quarta-feira, outubro 24, 2012

A saída da crise (1)

No banho solucionou o Arquimedes o seu problema "impossível". A lição: todos os problemas têm solução (imagem da Wikipedia)


Embora a conversa com o Hans seja importante para se compreender a crise (como eu a entendo), parece-me conveniente apresentar já a solução que resulta desse entendimento; para que se não comece a defender soluções erradas que depois podem agravar o problema e torná-lo impossível. Depois continuarei com o Hans.

Então lá vai

Na última conversa com o Hans já mostrei que crescimento económico e dinheiro disponível estão associados; como estamos presos ao euro, isso não pode ser conseguido por valorização da moeda, portanto só pode ser conseguido por aumento da massa monetária. Esse aumento tem sido conseguido recorrendo a empréstimos ao exterior, que deveriam ser pagos pelo saldo da balança externa; mas esta tem sido deficitária por causa da enorme incompetência de toda a gente neste país com responsabilidades no assunto e ainda pela fuga de capitais para o estrangeiro. Agora, temos de arranjar dinheiro mas não podemos pedir emprestado e não podemos depender do saldo da balança que mesmo que se torne positivo será sempre demasiado pequeno para essa função.

Portanto, notemos o primeiro problema: arranjar dinheiro sem pedir emprestado.

Agora, notemos outra coisa: não podemos deixar de pagar a dívida; se os mercados tiverem qualquer suspeita de que a nossa dívida pode não ser paga, não emprestam mais um tostão.

A capacidade de pagar a dívida é o nosso grande trunfo nesta altura. Admiram-se? Então reparem:

Contrariamente ao que pensam, a Alemanha deve estar com graves problemas. O enorme saldo da balança externa alemã não fica na Alemanha, vai logo para offshores; e paga impostos na Holanda. Enquanto a generalidade dos empresários portugueses apostam em Portugal, querem viver cá – exceptuam-se é claro as multinacionais e o Pingo Doce – o empresários alemães não querem saber disso, querem é ganhar o máximo, por isso a fuga de capitais deve ser imensa. O resultado disso é que o nível de vida dos alemães é muito inferior ao que se esperaria de um país supostamente tão rico. Como é que a Merkel explica isto aos alemães? Arranjando um culpado. Não é novo, no passado culparam os judeus de ficarem com o dinheiro, hoje culpam os países do Sul, esses preguiçosos, inúteis, que vivem à custa deles e os condenam a uma vida remediada. Para os alemães, nós estamos hoje no lugar dos judeus do século passado.

Mas há mais: a crise dos bancos é tanto maior quanto maior o banco; porque quanto maior, mais se envolveu em processos especulativos. Ou seja, o Deutsch Bank deve ter um buraco imenso e o mercado já percebeu isso.

Contrariamente à ideia propalada, os juros não são proporcionais ao risco de incumprimento; os juros são função da capacidade negocial. É isso que as agências de rating medem. Se os mercados suspeitam que há o mais pequeno risco de incumprimento, não emprestam. Pura e simplesmente. Ou então aplicam juros para cima de 30%. Os nossos juros dispararam porque ficámos sem qualquer capacidade negocial. Com a corda na garganta. Os alemães conseguem empréstimos com juros até negativos, porque têm alta capacidade negocial (ou porque a Merkel manda os bancos alemães procederem assim) mas, por outro lado, não há quase ninguém a querer emprestar à Alemanha, ao contrário do que acontece com Portugal.

Portanto, obtermos empréstimos com juros baixos depende unicamente de duas coisas: de os mercados saberem que pagamos e de termos capacidade negocial (claro, há também procedimentos “por debaixo do pano”, como persuadir os bancos nacionais a acorrer aos leilões de dívida...).

Aqui está o segundo problema: adquirir capacidade negocial. Parafraseando o Salazar (citado pelo vbm num comentário ao post anterior):

"Haveremos de pedir emprestado, não como quem pede uma esmola, mas como quem propõe um negocio."

