segunda-feira, outubro 15, 2012

Proibido crescer!

(continuado - aqui o Hans mostra que a crise é propositada)


Há sempre uma razão por detrás de tudo; mas, antes de te mostrar a razão profunda dos problemas que todos os países europeus menos a Alemanha enfrentam, vou-te mostrar os factos que determinaram esses problemas.
A força de uma economia está ligada ao valor do dinheiro total dessa economia. É por isso que se um banco central imprimir dinheiro em excesso, este desvaloriza.

Sim, certo.

Ora bem; este facto óbvio e indiscutível tem outro lado: uma economia para crescer precisa de mais dinheiro. Ou seja, se tiveres um país isolado, o crescimento do seu PIB vai estar associado ao crescimento da sua massa monetária – ou pelo aumento do dinheiro em circulação ou pelo aumento do valor do dinheiro.

Sim, é óbvio; e então?

Repara agora como foi definido o Euro. Um país como Portugal tem de crescer muito para poder aproximar-se dos países mais avançados da Europa, não é?

Claro.

Ora esse crescimento tem de estar associado à massa monetária do país; portanto, esta tem de poder crescer para que o PIB do país possa crescer.

Certo...

Porém, o BCE apenas imprime dinheiro de acordo com uma fórmula associada ao crescimento médio do PIB europeu, nem isso, pois era imprescindível conseguir que o euro não se desvalorizasse face ao dólar, e redistribui esse dinheiro de acordo com a força das economias de cada país. Ou seja, o crescimento da massa monetária em Portugal está limitado ao crescimento médio da economia europeia. Isto implica que Portugal não pode crescer mais do que a média europeia, a não ser que arranje outra forma de aumentar a sua massa monetária.

Sim... estou a perceber, as regras monetárias do euro impedem os países mais atrasados de crescerem mais do que os mais avançados.

Exacto; mas ainda é pior do que isso. Onde é que Portugal pode ir buscar dinheiro? Ou à balança externa ou pedindo emprestado. Mas os países do Euro não se podem proteger das importações. Num mercado aberto, uma economia mais fraca em concorrência com uma mais forte não pode ter uma balança externa equilibrada; logo, a balança externa será deficitária. Logo, o que as regras do Euro determinam é que a massa monetária dos países mais atrasados diminua e, em consequência, o seu PIB.

Mas o PIB não tem diminuído... pelo menos até à crise...

Pois não; e porquê? Porque estes países foram buscar dinheiro para aumentar a massa monetária; onde? Endividando-se! Tiveram de se endividar para compensar o deficit da balança externa e ainda conseguir dinheiro para obter algum crescimento.

Ou seja, no quadro definido, os países mais atrasados estão condenados a endividar-se e estrangulados no seu crescimento.

Fatalmente.

E os quadros de apoio e essas coisas?

Os apoios são estabelecidos visando muito mais o interesse da Europa do que do país; a PAC é um exemplo claro disso, por isso é que os vossos agricultores recebem subsídios para não produzirem. A Europa não precisa que vocês produzam, mas vocês precisam. Ou seja, esse tipo de planos ainda impossibilita mais o vosso desenvolvimento. Agora vão cortar os apoios aos regadios porque a Europa não precisa mas vocês precisam.

E os apoios à indústria?

Foram quase todos absorvidos pelas empresas estrangeiras instaladas no vosso país; ou seja, basicamente, são uma forma habilidosa de os países mais desenvolvidos, especialmente a Alemanha, subsidiar as suas indústrias, violando as regras da concorrência.

Pois, isso eu sei... embora também tenha havido imensa corrupção por cá, grande parte das ajudas foi para aos bolsos de uns quantos...

Bem, quando se aumenta o dinheiro sem correspondentes medidas anticorrupção, esta dispara; esse foi um erro crasso do processo; de qualquer maneira, essas ajudas sempre foram uma maneira de aumentar a vossa massa monetária mas, infelizmente, no vosso caso, logo desperdiçada em importações de tudo e mais alguma coisa, acabando por ter o efeito contrário ao pretendido: afogar a produção nacional em vez de a desenvolver. Mas nisso a culpa é toda vossa, mais ninguém fez tamanho disparate, acho mesmo que vocês devem ter uma anomalia psicológica qualquer, pois ninguém pode ser tão inconsciente assim...

