quarta-feira, maio 09, 2012

O que a Economia e o Desporto têm de comum? - 1


Uma coisa que nos caracteriza é o nosso instinto competitivo; estamos sempre prontos para competir seja em que área for; somos uma espécie de galos de combate.

Enquanto acharmos que podemos ganhar, competimos. É por isso que não dispensamos os joguinhos de computador. Competimos nos jogos e competimos em tudo o que tem a ver com a vida: competimos para sermos o mais popular, competimos pelo emprego, para sermos ricos, para ter o parceiro (a) mais interessante, o carro melhor, a casa mais agradável, etc. Claro que cada um de nós não anda a competir em todas as frentes, mas há sempre uma ou outra em que concentramos a nossa competitividade. A “boa educação” é, em parte, sabermos controlar as nossas reacções competitivas fora de contexto.

Eu distingo dois tipos de competição: a primária, que visa o nosso exclusivo interesse, e a secundária, que serve também os interesses dos outros – exemplo desta segunda é o desejo de ser o mais útil, de contribuir para a máxima felicidade do nosso parceiro (a), etc.

O desporto é uma criação humana que representa o quadro mais perfeito de competição primária que conseguimos conceber. E esse quadro tem uma característica fundamental: está organizado de tal maneira que todos os competidores (os atletas) tenham, em princípio, as mesmas possibilidades de ganhar. Isso reflete-se, por exemplo, no facto de o desporto estar dividido por níveis, idades, sexo e, nalgumas modalidades, por peso.

Uma modalidade é o futebol profissional; ora bem, neste quadro de competição definido com tantos cuidados de igualdade, o que acontece? Acontece que se estabelece uma enorme desigualdade naquilo que os jogadores ganham: tal como na economia a que pertencemos, o 1% dos jogadores mais bem pagos arrecadam uma fatia enorme das receitas totais do futebol; e uma fatia cada vez maior.

Apesar das abissais diferenças de salários, um clube mais pobre pode ainda ganhar uns joguitos a clubes maiores – a razão é que a diferença de qualidade em valor absoluto é pequena. A diferença de ordenados é que é enorme porque não interessa quanto vale a diferença de um jogador para outro em valor absoluto mas apenas em valor relativo – o jogador que pertence ao lote dos 1% melhores adquire uma imensa cotação de mercado e vale imenso dinheiro porque há muito dinheiro no mundo actual e essa pequena diferença que ele dá à sua equipa permite a esta ganhar imenso dinheiro.

Esta é uma característica incontornável de um sistema de competição primário: as pequenas vantagens pagam-se a peso de ouro e a desigualdade na distribuição das recompensas cresce sempre.

Sendo os recursos limitados, esta tendência dos sistemas competitivos faria desaparecer os mais fracos, ou seja, os clubes mais pequenos; só que o futebol não pode reduzir-se aos 3 ou 4 maiores, não é verdade? Contra quem jogariam eles? Então, o sistema de futebol tem de manter os clubes pequenos e por isso tem de ter um sistema de redistribuição de receitas que os aguente ou acaba-se o futebol.

Um sistema competitivo primário tende para um vencedor que elimina todos os outros. Aplica-se-lhe a frase do filme Duelo Imortal (Highlander): “no final só pode haver um”. Para manter indefinidamente um sistema assim, só há duas maneiras: ou o “jogo” recomeça sempre que chega ao fim ou existem mecanismos que beneficiam os que ficam para trás e vão reequilibrando a competição.

Vejamos agora a Economia
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O objectivo da Economia é maximizar a produção de riqueza; a solução capitalista é o uso da competição. No entanto, como já se viu, esta competição tem de ser regulada para que não se termine.

Consideremos o caso dos fabricantes de automóveis – dos inúmeros que existiam há meio século, hoje o número de fabricantes independentes conta-se pelos dedos (embora cada um deles apresente várias marcas) e, deixando as regras da competição pura funcionar, num futuro não muito distante existirá um único dono de toda a indústria automóvel (será, provavelmente, um grupo chinês...). Ora a competição findava-se nesta altura e isso não pode acontecer. Portanto, a Economia tem de contemplar mecanismos que impeçam o fim da competição e isso é basicamente, por um lado, estimular o aparecimento de novos competidores e, por outro, limitar o crescimento dos maiores, nomeadamente impedindo aquisições, fusões, cartelizações e mesmo cindindo empresas. É necessário, portanto, uma acção de regulação. Saber quanta regulação aplicar é que não é fácil – se esta for excessiva, abafa a competição e diminui a produção de riqueza; se for de menos, dispara a desigualdade e cai-se na situação do futebol em que os clubes pequenos abririam falência e os grandes deixavam de ter contra quem jogar. Como equilibrar a regulação com a desregulação?

Isso poderia ser feito “científicamente”, para isso existem múltiplos índices que permitem saber em que direção actuar. Porém, definir o ponto de equilíbrio é um assunto político; e como se resolve isso por via política?

(continua)

7 comentários:

Diogo disse...

Vou esperar pela continuação mas quer-me parecer, logo à partida, que o paralelo que você faz entre desporto e economia não é o mais feliz.

Os grandes (e pequenos) clubes vivem da competição. Interessa-lhes que haja muitos outros clubes da mesma igualha. Quanto mais forte o adversário, mais receitas têm.

Quanto às empresas, o seu sonho é serem monopolistas. Quanto mais monopolistas forem, e menos competição tiverem, mais dinheiro ganham.

N’est-ce pas?

alf disse...

