quarta-feira, janeiro 09, 2013

Somos o que nos convém


(continuação da conversa com o Hans)


O Hans sorveu longos goles da caneca de cerveja acabadinha de chegar. O calor apertava. Eu continuei na minha água tónica, não estava ali num encontro social, queria aproveitar ao máximo as ideias do Hans. Bebeu meia caneca de uma vez só. Pousou-a, visivelmente satisfeito. Beber quando se tem sede é dos maiores prazeres da vida. Refeito, recomeçou a conversa.


Os Ricos são espertos, tão espertos como todas as outras pessoas; cada um faz o que pode para defender os seus interesses, não é? Na medida dos seus poderes, é claro...

Lá estás tu com as tuas visões negativas da humanidade – ripostei.

O Hans ficou pensativo. Um dia eu explico-te como funciona o cérebro humano, qual é o seu algoritmo de decisão. Até lá, acredita em mim, o nosso cérebro, a nível inconsciente, está programado para decidir sempre em função do que considera ser o nosso interesse e constrói-nos um quadro mental, uma percepção da realidade exterior, que torna legítimo e correto, em face da nossa moral, agirmos em função desse interesse. Quando somos pobres defendemos a igualdade, a redistribuição de riqueza, mas se por acaso ficamos menos pobres, em pouco tempo consideramos que tal se deve ao nosso mérito e que os que são pobres o são porque mais não merecem, e que têm muita sorte em haver empregos que lhes paguem 500 euros; e continuando a enriquecer, depressa achamos que é bom que existam pobres, precisamos de criados, que nos sirvam barato mas que desapareçam da frente quando andamos de carro, ou vamos a espectáculos, ou vamos à praia; não precisamos de muitos pobres, mas precisamos de suficientes para nos sentirmos superiores, especiais, isso faz-nos muito bem ao Ego. Os que estão para além disso, surgem-nos como empecilhos da sociedade, pensamos que esta beneficiaria do seu desaparecimento – enquanto estamos na classe média achamos isso dos ciganos, do pessoal do bairro da lata; à medida que enriquecemos começamos a achar isso para aí de 1/3 da humanidade, demasiado pobre para contribuir para o nosso enriquecimento, portanto inúteis, e demasiado insignificantes para alimentar o nosso grandioso Ego.

Estou a perceber-te... enquanto pobres temos uma visão solidária, romântica, da humanidade, mas quando somos Ricos a nossa visão altera-se para o oposto.

Sim, mas o busílis da questão não é esse. O pormenor importante é que as pessoas não têm noção de que o seu entendimento se vai alterar se a sua situação mudar, pensam que serão sempre como são hoje. Ora as pessoas da classe média ou média baixa, que têm um certo sentido de solidariedade, pensam que os Ricos são como elas e que, naturalmente, sendo ricos, exercem activa solidariedade, que é o que elas pensam que fariam no lugar deles.

 Ahh, estou a entender-te; estás a dizer que os pobres, ou os “remediados”, pensam que são solidários genuinamente, não sabem que o são apenas porque é isso que lhes convém na sua situação; e a razão porque não sabem é que o seu inconsciente lhes cria um quadro mental e afetivo de solidariedade que as pessoas tomam como correspondendo à sua natureza profunda e imutável. E então eles pensam que é da natureza humana ser solidário e pensam que os Ricos e os Poderosos têm essa natureza, que são solidários com os que têm menos. Ora a verdade é que o que é da natureza humana é ser egoísta e os Ricos e Poderosos não são solidários com os pobres porque não é isso que lhes convém e o seu inconsciente constrói-lhes um quadro mental e afetivo diferente.

Isso mesmo. E dizes bem, Ricos ou Poderosos, porque se hoje quem está por cima são os estupidamente ricos, os banqueiros, os financeiros, antes de haver tanta riqueza eram as elites que se presumiam cultas, ou os senhores de muitos terrenos, e que alimentavam as mesmas ideias de superioridade em relação à restante humanidade que os Ricos de hoje.

Por um lado, sei que tens razão; uma coisa que tenho verificado quando ando de metro é que quem dá esmola aos pedintes são as pessoas que parecem ser mais pobres. Mas, por outro lado, sei que há pessoas que parecem já nascer com esse sentimento de superioridade absoluta e desprezo pelos outros, vejo isso logo pelo comportamento das crianças num parque infantil.

Sim,claro; é que nascemos com diferentes necessidades e a essas pessoas o que convém não é a solidariedade. Suponho que ser estupidamente rico não é coisa que te interesse, como não me interessa a mim, não é isso que queremos da vida, seríamos muito infelizes se a nossas vidas se resumissem a isso; há muitas pessoas como nós e que facilmente desenvolvem sentimentos de solidariedade porque é isso que corresponde ao que querem, é esse o seu egoísmo. Mas há também pessoas para quem a coisa mais importante é ser estupidamente rico ou poderoso e logo, o que lhes convém é o desprezo pelos outros. E as pessoas que são estupidamente ricas ou poderosas vêm geralmente desse lote de pessoas e não são pessoas solidárias, não há um pingo de solidariedade nessas pessoas. O grande equívoco dos pobres que não são obcecados com a riqueza é não saberem isso.

Compreendo, é a ilusão que os pobres têm de que as pessoas são assim, solidárias, “boas”, que alimenta o poder dos Ricos; os pobres esperam indefinidamente que os Ricos resolvam os seus problemas em vez de perceberem que eles são a causa deles.

Os Ricos alimentam essa ilusão praticando a “Caridade”, que são atos isolados de ajuda,  não alteram a situação dos desprotegidos mas servem por um lado para alimentar o Ego dos Ricos, e por outro para alimentar essa ilusão dos pobres de que os Ricos cuidam deles! Que são protetores, uma espécie de delegados de um Deus benfazejo... A solidariedade existe apenas entre pessoas que se sentem iguais; as que se julgam superiores podem ser caridosas mas não solidárias. Há aqui um duplo erro de percepção, os pobres que pensam que os Ricos são solidários com eles e os Ricos que pensam que são superiores aos outros

Eu oiço desde o 25 de Abril pessoas a reclamarem contra o facto de muito mais gente se licenciar agora – de os filhos dos outros se licenciarem é claro, não os seus. Argumentam que não há emprego para tanto licenciado mas esquecem que ainda há menos para os não licenciados. O que os aflige é a diminuição da desigualdade, nada mais, mas a sua mente constrói um quadro, falso, que justifica essa manutenção da desigualdade.