Isto não significa que tenhamos de ficar agarrados à troika; a solução não passa por aí; a troika foi um erro (que o Sócrates bem quis evitar…) e dela temos de nos livrar; mas livrarmo-nos da troika é uma coisa, não pagar a dívida é outra. Nós pagamos, não somos caloteiros, não ficamos a dever nada a ninguém.

(embora haja aí umas dívidas que precisam de ser escalpelizadas, mas isso é outro assunto, importantíssimo mas diferente; nomeadamente, porque haveremos de pagar um balúrdio à troika pela seu trabalho de “assistência” se ela falhou todas as suas previsões e nos deixou pior? Não só não devemos pagar essa fatia dos encargos com a troika como deveriamos pedir uma indemnização pelos prejuízos causados; e porque haveremos de pagar os biliões do BPN e do BPP? Esse problema é da banca, ela que o resolva, que se solidarize, não é nosso!) A propósito, ver este texto importante

São estes os dois problemas que temos de solucionar para resolver o problema financeiro; mas depois temos o problema económico e social para resolver

Quanto ao problema económico, notemos o seguinte; hoje em dia basta ter uma pequena percentagem da população envolvida na produção de bens transacionáveis; foi para isso que se fez o progresso, para que nos pudéssemos dedicar a outras coisas, como arte, ciência, saúde, educação, lazer, etc, etc; mas da maneira como as coisas estão organizadas, a produção de riqueza não especulativa está concentrada nos bens transacionáveis; esta riqueza é depois redistribuída através das outras actividades.

Ou seja, a cada emprego na produção de bens correspondem uns 5 noutras actividades; cada empresa de 100 trabalhadores que fecha vai implicar o desemprego de 500 pessoas nas outras actividades; e o desemprego faz baixar o consumo  e isto leva a fechar mais empresas com o correspondente coeficiente multiplicativo de desemprego.

É por isso que na economia de hoje a recessão se torna rapidamente de crescimento explosivo; a austeridade determina fatalmente uma implosão da economia. Mas nem todos perdem: as empresas estrangeiras não são afectadas porque não produzem para cá e passam a beneficiar de mão-de-obra muito mais barata. Como não há emprego, as pessoas aceitam ordenados mais baixos; o Estado, por outro lado, cai na asneira de subsidiar os postos de trabalho.

É sabido que as empresas estrangeiras manobram no sentido de causar recessão económica onde se situam; é por isso que todos os países, menos os do Sul da Europa, não autorizam empresas em que o capital nacional não seja maioritário ou de alguma forma o capacidade do país em intervir na empresa esteja assegurada. Em parte nenhuma do mundo, nem sequer em África, só mesmo aqui. Por cada posto de trabalho que criam destroem uma data deles para lhes garantir o fornecimento de mão de obra barata. 

Estas empresas beneficiam duplamente da baixa de ordenados porque depois fazem como a Autoeuropa, que leva os trabalhadores daqui para a Alemanha com os ordenados daqui, torneando os sindicatos alemães. Não se trata de uma “circulação de trabalhadores”, como dizem: não vêm trabalhadores da Alemanha para cá, só vão daqui para lá.

Portanto, o terceiro problema é aumentar a produção de bens para o mercado interno; é isso que vai gerar postos de trabalho em cadeia e porque gera redistribuição de riqueza através do consumo – os lucros das que exportam vão para o estrangeiro e para elas quanto pior for a situação, melhor.

Temos pois 3 problemas a que responder. No próximo post apresento a minha proposta de solução, mas podem ir desde já pensando nisto e dando sugestões.

8 comentários:

vbm disse...

Boa analise, alf. E nos padroes da ciencia economica, a meu ver. No entanto, os capitais que saem de um pais para paraisos fiscais, presumo que nao rendem grande coisa em tais paraisos, pelo que continuam na ansia constante de buscar aplicaçoes rentaveis em qualquer ponto do planeta, ou, o mais provavel mas pouco fixo, girando de negocio em negocio, em risco elevado, ateh ah falencia final...