Novo riquismo – procurei minimizar, embora sabendo que ele tem razão; e contra-ataquei:  A Europa protege-se das importações que fazem concorrência aos produtos dos países ricos, mas não aos dos países mais atrasados. Por exemplo, a nossa indústria têxtil enfrenta altas protecções alfandegárias em todos os países do mundo, porque todos se protegem, mas a Europa não estabelece protecção alfandegária à importação de têxteis. Ou seja, a nossa indústria sofre uma concorrência desleal porque é isso que interessa a países como o teu, que não têm indústria têxtil.

O Hans assentiu. Já te disse, as regras europeias visam o interesse da Europa, dominada pela Alemanha e França, e são uma armadilha para os países menos desenvolvidos. Claro que os governantes não têm de ser parvos, e não foram em nenhum país à excepção do teu; todos trataram de proteger a sua balança externa e fizeram-no sem pejo nenhum e sem segredo nenhum. Já te contei que os emissores que vendemos para a Grécia foram pagos em fardos de feno.

Sim, lembro-me disso.

Os gregos são um exemplo de excelente gestão no quadro armadilhado do Euro; conseguiram manter sempre a sua balança externa equilibrada e conseguiram crescer. Cresceram muito, o seu PIB per capita quando a crise começou era 1,7 vezes o português quando não há muitos anos era inferior ao vosso. Os gregos sabem muito bem o mundo em que vivem.

Sim, é um resultado extraordinário

Claro que um tal crescimento do PIB implica endividamento porque não há mecanismos no euro para permitir o correspondente crescimento da massa monetária. Mas mesmo assim o endividamento grego não era nada de muito diferente do dos outros países. Os gregos foram atacados por causa do seu sucesso, por estarem a conseguir crescer demais. Era preciso fazer cair o seu PIB, e é isso que está a ser feito, é por isso que vão para o sexto ano de recessão com o PIB a descer vertiginosamente. O PIB grego tem de cair para metade para ficar de acordo com a massa monetária que a Alemanha quer que a Grécia tenha.

É preciso fazer cair o PIB? Então achas que não é consequência da crise financeira, é propositado?

Claro que é propositado; o ataque às dívidas soberanas acaba no dia em que a Alemanha quiser; este ataque da “praga de gafanhotos” é apenas o instrumento que permite à Alemanha fazer cair o PIB dos países do Sul. A Alemanha não só não o trava como o alimenta e de tal forma que até o FMI já está a ficar em pânico porque o empobrecimento excessivo não lhe interessa.

E porque é que a Alemanha haveria de querer isso?

És cá um ingénuo... mas só tens de te pôr no lugar da Alemanha para perceberes.

Achas?

Bem, vou ajudar-te.

(continua)

3 comentários:

Peter disse...

Li o texto todo. Valeu a pena. Espero pela continuação.
Tenho ouvido economista defenderem a tese das duas moedas: Escudo para o desenvolvimento interno.
Euro para pagar os nossos débitos. É uma asneira, ou uma possibilidade? Certo é que com meninos copo de leite não vamos a lado algum

alf disse...

Peter
Obrigado
Estou inteiramente de acordo, disseste uma grande verdade, "com meninos copo de leite não vamos a lado nenhum"; há que ser pragmático.
Estou inteiramente de acordo com a ideia das duas moedas; já mostrei num post sobre as "memo bills" que foi inventando uma moeda interna que os alemães conseguiram crescer a seguir à 1ª guerra, sob a alçada de uma troika que estava lá para garantir que eles não cresciam - exactamente como nós estamos

Aliás, os alemães, e penso que também os ingleses, usam moedas locais para produzir desenvolvimento local.

Uma moeda única serve o propósito de um projecto europeu único; mas não é esse caso, não prescindimos dos países, da mesma maneira que as cidades do interior não prescindem de existir; o objectivo não é a máxima eficiência

(se fosse, concentrava-se a população toda numa cidade e poupava-se imenso dinheiro em estradas, electrificações, assistência médica, juntas de freguesia, camaras, deputados, etc); e aumentava-se o horario de trabalho para 15 horas diárias, eliminava-se férias e feriados... eliminava-se os excedentários.. e depois ia tudo à falência porque não havia consumo para tanta produção...)

UFO disse...

Obrigado alf pela clareza com que mostras a raíz do problema.