O Hans assentiu distraidamente, compenetrado no que queria dizer; continuou: - Há estudos e experiências sobre essa ilusão de que somos independentes das circunstâncias. E isto é verdade em relação a outras características. Por exemplo, a Honestidade não existe, não faz parte do nosso algoritmo mental; o nosso inconsciente decide sempre em função da sua análise custo/benefício.

Sim, isso eu sei; ninguém põe a moeda no parquímetro se souber que o fiscal já não vai passar.

Certo; por isso a sociedade organiza-se instituindo penalizações que fazem com que a relação custo/benefício leve ao comportamento pretendido. Uma pessoa que vive num ambiente onde isso está bem controlado, age conforme as regras porque é o que o seu inconsciente conclui que lhe convém, mas essa pessoa está convencida que é porque é honesta, porque esse é o quadro mental e afetivo que o inconsciente lhe constrói para a levar a agir como ele acha que é vantajoso. Não sabe que se for colocada numa situação onde o seu inconsciente conclua que a corrupção lhe é vantajosa, tenderá a ser corrupta. As pessoas não são mais ou menos honestas, fazem é diferentes análises custo/benefício, quer porque o que cada um considera ser um benefício é diferente, quer porque as situações são diferentes. Mais uma vez, os pobres, desde que não muito pobres, menos sujeitos a tentações, tendem a ter uma auto-imagem de honestidade e a pensar que os Ricos também o são; mas os Ricos sabem bem que a honestidade não existe. Combater a corrupção é uma questão de instituir adequados sistemas de fiscalização e punição, o que não é nada fácil e exige normalmente a acção de uma pessoa “especial”; para controlar a corrupção do dinheiro é preciso uma pessoa que não esteja interessada em ser rica.

Mas então, se não somos honestos, nem solidários em situação de diferença, que esperança há para a sociedade humana?

Todos os problemas têm solução. A natureza não nos preparou para este problema porque estas situações são específicas da sociedade humana, e por isso a solução não está nos nossos instintos; e não adianta pensar que se consegue meter a honestidade e a solidariedade à força nas nossas cabeças, que é o erro que tem sido feito, associado a outro, o de presumir que as elites são pessoas melhores do que as outras. A solução é diferente: é percebermos que somos assim e construirmos uma sociedade que nos controle porque sabemos que apenas uma sociedade solidária e honesta pode evoluir e ser boa para todos. Uma sociedade com regras e sistemas que impeçam a corrupção e a falta de solidariedade. As sociedades dos animais são definidas pelos seus “instintos”, ou seja, obedecem a regras que estão programadas nas suas mentes; no nosso caso, essas regras não estão nos instintos, temos de as instituir nós. Numa sociedade assim, todos seremos “genuinamente” honestos e solidários porque é isso que convém a cada um e o inconsciente formata-nos dessa maneira. Precisamos é de não cair no erro de pensar que podemos prescindir das regras porque "somos genuinamente honestos e solidários".

Sim, eu sei, nos países mais avançados, nomeadamente nos EUA, há muito que isso se faz, eles não presumem a honestidade ou a bondade de ninguém, nem do presidente.

Pois, mas acontece que na sequência da Globalização deixaram cair as regras e os Ricos adquiriram demasiado poder e controlam agora as regras que os devem controlar... e acham isso legítimo porque, sendo Ricos, concluem que são “superiores”, logo que são eles quem deve fazer as regras - até citam constantemente o Darwin, a famosa frase da “sobrevivência dos mais aptos”, a ideia de que a Evolução da sociedade humana se faz através da eliminação dos mais fracos e que sem isso a evolução fica comprometida, o que justifica as ideias de eutanásia e outras ainda mais terríveis. E é isso que se passa na Europa agora.

Ahh, mas é um enorme disparate, na Natureza as coisas passam-se exactamente ao contrário!.

Ah é? Mas olha que as teorias económicas atuais assentam nesse princípio, tido como indiscutível! Ele é a base da economia atual, que é o mesmo que dizer que é a base da sociedade ocidental.

Então está explicado porque é que ela funciona tão mal; porque não é nada disso! Os economistas não sabem nada de biologia e agarram nessas ideias estúpidas e erradas, convencidos que são verdade. Do reino dos Humanos não sei muito, mas do da Natureza sei alguma coisa.

Então como é?

(continua)

36 comentários:

alf disse...

Há muitas coisas que se concluem do que aqui digo; por exemplo, uma cultura excessivamente baseada no mérito conduz a que quem esteja por cima se torne estupidamente arrogante e despreze profundamente os outros, pois é inerente à meritocracia avaliar as pessoas, classificá-las,no quadro do que é considerado conveniente.

Este é o problema histórico da Alemanha e chamo a atenção para este post:
http://conversasdexaxa4.blogspot.pt/2013/01/alemanha-como-memoria-e.html

PEDRO LOPES disse...

As sociedades dos animais são definidas pelos seus “instintos"

Ou então o chamado "Capitalismo Selvagem".

O Capitalismo não tem nada de selvagem. É algo muito mais sinistro que a selva propriamente dita.

Na natureza(Selva)as regras funcionam bem e nas sociedades humanas não. São muito mais desequilibradas e não obedecem ás leis da natureza, leis essas que estão para lá do nosso conhecimento.
Se a natureza funcionasse como a humanidade já só haveria 2 ou 3 espécies de animais tendo estas dominado e destruído as outras.

Não vemos nas comunidades de Leões, ou lobos, existir a exploração do leão pelo leão ou do lobo pelo lobo, nem em nenhum outra espécie animal. Nas sociedades humanas isso acontece dentro da mesma espécie.

Mas não devemos pensar que é uma fatalidade e que tem de ser assim de alguma forma.
Antigamente nas aldeias em Portugal ou noutras paragens existia uma sociedade muito mais liberta. Cada um fazia o que lhe apetecia, trabalhava muito mas sem ser por ordem de alguém, havia respeito e uma moral natural, e lá não se regiam por legislação nacional, nem havia autoridades judiciais.
Havia uma razoável distribuição de riqueza(terras), e por vezes o que tinham menos terras trabalhavam para os que tinham mais, mas apenas por um dia(Jorna), não significando isso qualquer tipo de exploração, apenas um serviço(Trabalho).
Este modelo poderia ser adaptado a uma escala maior. Mas isso seria uma longa conversa.