UFO disse...

notícias más ? as próprias notícias ainda agravam o cenário ?

Billionaires Dumping Stocks, Economist Knows Why
http://www.moneynews.com/Outbrain/billionaires-dump-economist-stock/2012/08/29/id/450265?PROMO_CODE=103FC-1
com link a uma entrevista assustadora em vídeo.

alf disse...

vbm

Obrigado.
O dinheiro dos offshores pode entrar num circuito económico paralelo que não tem nada a ver com vida de 90% dos cidadãos. Os ricos estabelecem uma economia só deles - iates, mansões de luxo, resorts de luxo, hoteis de luxo, etc. Esta economia representa poucos postos de trabalho e pouca saída de dinheiro para fora do circuito dos muito ricos.

Se tivesses uns milhões de euros num offshore, ias fazer o quê? Investir ou usufruir?

Mas há uma parte que é como dizes - os fundos de pensões, a banca, tem de continuar a investir; num cenário recessivo, isto vai desabar; e depois ou se consegue estoirar com o valor do dinheiro e se faz um reset ao sistema, ou se estabelece uma sociedade de senhores e escravos, bipolar, com uns quantos muito ricos e uma imensidão de pessoas no limiar de sobrevivência. Penso eu de que...

alf disse...

UFO

Isso não é propriamente uma má notícia para o comum cidadão, que não possui acções da bolsa. Há uma bolha especulativa e ela tem de rebentar; quem usufruiu dela foram os especuladores e o adequado é que a bolhar lhes estoire nas mãos; esta política de austeridade é a tentativa deles de porem os outros a pagarem a bolha; e só não vão levar a deles avante porque isso é impossível, a bolha é demasiado grande, terá mesmo de lhes estoirar nas mãos; porém com estas políticas de austeridade, eles vão conseguir uma coisa: continuar mais ricos que os outros.

Anónimo disse...

Caríssimo,
Descobri o teu blog e gostei muito de o ler. Estou á espera do resto da conversa com o Hans. Espero que com a cerveja não te tenhas esquecido da parte final da conversa. Creio que as ideias que apresentas aqui como solução estão certas. O FMI tem de ser responsabilizado e Portugal deve ser indemnizado. Mas para isso seriam precisos políticos a sério, que estivessem a trabalhar para os interesses do país e não para a banca externa, FMI e seus interesses. Como diz o teu o amigo Hans, de facto, os Portugueses, de uma forma geral, têm um problema psicológico qualquer, que consiste em não perceber, não enxergar absolutamente nada do que acontece no seu país (alguns chamam-lhe ignorância e desconfio que seja o caso) mas não é isso que se passa com os políticos Portugueses. Esses são tal e qual o FMI, não é por incompetência que falham e erram nas políticas. As políticas que eles querem realmente levar a cabo e não as promessas eleitorais são sempre bem sucedidas. Vejamos como Durão Barroso, Vitor Constâncio, entre outros, foram sempre promovidos no estrangeiro por terem servido os interesses de entidades externas em detrimento dos interesses do país que deixam cada vez mais arruinado. Não é uma questão de incompetência. É uma questão de objectivos. Mas só temos tido essa classe política porque os Portugueses de uma forma geral têm consentido e deixado se enganar por ela. E não aprendem com os erros. Assim como a crise mundial. Não foi incompetência, nem ganância nem resultado da competitividade bolsista. A finança e a economia são armas políticas. Elas servem para alterar leis, para mudar o mapa político, originar guerras que alteram mais leis e ainda mais o mapa político. Ninguém me tira da ideia que se está a querer cada vez mais unificar a Europa, centralizar ainda mais o seu poder. Durão Barroso já falou que se deve evoluir para uma federação de Estados Nação. E uma vez alcançado isso, surgirão mais problemas, manipulados pela plutocracia, que justifiquem a sugestão de novas medidas visando uma maior perda da soberania dos Estados. Um dia, eventualmente, Portugal deixará na prática de ser um país com a sua respectiva soberania, mas uma região dos Estados Unidos da Europa ou Estados Europeus Unidos. Mas quanto ás soluções para sair da crise, se tivessemos um governo honesto no poder, seria em primeiro lugar a tua sugestão: responsabilizar o FMI e processá-lo pelos danos causados e não são poucos. Seria muito difícil encontrar uma entidade neutra, imparcial e com força suficiente lá fora para o fazer. No fundo não existe. Esse governo iria encontrar resistência e retaliações como castigo. Mas esse passo teria de ser dado para justificar o cessar imediato das políticas de austeridade. O governo teria de ser forçosamente composto por BE e PCP, partidos que não assinaram nem se comprometeram com o acordo. Mas os Portugueses têm medo e falta de coragem, não sei porquê, de votar nesses partidos. Talvez os achem utópicos e irrealistas. Não sei. Clamam mais depressa saudosamente por um novo Salazar do que votam na verdadeira esquerda. O Hans tem de facto razão, com imenso desgosto meu. Supondo que esta primeira etapa era levada a cabo, de seguida seria preciso coragem política para se iniciar políticas produtivas internas que desobedecessem ás normas e directivas europeias que restringem a produção nacional. Seria preciso baixar os preços para desvalorizar a moeda, mesmo sem austeridade, para aumentar o poder de compra e dinamizar a economia interna, a produtividade, o pequeno-investimento e a competitividade. Com austeridade então, desvalorizar a moeda torna-se quase tão fundamental como respirar para viver e naturalmente vai começar a acontecer. De outro modo só pode ser esperada recessão. E agora vou jantar enquanto tenho algo que comer. Espero voltar á conversa com mais sugestões e troca de ideias e ler brevemente o resto da novela Hans - O Alemão consciente. :) Bem-haja!

