco é capaz de determinar se o barco se move ou está ancorado? Que experiência é que tu farias, Luísa, para o descobrires?”

Euuu?”,
consegui surpreender a Luísa, dá-me uma certa sensação de controlo, “espera aí, deixa-me pensar... hummm, já sei! Teria de fumar um cigarro e observar o movimento do fumo... se o fumo subir na vertical o barco está parado... assim fumar passava a ser uma experiência científica e já podia fumar num espaço fechado! Risada desbragada. Pufff, lá se foi a minha ilusão de controlo...

“O Galileu tem um texto onde refere isso”,
respondo como se a resposta dela fosse para levar a sério, “e também refere outras experiências, como levar moscas ou borboletas e observar o seu voo, e conclui que não é possível saber se o barco se move a uma velocidade constante ou se está ancorado; qualquer que seja a velocidade uniforme de deslocamento, tudo se passa como se o sistema estivesse em repouso absoluto.”

Recordo-me que na primeira vez que andei de avião fiquei surpreendida por a sensação ser a mesma de andar de comboio, embora a velocidade fosse umas dez vezes maior.
Um prazer ouvir a voz suave da Ana; não entendo porque mexe tanto comigo esta misteriosa Ana... talvez seja por isso mesmo, há algo de secreto nela...

Não foi só o Galileu, outros fizeram experiências de queda de corpos do alto dos mastros de um barco em movimento para verificar se a trajectória difere consoante o barco se move ou não.”

“Certo Mário, mas ninguém se atreveu, como ele, a usar isso para afirmar que a Terra se movia.”

E o que é que isso tem a ver com o Princípio da Relatividade?”

Tudo!”, o
Mário ri-se do espanto da Luísa, “a invariância das leis físicas num sistema em movimento inercial é o enunciado do PR.”

A invariância de quêêê?

“Eu dou-te um enunciado melhor Luísa. O Princípio da Relatividade consiste na seguinte propriedade: em qualquer sistema isolado tudo se passa como se esse sistema estivesse em repouso absoluto no centro do Universo.”

Eh lá, isso não me parece uma boa definição! Repouso absoluto? O que é isso? Centro do Universo? Isso existe?”

“Pois é Mário, esta estranha definição é que é a definição certa, como te mostrarei; por agora tem paciência, a seu tempo compreenderás.”
Colocar o Mário numa situação em que eu sou o mestre e ele o aluno é certamente algo de inaceitável para o Mário; dou uma risada ligeira como que troçando eu próprio da situação e continuo:

“Não sei se já te deste a esse trabalho, Mário, mas basta o PR para estabelecer toda a Dinâmica dos corpos.”

Como é isso?”

“A partir do PR, deduz-se imediatamente a Lei da Inércia, a lei do choque elástico, e por aí fora, todas as leis da Dinâmica da Mecânica.”

Nunca tinha pensado nisso... queres dizer, em vez de deduzir a Mecânica a partir dos princípios de Newton, deduzir do Princípio da Relatividade? Interessante ideia... não é de estranhar, se as leis físicas satisfazem o PR também poderão ser deduzidas dele...
Ficamos em silêncio a observar a expressão subitamente ausente do Mário, fechado com os seus pensamentos. Conhecemos esses momentos autistas, que fascinam, pois temos a sensação que quase conseguimos «ver» os seus pensamentos. Receamos perturbar, aguardamos, mas a Luísa já se agita, a Luísa é um míni-tufão em tarde de Verão:

Mas então, se o PR é do Galileu, o que é que fez o Einstein?”

“Einstein generalizou o PR às situações que envolvem campos de forças, ou seja, o campo gravítico e o electromagnético. No tempo de Galileu o conceito de campo de força ainda não tinha sido estabelecido, o seu PR preocupava-se apenas com o movimento uniforme, ignorava os campos.”

É mais relevante do que parece assim dito”,
o Mário «saltou» lá de dentro dele num piscar de olhos, “porque enquanto a Relatividade de Galileu não contraria muito a nossa percepção da realidade, a de Einstein chega a resultados surpreendentes, como a interdependência entre espaço e tempo.

E tu, o que é que fizeste?”,
a voz suave da Ana foi como onda de mar que invade subitamente a praia quando a maré começa a encher. Não sei porque me sinto tão intimidado pelo olhar dela, que parece ter contagiado os outros, pois afinal é para falarmos do que eu descobri que nos reunimos. Hesito, espreita-me a sensação de que não sou já eu o promotor desta conversa, que estou a ser induzido a falar do que deveria permanecer secreto.

12 comentários:

Manuel Rocha disse...

Vá...deixe lá a Ana em paz e desembuche...que coisa !

::))))

NC disse...

Por falar em excelentes ilustrações...

alf disse...