PEDRO LOPES disse...

uma cultura excessivamente baseada no mérito conduz a que quem esteja por cima se torne estupidamente arrogante e despreze profundamente os outros, pois é inerente à meritocracia avaliar as pessoas, classificá-las,no quadro do que é considerado conveniente.

Eu também concordo com isso.
O verdadeiro mérito e criatividade só aparecem genuinamente sem a pressão que esses mesmos chavões impõem.
Mas concordo que quando o mérito existe ele seja devidamente valorizado.
Mas não é com calhaus na mão que se faz com as pessoas tenham mais mérito ou sejam "inovadoras", conceitos muito em voga hoje.


alf disse...

Pedro Lopes

A Natureza criou regras que garantem o seu equilíbrio; sem essas regras seria como diz: duas ou 3 espécies de animais. A única espécie que causa extinção de outras é a humana, porque é a única não regulada por instintos; temos de substituir a Natureza e introduzirmos as regras porque, como diz a Bíblia, foi-nos dado livre arbítrio...

Em relação ao mérito, é importante fazermos a distinção entre o mérito para o exércício de determinada função e o valor da pessoa. Esta é a confusão trágica da meritocracia, que começa logo nos bancos da escola, onde as pessoas se seriam pelas notas.

Um criativo numa tarefa de rotina tem uma classificação péssima; mas é ele "inferior"? Nada disso, apenas não está na função onde as suas capacidades são importantes.

Um bom chefe é uma pessoa que sabe atribuir a cada colaborador a tarefa que mais se lhe adequa e que sabe que as pessoas são todas úteis, têm é de ter a tarefa certa.

Aprendi isto com um colega e subscrevo porque ao longo da minha vida profissional várias vezes fui "acusado" de ter a sorte de ter os melhores colaboradores; ora acontece que os meus colaboradores foram muitas vezes pessoas que ninguém queria - de bestas passaram a bestiais.

O Churchill também pertencia ao lote das "bestas"... o que mostra bem que fazer juizos sobre as pessoas a partir de méritos no desempenho de certas função é uma extrapolação ilegítima.

Carlos disse...

Caro alf
Devagar estamos a chegar à questão fundamental e que me parece estarmos de acordo. A natureza humana. Penso que só depois de explicada devidamente é que muitas pessoas vão perceber que afinal a questão é outra e não aquela que muitas vezes pensam que é, ou a que lhes é maliciosamente indicada/sugerida, por muitos “credenciados” no assunto.

Muitos economistas até percebem um pouco de sociologia e/ou psicologia. O problema é que são propagandeadas outras teorias que vão exactamente favorecer determinados grupos. Hoje são utilizadas umas porque de momento é o que convém, mas amanhã podem der outras porque será isso que será conveniente. À teoria de Charles Darwin aconteceu-lhe o mesmo. É a deturpação daquilo que o homem quis dizer. O mais apto num determinado momento pode ser um ser que tenha uma determinada característica, mas noutro momento pode ser outro com outra característica. Por exemplo, a característica necessária para sobrevivência do mais apto na natureza, a que ele se referia, não é a mesma que o mais capaz para enriquecer. Capacidade de sobrevivência é diferente de capacidade de enriquecer. Também não podemos aplica-la tão linearmente ao ser humano, porque tem uma característica que o resto dos animais não tem, ou se tem, é extremamente reduzida, a cultural. A capacidade de executar pensamentos abstractos.

Já aqui abordámos um pouco o assunto.
http://www.blogger.com/comment.g?blogID=10604492&postID=6980609191853341802

Carlos disse...

Caro alf
“... a humana, porque é a única não regulada por instintos; ...”
Discordo. Também são influenciadas por instintos. Os instintos não têm é tanta influencia nos humanos como no resto dos outros animais.
O ser humano é um ser bio-psico-sócio-cultural. E todos estes factores influenciam, e influenciam-se mutuamente. A parte biológica influencia as partes psicológica, sociológica e cultural. A parte psicológica influencia as partes biológica, sociológica e cultural, e por aí fora. E é influenciada pelas outras. Daí não se poder extrapolar de forma tão linear para o ser humano o que Darwin afirmou.

“O Churchill também pertencia ao lote das "bestas" ...” Concordo em absoluto... lol nunca de lá saiu...lol

Diogo disse...

Alf, bom artigo!

A maioria tem aceite, até agora com alguma razão que, para se produzir mais, são necessárias estruturas mais ou menos piramidais, onde os chefes intermédios têm subordinados a quem dão ordens, e têm um chefe máximo de quem recebem as suas ordens. Este tipo de organização tem permitido constituir empresas colossais que funcionam.

Mas vou bater pela enésima vez no desenvolvimento exponencial da tecnologia. Esta tem vindo sistematicamente a substituir as pessoas nestas pirâmides por hardware e software cada vez mais avançado. À medida que decresce o número de pessoas a trabalhar, da base ao dono, menos sentido que a pirâmide seja propriedade do dono.

Um indivíduo rico é um indivíduo que tem mais coisas que a grande maioria das pessoas. A posse da propriedade é apenas uma convenção que a maioria aceita. De um dia para outro, quando não virmos motivo para um indivíduo ter a posse de uma empresa (porque esta já funciona sozinha), de determinados terrenos (porque estes já produzem sozinhos), de certo valor em dinheiro que esse indivíduo amealhou (no paradigma anterior), podemos decidir nacionalizar tudo o que lhe pertence: empresa, terrenos e dinheiro.

Quero eu dizer, quando o homem for afastado da produção (substituído por máquinas) não há motivo nenhum para possuir mais bens do que qualquer outro. Nem os outros o permitiriam.

vbm disse...

Adam Smith escreveu o seu "Inquiry on the Wealth of Nations" alguns anos depois do seu grande amigo David Hume ter escrito o seu "Treatise on Human Nature". Conheço ao de leve um e outro e ainda hei-de dedicar-me a ler ambos os Tratados por inteiro.

Mas, o que me deixou surpreendido e intrigado foi ter lido algures que Hume não ficou entusiasmado com o Tratado de Smith, possivelmente por contrariar as suas próprias ideias. É uma investigação tipo-detective que gostava de fazer para ver porquê...

Também estou curioso do suspense com que terminas este episódio de diálogo, com a tese de o egoísmo da competição, que Smith aplica à economia, não vigorar na selecção das espécies de Darwin… porque aparentemente julgávamos que sim!