António da Cunha Duarte Justo disse...

Parabéns, obrigado!
Os USA conseguiram a união com guerra. A EU tem-se indo a afirmar na luta económica.
Seria fatal se a EU fosse dividida em duas zonas: a nórdica e a latina. A nórdica tem que investir nas zonas da periferia se leva a sério a construção dos Estados Unidos da Europa.

alf disse...

Paulo Monteiro

Agradeço-te o apoio. Temos que juntar as meninges para ver se encontramos saída para isto.

Eu já pensei que havia um objectivo de destruir a soberania dos estados para melhor poder erigir uma europa unida; mas já não penso assim, como verás pelo post seguinte.

Penso que isto é um ataque dos mais ricos dos ricos que tentam construir uma sociedade dominada por eles. Não há aqui objectivos de construir coisa alguma, fazer evoluir a sociedade; há apenas a ganância desenfreada dos mais ricos dos ricos que sonham ser Marajás.

O post seguinte corresponde ao que dizes, ao propor novas formas de dinheiro para o mercado interno. A economia assenta no mercado interno, mesmo nos EUA ele representa 70% do PIB. No terceiro post desta série exporei o que penso sobre a dinamização do mercado interno.

Retomarei o Hans depois de expor a minha solução para a crise porque depois se compreenderá melhor o que ele quer dizer; por exemplo, porque é que ele quer que os portugueses salvem os alemães... porque não são os alemães que estão por detrás disto, são os ricos, e os alemães são a carne para canhão ideal para os ricos, muito fáceis de manipular. Aqui, de vez em quando alguém tentar por continentais e madeirenses em conflito mas não resulta; com alemães resultava num instantinho e esse é o problema.

Abraço

alf disse...

António Justo

é um privilégio comentar o meu modesto post. Agradeço-lhe.

Como se vê pelo post seguinte, já me deixei de ilusões acerca de haver um propósito de construir uma europa; hoje penso que há uns gananciosos que querem dominar o espaço europeu e andam a pôr nórdicos contra os povos do Sul para melhor conseguirem o seu objectivo. Identificar o inimigo é essencial para sabermos contra quem os tiros têm de ser disparados e para obviarmos às suas manobras de divisão e manipulação dos que lhe podem fazer frente.

Abraço