Para quem não notou o link a meio do post, aconselho a que vejam o post de Junho "O grande cisma do conhecimento" (na list de "Peças do Puzzle", aqui mesmo à direita, é o quarto a contar do fundo)

alf disse...

Manuel, este post tem um objectivo importante: esclarecer que o Priuncípio da Relatividade é a constatação desta coisa ao mesmo tempo simples e misteriosa: parece que estamos em repouso no centro do Universo, não temos qualquer percepção de movimento ou de campo de forças; as nossas leis físicas têm a forma mais simples possível.

E, no entanto, começamos a perceber que tudo isto é ilusão - não estamos nada em repouso. Mas é uma ilusão fortíssima: repare que a velocidade da luz é sempre constante em relação a nós, qualquer que seja a velocidade da sua fonte. Como é possível? Que temos nós de especial? Nada, certamente. Então??

Até onde se estende a nossa ilusão? Porque é que isto acontece?

A resposta a estas duas questões vai destruir o modelo actual do Universo tal como o modelo de Newton destruiu o de Ptolomeu.

alf disse...

Tarzan

Vindo de si, fico desvanecido... não é todos os dias que o desajeitado aprendiz consegue impressionar o Mestre!

Curioso disse...

Só uma questão...

Para além do próprio Universo existe mais algum sistema totalmente isolado?

Fiquem Bem

alf disse...

curioso

Nem saberá como está certo... muito mais certo do que imagina!

A estrutura do Universo em larga escala é muito fácil de entender desde que se perceba isso, como veremos.

(mas aqui "sistema isolado" é um conceito, melhor ou pior aproximado por um sistema físico)

alf disse...

bluegift

hummm... parece-me que vocês gostam que eu vos troque as voltas ehehe

As múltiplas dimensões do espaço são apenas a medida da dimensão da nossa ignorância. Eu explico: temos um modelo matemático de um conjunto de fenómenos; mas é um modelo obtido por "fitting" dos dados existentes, não é baseado no verddeiro conhecimento dos fenómenos.

Cada vez que se faz uma nova observação, o resultado dessa observação cai fora do modelo; então é preciso acertar o modelo com as observações e isso é sempre possível introduzindo mais um parâmetro.

O número de dimensões, ou de partículas do modelo atómico, ou de parâmetros do Big Bang, são apenas construções matemáticas para obtermos umas fórmulas que acertam com as observações conhecidas; não representam nada de físico, não contêm informação acerca da verdadeira natureza do universo a não ser a de que de: assim é que o Universo não é de certeza! (porque cada novo tipo de observação erra sempre as previsões)

Há quem defenda que nos basta ter estes modelos matemáticos e que é arrogância pretender "compreender" o Universo.

Mostrarei que é arrogância depender dos modelos matemáticos e que temos de ter a humildade de tentar compreender o universo porque os modelos matemáticos falham no que é vital: não são extrapoláveis, isto é, não podem prever nada que não seja conhecido já.

... e a nossa salvação depende de conseguirmos compreender algo que ainda não conhecemos....

A Relatividade não é dificil de compreender como verá; se seguir este blogue será das primeiras pessoas a compreendê-la porque ainda ninguém a compreendeu verdadeiramente além de Einstein, do Poincaré e de menos de uma dúzia de outros, que já morreram todos (e do Jorge, é claro)

antonio ganhão disse...

O verdadeiro segredo do universo é esse mesmo: o efeito que as Anas têm sobre nós... se ao menos pudéssemos resgatar esse pedaço de verdade aos deuses, alcançaríamos a imortalidade!

alf disse...

António

Pelo menos é o segredo mais importante de todos... por isso os deuses o fizeram tão inacessível às nossas mentes...

Curioso disse...

Outra questão...

Se o Universo está em expansão... pode considerar-se um Sistema isolado?
fiquem bem

alf disse...

curioso

... mas o Universo NÃO está em expansão...

"sistema isolado" é apenas um conceito, não realizavel a não ser em aproximação. Aplica-se apenas a modelos dos sistemas físicos, não aos sistemas físicos.

Quando falo de "sistema isolado", isso significa que a análise é feita ignorando todas as eventuais influencias exteriores a uma fronteira por mim definida, ou seja, que o meu modelo do sistema não contem nenhum parametro representativo de fenómenos exteriores a essa fronteira.

O conceito tem interesse para permitir simplificar a análise dos problemas e a construção dos modelos.

No caso da Relatividade, não é preciso, na verdade, usar o conceito de Sistema Isolado.

Tudo se passa como se o observador, isto é, eu, estivesse em repouso absoluto no centro do Universo. Não preciso de nenhuma fronteira para estabelecer esta afirmação.

Na realdade, esta afirmação não é inteiramente exacta, como veremos.

Obrigado pelas suas estimulantes questões.