Há uma tese empolgante e lúcida em Hume — o hábito ou costume, como disposição inata da natureza humana, fundamento da crença causal, pois quando fazemos uma inferência causal estamos a afastar uma suposição de acaso e toda a repetição aponta para uma causação. E diz Quine sobre isto:

— “as criaturas que não acertam no número de repetições — suficiente para mudar de uma hipótese de casualidade para uma convicção de causalidade — têm a tendência infeliz, mas louvável, de morrer sem deixar descendência”.

E, de facto, o mundo é regulado por causas; ser sagaz é ser sensível à repetição. E isto parece aplicar-se quer ao mundo animal quer à economia…

Daí a minha curiosidade quer no possível ‘desentendimento’ entre Hume e Smith quer no próximo capítulo da tua analítica narrativa :)

PEDRO LOPES disse...

"A posse da propriedade é apenas uma convenção que a maioria aceita."

Não sei se estás a defender a abolição da propriedade privada.
Eu acho isso uma ofensa á natureza humana.
A propriedade privada é um dos maiores pilares da liberdade individual.
Em muitos casos ela faz parte da próprio ADN do individuo e uma reserva de segurança.
Eu lembro-me de pessoas que tinham certos terrenos que não os trocavam por outros maiores ou por uma boa quantia em dinheiro, simplesmente porque eram seus, tinham o seu cunho pessoal e faziam parte da sua vida e da sua história familiar. Estou a falar de propriedade privada em pequena escala, não confundir com possuir propriedade privada do tamanho de países inteiros.
E não é apenas terrenos, pode ser uma fábrica, um estabelecimento comercial, um ginásio, um consultório médico etc.

Se tirarmos este direito ás pessoas com que segurança ficam?
Eu se tiver uns terrenos para produzir alimentos sinto-me mais seguro no caso de ir para o desemprego, pois sei que tenho ali pelo menos algo para me alimentar pelo menos.

O problema é que em muitas sociedades permitiu-se que poucos ficassem na posse de tudo e a maioria ter de os servir de forma escrava para sobreviver.

É aqui que deveria entrar o papel do estado arbitro e fiscalizador que tivesse a preocupação com a harmonia económica.

E sem o aglomerar de propriedade física ou financeira em poucos, perde-se em economia de escala e eficiência particular, mas ganha-se em menos desemprego, mais diversidade de produtos, mais gente a pensar e a criar..........................................................

vbm disse...

São justas as suas observações, Pedro Lopes.

E já na antiguidade enunciadas e defendidas por essas mesmas razões. Mais: parece que há juristas no sistema alemão que argumentam o respeito pelo direito das pensões de reforma dever equivaler, nas sociedades contemporâneas, ao direito de propriedade, pela razão de os cidadãos terem sido desviados desta afim de contribuirem para o direito a auferir uma reforma no fim da vida de trabalho.

Contudo, logicamente quer a propriedade quer a reforma só são viáveis subordinadas a uma lógica de sustentabilidade económica. Mesmo no passado, era dificilmente tolerável a propriedade dos absentistas, e a reforma dos idosos e sustento dos inactivos pressupõe equilíbrios que não podem desrespeitar-se.

Por exemplo, o alf pode mostrar-nos aritmeticamente que um sistema de pensões ao nível médio da metade do salário médio dos activos permite a sustentação de quatro ou mais inactivos por cada cidadão empregado.

No fundo, um esquema que não se afasta do praticado entre os europeus do norte e proposto pelo FMI.

Claro, diz o alf, — e o fmi não sei —, pressupondo um elevação notável — e possível, cessando o subemprego — da produtiovidade do trabalho e consequente aumento do salário médio pago aos que trabalham.

alf disse...

Carlos

De facto estamos de acordo em tudo ou quase tudo. Li agora o seu comentário e também aí estou de acordo, pois o problema da desigualdade crescente não se resolve com a progressividade dos impostos, a qual só serve para sustentar uma ideia de direitos diferentes. Aliás, o grande imposto é o IVA, os outros, às tantas, até podem acabar, são duas filosofias diferentes e em conflito.

Quando disse que os humanos não têm instintos referia-me a instintos capazes de controlar a desigualdade que a espécie humana é capaz de criar. Expliquei-me mal. Na natureza, algumas espécies têm instintos que as impedem de dominar sobre as outras mas nós não temos nem esses nem que nos impeçam de dominarmos uns sobre os outros.

Para endireitarmos parece-me fundamental começar por destruir as ideias ditas darwinianas, que têm sido usadas sistematicamente como suporte "científico" de todas as teorias de dominação do homem sobre o homem (tal como os bruxos usam os conceitos de "energia" e "quanta" nas suas teorias par lhes dar credibilidade). Vou tentar dar uma contribuição para isso no próximo texto.

alf disse...

Diogo

O Humano é um predador e um recoletor, está nos seus genes. Tens uma tv em casa? Porque não duas? Tens um carro? Porque não dois? Porque não um carro novo?

Desde que haja "riqueza", as pessoas vão disputar a sua posse. Então vais introduzir alguém no sistema que fica com a função de fazer essa redistribuição dos bens, como um pai com os filhos pequenos. Mas, na verdade, estás a tornar essa pessoa com esse poder no dono de tudo.

Não consegues um sistema equilibrado por essa via; eu, pelo menos, não chego lá.

É por isso que o melhor é o direito à propriedade individual, como diz o Pedro Lopes; e, como ele muito bem diz, isso está no nosso ADN, o instinto territorial é a solução da natureza para a divisão de recursos.

Agora, este direito tem de ter limites e aqui é que está o busílis da questão; porque se não tiver podemos cair na situação em que um fica com tudo e os outros com nada.

O direito à propriedade de uns não pode interferir com o direito dos outros - que é o que está a acontecer agora.

A tua solução para o problema é radical - eliminar o direito propriedade`; só que eu não consigo por de pé uma solução desse tipo que funcione, o que resulta dela é exactamente o mal maior: um que fica dono de tudo

Diogo disse...

Caro Pedro Lopes,

O conceito de propriedade privada é apenas uma convenção aceita pela maioria.

Isto acontece porque se compreendeu que em organizações produtivas - uma quinta ou uma fábrica - funcionariam mais eficazmente se existissem ordens praticamente inquestionáveis. As severas penalizações à desobediência em grupos militares, existem pelos mesmos motivos: se numa sociedade mais complexa, todos os indivíduos que a ela pertencessem quisessem dar a sua opinião, então a organização colapsava.

De igual modo, se um indivíduo, numa sociedade mais complexa, sente que determinada coisa é dele, esforça-se muito mais para a manter ou aumentar.

Mas isto acontece em sociedades onde o homem ainda tem um papel decisivo na produção, já não faz qualquer sentido em sociedades onde o homem foi substituído pela máquina.

Tal como antes do aparecimento da agricultura e da pecuária, era a «máquina» natureza a produzir tudo sem qualquer intervenção humana, também caminhamos agora para um futuro em que a máquina que nós construímos produzirá tudo sem qualquer intervenção humana.

Diogo disse...

O vbm continua a ver um mundo estagnado tecnologicamente, precisamente quando a evolução tecnológica atinge um nível exponencial.

Diogo disse...

Caro Alf, (desculpa, só agora reparei que também me tinhas respondido),

Alf: «Desde que haja "riqueza", as pessoas vão disputar a sua posse. Então vais introduzir alguém no sistema que fica com a função de fazer essa redistribuição dos bens, como um pai com os filhos pequenos. Mas, na verdade, estás a tornar essa pessoa com esse poder no dono de tudo.»


Diogo: Porque não uma inteligência artificial (sem quaisquer necessidades, predileções ou sentimento de posse) a proceder a esse trabalho? A decisão do software seria aceita como uma ordem judicial.

Eu sou um programador profissional. Julgo que até eu era capaz de fazer um programa desses…

vbm disse...

Diogo,

Há estagnação tecnológica apenas nas actividades de produtividade imutável - por exemplo, corte de cabelo! :), e outras claro;

não por certo nas indústrias inovadoras onde a engenharia do respectivo processo produtivo ainda está progredindo em melhorias cumulativas.

No entanto, não é pelo desenvolvimento tecnológico que se contrariará o crescimento calamitoso da população mundial.

A questão aliás é quase uma verdade apriorística: - num meio limitado, nenhum elemento cresce ilimitadamente. - Seria uma contradição nos próprios termos! :)

alf disse...

vbm

Pois, o próximo post vai exactamente tentar mostrar como são erradas essas ideias de que há seleção na natureza, de que os menos aptos sossobram e que isso tem alguma consequência evolutiva. Como verás, a evolução é, ao contrário, obra dos menos aptos.

AS minhas contas sobre a sustentabilidade dessa forma de redistribuição de riqueza assenta num pressuposto que não se verifica e que é a causa da atual crise: que a riqueza produzida - toda - está sujeita ao processo. Ora acontece que não está, os capitais fogem e circulam numa economia fechada específica dos ricos - a economia dos produtos de luxo. Há cada vez mais dinheiro nessa economia e menos na restante. É este empobrecimento da economia dos povos que coloca em crise o sistema de redistribuição. Não há dinheiro para pensões nem há dinheiro para ordenados, o que se passa é que há simplesmente um empobrecimento dos povos devido ao enriquecimento dos ricos.

Isso vai afetar toda a gente que não pertence ao clube dos ricos, alemães incluídos, cujos ordenados vão começar a baixar com o afluxo de emigrantes, logo os descontos, logo os sistemas de segurança social.

E, na opinião do Hans, apenas os portugueses serão capazes de pôr travão nesta descida ao abismo que os europeus vão sofrer; as razões dele veremos mais adiante.

alf disse...

vbm

em relação ao crescimento da população, hás de reparar que isso já não acontece em grande parte do mundo, nem na China. Há medida que o mundo se vai "civilizando" a natalidade vai diminuindo.

A ideia de que a população cresce exponencialmente e os recursos linearmente, ou que os recursos são limitados, embora pareça lógica, está errada.

Na verdade, os recursos crescem muito mais depressa do que a população, nós temos já um imenso excedente de recursos, nem sabemos o que lhes fazer; é por isso que há cotas para a produção agrícola.

Quase tudo o que necessitamos existe num ciclo fechado, não se gasta. A água, por exemplo, não se gasta - essas teorias extremas de poupar água são um disparate, a água que não usarmos vai para o oceano; e são nocivas porque as máquinas de lavar, para "poupar água", usam detergentes mais agressivos e, logo, mais poluentes.

Os alimentos desde que aprendemos a capturar o azoto da atmosfera tb existem num ciclo, são a transformação do Oxigénio, azoto e água em alimentos que voltam ao estado de gases.

O que é que se gasta? Duas coisas: energia e CO2. O CO2 gasta-se independentemente de nós porque vai sendo capturado pelos oceanos e pelos calcários e não sei que mais e um dia destes teremos de começar a ir buscá-lo ao fundo do mar; este será um problema gravíssimo para o futuro da vida na terra.
A energia que temos vem do petróleo e do nuclear e das barragens. A solar, por enquanto, não vem do Sol mas do petróleo, pois que a energia necessária a produzir as células fotoeléctricas parece que ainda é mais do que a que elas depois produzem; e com as eólicas algo semelhante se passa. Mais ecológica, contrariamente ao que possa pensar, é a energia que se obtem por via biológica, da cana de açucar por exemplo, embora parte importante dela seja necessária para produzir os adubos (capturar o azoto da atmosfera).

Por enquanto, há muito petróleo e gás; mas não é ilimitado nem se produz; e o carvão tb não é ilimitado.

Estes é que são os dois grandes problemas, não é o número de pessoas; e onde o problema é maior é onde o consumo de energia é maior, ou seja, nos países mais desenvolvidos e onde a população pouco ou nada cresce. O crescimento do consumo de energia é que te deve preocupar, não é o da população.

O problema do crescimento da população é que impede o desenvolvimento nas zonas onde isso acontece - é um problema das pessoas dessas zonas.

alf disse...

Diogo

O problema não é a produção; isso já não ocupa as pessoas, ou ocupa uma parte cada vez mais pequena de pessoas. As pessoas trabalham é no desenvolvimento, na investigação, e nos serviços.

Pode ser que um dia a investigação seja feita por máquinas; mas nesse dia a humanidade será dispensável e pode extinguir-se. Até lá, temos de - e queremos - trabalhar.

O problema da desigualdade já foi resolvido pelos nórdicos - assenta em duas coisa; uma é tornar as pessoas igualmente úteis à sociedade, garantindo formação de qualidade para toda a gente, e a outra é garantindo uma adequada redistribuição da riqueza produzida pela sociedade. Numa sociedade em que o empregado do café tem tanta formação como o médico, não há razão para ganharem de maneira muito diferente, pois não? Na verdade, até pode ser ao contrário, pois há mais candidatos a médicos do que a empregados de café. Só que para manter uma sociedade assim não se pode abrir as portas à emigração e não se pode tolerar a fuga de capitaisa

Note que cá só se abre as portas à emigração para os postos de trabalho mal pagos. Os médicos não conseguem emigrar para cá, nem os engenheiros nem outros doutores. As classes mais altas protegem-se a elas e desprotegem as outras porque é isso que lhes convém; e fogem com o dinheirinho para os offshores (e se não souberem como, parece que o BES ajuda).

Carlos disse...

Caro alf
Vamos ver se me consigo fazer entender

Não sou contra as teorias de Darwin. Penso que devemos ter em atenção que não devem ser descontextualizadas e devem ser compreendidas as suas intenções. E acima de tudo é uma teoria, que poderá vir a ser desmentida ou confirmada, no seu todo ou parte.

“Quando disse que os humanos não têm instintos referia-me a instintos capazes de controlar a desigualdade que a espécie humana é capaz de criar. Expliquei-me mal. Na natureza, algumas espécies têm instintos que as impedem de dominar sobre as outras mas nós não temos nem esses nem que nos impeçam de dominarmos uns sobre os outros.”

Quais são as espécies que têm instintos “limitadores”, digamos assim?

Penso que é o Desmond Morris no seu livro o Macaco Nu (The naked Ape) que tenta dar algumas explicações sobre o comportamento humano, que de base pode ser/é semelhante ao de muitos outros animais. Embora não tenha de ter ou tenha de ser obrigatório ter.
Penso que todo o ser humano tenta dominar/controlar o ambiente que o rodeia, e por acréscimo os outros. Esse instinto pode ser exacerbado ou quase nulificado por outras interferências, que podem ser sociais, ambientais, culturais, etc. Esses comportamentos extremados, não quer dizer que sejam a norma por um lado, ou que não existam por outro.
Na nossa cultura exaltamos, idolatramos, ou “são” exemplos a seguir todos aqueles super ricos. No entanto, se os super ricos tivessem a mesma apetência não por dinheiro mas por sexo, seriam tarados sexuais.
Como já foi explicado por si, custo/benefício e egoísmo. Se vivêssemos em tribos teríamos mais cuidado, porque (egoísmo) a nossa sobrevivência dependeria mais do próximo (sendo esse próximo um numero de pessoas mais limitado). Assim em sociedades tão grandes essa questão (vantagem) é menos pessoal e menos visível.

Carlos disse...

O instinto para dominar ou outros é uma forma de garantir uma maior possibilidade de sobrevivência (para aqueles que dominam).
Penso que o instinto aponta num sentido só, mas depois, nas sociedades actuais, não existe algo que o possa contrariar e então é lavado ao extremo, num processo normal por não haver oposição e por uma questão cultural como atrás já referi. Creio que o que não existe é uma cultura adequada que lhe faça frente (ganhar dinheiro é um direito sim, desde que...).

Pedro Lopes
“Não sei se estás a defender a abolição da propriedade privada.
Eu acho isso uma ofensa á natureza humana.
A propriedade privada é um dos maiores pilares da liberdade individual.”

Propriedade privada, o sentimento, necessidade ter algo que é só meu, o instinto de posse. Também acho que faz parte da natureza humana, no entanto, pode ser alterado ou anulado.
Três exemplo que contrariam aquilo que afirma e que vai em linha daquilo que afirmei da falta de uma cultura adequada, preventiva.

1 – Uma tradição que os esquimós tinham, parece-me que já abandonada, era a de oferecer a esposa ao visitante. Era muito mal visto se este não aceitasse a oferta.

2 – Existe ainda hoje poligamia feminina numa tribo no pacifico.

3 – Existe ainda hoje uma tribo em África que não tem no seu vocabulário a palavra “meu”.

Carlos disse...

Bom. Contrariam só aparentemente. No 1º caso é para evitar a consanguinidade e a extinção. Nos 2º e 3º caso é para evitar, ou pelo menos diminuir o risco de extinção, por adicionar às muito precárias condições de sobrevivência, um conflito gravíssimo.
Desta forma, egoísta, ou custo benefício, o ser humano adaptou comportamentos diferentes do da maioria. Darwin provavelmente chamaria a isto a adaptação dos mais aptos, para garantirem a continuidade dos seus genes, para a sobrevivência da espécie.
Para sobreviver a natureza impôs a alteração de um comportamento... fónix, sua ditadora... não há-de o homem ter também ele essas tendências... lol (mas é verdade)

Carlos disse...

“Pois, o próximo post vai exactamente tentar mostrar como são erradas essas ideias de que há seleção na natureza, de que os menos aptos sossobram e que isso tem alguma consequência evolutiva. Como verás, a evolução é, ao contrário, obra dos menos aptos.”
Hum... sei que alguns, considerados menos aptos, transmitem os seus genes às gerações futuras. Não será um erro de considerações?, de raciocínio/lógica?
Estou à espera.
Só uma curiosidade. Sabe que nem todos os espermatozóides tem a função de procriar? Há uns que procuram espermatozóides de outros machos e tratam de os eliminar.

Carlos disse...

Alf - “E, na opinião do Hans, apenas os portugueses serão capazes de pôr travão nesta descida ao abismo que os europeus vão sofrer; as razões dele veremos mais adiante.”

http://www.vessas.blogspot.pt/2006/04/o-pas-que-no-merece-ser-desenvolvido.html

alf disse...

Carlos

veremos se o próximo post consegue mudar o enfoque das ideias sobre a evolução.

Como muito bem diz, o raciocíocínio egoísta de curto prazo leva cada um a procurar dominar sobre os outros. Está na Bíblia que o profeta Isaías aconselha os Judeus a exterminarem os outros, antes que os outros o façam.

Para sair daqui é preciso ou confiança no outro, ou equilíbrios de forças que façam com que atacar o outro seja mais desvantajoso.

Na Selva, os animais evitam atacar-se (só em casos extremos, como alimentação ou defesa do território) porque mesmo que um animal ganhe a luta, pode ficar ferido e, na selva, isso pode ser mortal.

Na sociedade humana corresponde à teoria da pistola contra o canhão: não é preciso ter a capacidade de ganhar a guerra para evitar ser atacado, basta ter a capacidade de inflingir estragos relevantes, ou seja, capacidade dissuasora.

Na Natureza, há processos de limitar a força máxima das espécies mais fortes, que estão nos genes delas; é por isso, como disse o Pedro Lopes, que a Natureza não se limita às espécies fortes, conserva todas as espécies, até uma espécie tão incrivelmente desprotegida como a preguiça. Esses mecanismos não existem nos nossos genes, e a natureza não os vai introduzir, como o fez nas águias por exemplo, teremos de ser nós a fazê-lo

Quanto ao sucesso dos portugueses, já vi um enorme livro inglês dedicado a tentar perceber o mistério do sucesso comercial dos portugueses em África e na India nos tempos dos descobrimentos, em contraste com as enormes dificuldades dos Ingleses e dos Holandeses. Mas a explicação para isso vi dar uma senhora negra de um qualquer país africano, não sei já qual; dizia a senhora que os portugueses eram tão miseráveis quanto os povos com que contactavam, estavam em pé de igualdade, ao contrário dos outros.

Esse livro inglês refere que os portugueses faziam coisas impensáveis, como casar com os gentios!!! Coisa que um pessoa "fina" nunca faria, convencida da sua "superioridade" pelas razões que apresento neste post.

Mas devo dizer que não estou lá muito de acordo com essa tese do sucesso dos portugueses, sobretudo desde que entramos no euro, tem sido um desastre - por isso é que o PIB dos gregos é 1,7 vezes o nosso e o dos espanhóis tb é muito mais do que o nosso, enquanto nos anos 50 estavam piores do que nós.

PEDRO LOPES disse...

Carlos,

Em relação ao comentários da propriedade privada eu baseei-me naquilo que são as características comuns á grande maioria do humanos.
Claro que existem tribos onde a sua natureza é diferente.
Os índios também não tem propriedade privada. E tem uma vivência totalmente comunitária, onde partilham as peças de caça e de pesca, casotas etc.
Devemos respeitar e compreender essas comunidades, já raras, mas não temos de seguir o seu modelo de sociedade.
No nosso caso eu não vejo nada de arrogante ou destrutivo ter propriedade privada. Ela é usada para a sua sobrevivência e também para produzir algo que outros cidadãos podem usufruir. No fim acaba também por ser comunitária.

PEDRO LOPES disse...

Carlos,

Em relação ao comentários da propriedade privada eu baseei-me naquilo que são as características comuns á grande maioria do humanos.
Claro que existem tribos onde a sua natureza é diferente.
Os índios também não tem propriedade privada. E tem uma vivência totalmente comunitária, onde partilham as peças de caça e de pesca, casotas etc.
Devemos respeitar e compreender essas comunidades, já raras, mas não temos de seguir o seu modelo de sociedade.
No nosso caso eu não vejo nada de arrogante ou destrutivo ter propriedade privada. Ela é usada para a sua sobrevivência e também para produzir algo que outros cidadãos podem usufruir. No fim acaba também por ser comunitária.

vbm disse...

Importante, os ciclos fechados em que se renovam e geram os elementos químicos que compõem a alimentação dos viventes. A captura do dióxido de carbono, base da vida que nos é semelhante, efectuada pelos oceanos mostra a extensão do nosso desconhecimento da influência dos mesmos na condição da vida no planeta.

A questão demográfica está controlada na China, mas não na Índia, no Sudeste Asiático, em África, nos países muçulmanas e na América católica. Porque a miséria das respectivas populações foi agravada pela medicina ocidental, pela queda da mortalidade infantil devida à penicilina, e à prédica pseudo religiosa anti-aborto e anti-controlo de nascimentos do islamismo, catolicismo e hinduísmo, choca-me o cinismo da inteligentsia e da imprensa ocidental em relatar os desastres humanitários da fome no mundo, sem nunca denunciar a causa dos mesmos: o descontrolo de nascimentos. Basta dividir a riqueza produtiva do mundo-2012 pela população-1950 — que seria perfeitamente possível ter estabilizado — para se ver como poderia ser maior a felicidade na Terra.

Não vejo nenhum enorme excedente de recursos em relação às necessidades existentes, e as quotas de cultivo da terra, como a de capturas de pescado, devem-se, presumo, à necessidade de regenerar o húmus agrícola e manutenção das espécies.


Suspeito que as «revelações do Hans» vão assentar na óbvia prática animal e social da cooperação do semelhante com o semelhante, que naturalmente limita a expedita eliminação dos mais fracos. Nesse caso, anuirei à tese da complementaridade do egoísmo com o altruísmo porque ambos se enquadram na verdade do princípio que já enunciaste: “Somos o que nos convém”.

Carlos disse...

Caro Pedro Lopes

“No nosso caso eu não vejo nada de arrogante ou destrutivo ter propriedade privada.”
Apenas quis demonstrar que não é uma condição que sem a qual não possamos viver/sobreviver. Que os instintos podem ser combatidos, anulados.
Também sou a favor da propriedade privada.

Rui leprechaun disse...

«O Humano é um predador e um recoletor, está nos seus genes. Tens uma tv em casa? Porque não duas? Tens um carro? Porque não dois? Porque não um carro novo?»

Altamente duvidosa essa estafada explicação genética para a tal “mítica” natureza humana! Em 1º lugar, devemos compreender que continuamos a saber muito pouco acerca das motivações reais do nosso comportamento, embora por certo a influência genética (natureza) tenha a sua quota parte, mas sem esquecer o papel que a educação e o meio sociocultural (ambiente) exercem sobre o indivíduo.

De resto, a este respeito os exemplos dos “meninos selvagens” até são talvez os casos mais convincentes que temos acerca do debate “nature versus nurture”. É certo que existe ainda a especulação religiosa ou metafísica sobre a reencarnação, o que favorece a teoria genética, pois nesse caso já nasceríamos com tendências bem definidas (karma) que o ambiente apenas pode influenciar em parte.

Quanto ao “instinto territorial”, ele só faz sentido numa situação em que os recursos são escassos, caso contrário temos a situação das sociedades paradisíacas, tipo Polinésia, onde tudo é partilhado numa “economia da dádiva”. A este respeito, parece-me interessante o conceito de “pós-escassez”, pois a existência de um meio de troca como o dinheiro apenas se justifica pelo valor económico atribuído a bens e serviços necessariamente escassos. O que é naturalmente abundante perde o seu valor monetário, pois ninguém pode lucrar a vender aquilo que todos têm!

Por fim, existe ainda um problema económico que se deverá acentuar cada vez mais, ligado ao chamado “desemprego tecnológico”. Jeremy Rifkin tem focado isso nos seus livros, em especial “The End of Work”. Porém, o mais relevante para esta discussão é o recente The Empathic Civilization, que pode ser lido online no site.

Em suma: o que vem a ser isso de “natureza humana” ou que fatores comandam realmente o nosso comportamento? Será que este se torna substancialmente diferente num ambiente de escassez crónica ou noutro de abundância plena? I guess so, still I don’t really know! :)

Teach this triple truth to all: A generous heart, kind speech, and a life of service and compassion are the things which renew humanity. − Buda

I have just three things to teach: simplicity, patience, compassion. These three are your greatest treasures. − Lao Tsé

Our task must be to free ourselves from this prison by widening our circles of compassion to embrace all living creatures and the whole of nature in its beauty. − Einstein

Rui leprechaun disse...

«Na verdade, os recursos crescem muito mais depressa do que a população, nós temos já um imenso excedente de recursos, nem sabemos o que lhes fazer; é por isso que há cotas para a produção agrícola.»

Ora aqui já estamos de inteiro acordo, embora infelizmente isso só se aplique aos países desenvolvidos. E esse excedente de recursos é já a consequência natural da automação do setor primário, bem como do secundário, que cada vez mais necessitam de menos mão de obra humana. Aliás, a produtividade aumenta à medida que menos pessoas trabalham na agricultura e na indústria, pois as máquinas desempenham essas funções rotineiras e repetitivas muitíssimo melhor.

É também pela abundância de recursos que os preços de muitos produtos, incluindo os bens alimentares, são relativamente baratos, sobretudo quando comparados com os de países subdesenvolvidos − vide o custo dos alimentos. Quanto a isto, há ainda um mecanismo terrivelmente perverso e imoral para manter artificialmente a situação de escassez que assegura valor económico aos bens abundantes, que consiste na sua destruição intencional.

A questão que muitos começam a colocar já não está apenas na necessidade de uma reforma do sistema monetário e económico atual, mas mesmo na sua abolição pura e simples! Aliás, e como disse atrás, existem alguns exemplos nesse sentido, incluindo as comunas anarco-libertárias na vizinha Espanha, durante os anos 30, ou as comunidades ecológicas (ecoaldeias) um pouco por toda a parte. De resto, a Grande Depressão constituiu um balão de ensaio para muitas iniciativas socioeconómicas que estão agora a renascer em força, sobretudo a nível das comunidades auto-sustentáveis, com moeda local própria e ampla autonomia social e económica.

É aí que está o futuro... num comportamento adulto e maduro! :)

Água, alimento e energia estarão gratuitamente disponíveis a todos os seres humanos, se seguirmos a lógica da natureza e abandonarmos a lógica do capital. − Movimento para um Terra Livre

Rui leprechaun disse...

Eis outra descoberta que acabo de fazer, relacionada com uma pesquisa sobre a obra do economista alemão Helmut Creuzer.

Gráficos muitos esclarecedores estão nesta série de 4 vídeos you must see... believe me! :)

Monetary growth

O respetivo pdf pode ser baixado aqui:

Monetary growth (livro)

Rui leprechaun disse...

É a natureza (genes) ou o comportamento que faz/molda o indivíduo?

Não vou discutir isso aqui, mas sim indicar 2 documentários chocantes e perturbadores sobre o condicionamento precoce que a indústria de marketing norte-americana impõe às crianças, logo desde o berço!

Crianças do Consumo: A Comercialização da Infância

Criança, a Alma do Negócio

Abri ontem um novo tópico sobre isto, mas é mesmo preciso ver os vídeos para crer... há coisas que não dá para (racionalmente) entender!

Publicidade infantil

Creio que pode estar aqui um contributo importante para o tal post sobre a natureza humana, mas quem controlar (domesticar) o comportamento das massas é que pode governar o mundo... à la Hitler! Logo, por que não moldá-lo logo desde pequenino e assim escravizar o (des)humano destino?!

vbm disse...

Observação sobre o "desemprego tecnológico"
_______________________________________


O desemprego tecnológico decorre do emprego tecnológico. Este, de grande produtividade, gera o rendimento suficiente não só para a capitalização científica e técnica implicada no processo indirecto de produção, como dispensa a quantidade de trabalho directo requerido no processo produtivo anterior. A força de trabalho assim dispensada pode ser afectada ao ócio, à criatividade, à busca de saber ou ao trabalho em áreas de actividade de produtividade imutável ou pouco incrementável, mas socialmente necessárias. Para que a sociedade mantenha a coesão social é imprescindível que não se dualize num sector economia progressiva a par de outro de mera subsistência. Pelo que, quer num quer noutro tem de preservar-se a mesma qualidade de vida e dignidade social. Em termos económicos, esse resultado requer uma certa igualdade de rendimento per capita, o que implica controlo do crescimento demográfico da população.

alf disse...

Leprechaun

Muito importantes as tua contribuições; a meditar as questões sobre a natureza humana. Nós somos o fruto do ambiente em que crescemos; como seríamos num ambiente diferente?
Esta pergunta é um pau de 2 bicos; por um lado, poderiamos não ser tão "proprietários"; por outro lado, este ambiente tb pode trazer-nos qualidades, não apenas "defeitos", porque empurra-nos para querermos fazer coisas. Tem de haver uma pressão evolutiva na sociedade humana, se ela desaparece estagnamos. As sociedades utópicas têm essa falha, fazem desaparecer a pressão evolutiva como se ela fosse um mal; não é, tem de existir, mas tem é de ser solidária e não egoísta.

Os videos do Money Growth são muito interessantes; basicamente, resume-se a isto: ponho dinheiro no Banco a prazo para receber um juro, o Banco empresta ao meu patrão a um juro mais alto e este baixa-me o ordenado para o poder pagar porque o seu crescimento foi inferior ao juro. Fico a perder e o Banco a ganhar. Eu fico a perder desde que o juro seja superior ao crescimento do PIB, mas o banco ganha sempre.



alf disse...

vbm e Pedro Lopes

Nada a comentar ao que dizem, estamos em sintonia