Diogo

Exactamente; o exemplo do futebol é bom porque é óbvio que a regulação é indispensável; tão óbvio que não é preciso nenhuma entidade externa ao futebol que a imponha.

Já no caso da Economia, isso não é óbvio excepto para alguns iluminados como o Warren Buffet que pediu para deixarem de mimar os super-ricos e explicou que era preciso que redistribuíssem o dinheiros ou acabava-se o jogo; é por isso que no caso da economia é preciso que o Estado exerça regulação sobre a Economia.

isso tornou-se impossível com a globalização e é por isso que é preciso acabar com ela: o poder económico tem de estar sempre subordinado ao poder político. Globalização só quando a política também for global.

Na europa, temos o poder económico a dominar o político... o absurdo dos absurdos...

Diogo disse...

«O poder económico tem de estar sempre subordinado ao poder político. Globalização só quando a política também for global. Na Europa, temos o poder económico a dominar o político... o absurdo dos absurdos...»


É habitual confundir poder económico e poder financeiro. Tal deve-se ao facto de muitas empresas serem propriedade do poder financeiro. Mas adiante:

É o poder financeiro que controla tudo: Estados, Empresas e famílias – cedendo ou recusando crédito, regulando os preços criando inflação ou deflação e apoderando-se dos bens com dinheiro que eles criam do nada.

Só há uma hipótese – desmantelar o actual sistema financeiro mundial e substituí-lo por umas finanças totalmente controladas pelos cidadãos.

alf disse...

Diogo

Sim, o grande drama de momento é o poder financeiro; mas não sei se se pode dissociar do resto, financeiros e industriais estão intimamente interligados; em minha opinião, quem alimenta as bolhas especulativas são essencialmente os industriais e quem lucra com o empobrecimento são também eles, na sua busca incansável de mão-de-obra barata; os financeiros inventam processos de sugar o mais possível a riqueza existente mas o que causa a crise é o crescimento da desigualdade, que é promovida tanto por financeiros como por empresários.

Estou de acordo consigo sobre a necessidade de reformulação do sistema financeiro; mas o problema não tem solução no quadro actual; porque veja: a banca tem de emprestar às empresas, sejam pequenas ou grandes, pois no actual mundo competitivo quem estiver a trabalhar só com capitais próprios não tem "músculo" para aguentar a concorrência; mas grande parte das empresas vão entrar em dificuldade - "só pode haver um", não é? Então os bancos vão perder esse dinheiro, ou vão ficar com as empresas em quadros complicados e crises sobre crises vão ocorrer.

A economia competitiva funcionou muito bem quando havia falta de recursos, pois a generalidade das empresas podia ser bem sucedida, mas hoje vivemos numa fase diferente, onde se produz a mais e o que se faz é a concentração das empresas; isto equivale a um processo recessivo a nível dos capitais das empresas. Isto tem de ser parado, grande parte da economia tem de ser estritamente regulada.

Já que você tem tido a amabilidade de me aconselhar livros, deixo-lhe a indicação de um que o UFO me emprestou: As Dívidas Ilegítimas, de François Chesnais; estou a achar interessante e agradável de ler.

Diogo disse...

Então, Alf?

Adormecemos ou estamos a estudar finanças (for dummies)?

vbm disse...

A questão mais interessante levantada pelo alf na conversa anterior foi a lei da concentração crescente da riqueza e agravamento da desigualdade.

Na verdade, partindo de uma desigualdade inicial, a repartição do rendimento e da riqueza agrava-se no tempo porque o ritmo de crescimento dos mais ricos tende a ser maior do o ritmo de desenvolvimento do bem estar das classes média e pobre.


Países de grande desigualdade, como é o caso de Portugal e dos Estados Unidos, a tendência é escandalosamente gritante e pode desembocar em grave convulsão social.

Porque, na verdade, como o endividamento desastroso a que países como o nosso, a Grécia e a América chegaram, a possibilidade de melhoria de vida que remanesce é mesmo a da revoulção política e redistribuição social do rendimento.

De facto, aplicando ao crescimento do PIB anual taxas diferenciais de progressão geométrica do rendimento dos mais ricos versus a dos mais pobres e de médio rendimento, em três, quatro ou cinco décadas, qualquer diminuta desigualdade de partida, reverte na mais desigual repartição da riqueza, tudo o mais constante, i.e., se nenhuma revolução não põe cobro ao movimento.

Claro, que isto não significa desconhecer a diferença entre uma sociedade de classes e uma sociedade de castas. Há mobilidade individual — e até grupal!, penso, p.e., o caso dos retornados, promovidos pela travessia do equador, de sul para norte, ocupando generalizadamente cargos na banca, nos serviços públicos, na indústria e no comércio, sempre com preferência sistemática em relação aos ‘metropolitanos’! :) — por razão da instrução, do trabalho e poupança, do jogo, de casamento, herança, doação, também de prostituição, roubo, corrupção, e modos assim de ‘acumulação primitiva’, depois reconvertidos em inserção social legitimada.

No entanto, para lá do movimento atomístico da liberdade e narrativa individuais, a classe possidente acumula no tempo riqueza crescente em detrimento da classe média e proletária. Polticamente, é imperioso que a sociedade mantenha actuante mecanismos de redistribuição do rendimento e, sobretudo, crie ou recrie condições de igualdade legal e social entre os cidadãos, no que a instrução pública, a educação cívica e os cuidados de saúde, independentes do rendimento são o meio de preservar a coesão social.

Criticável, é o modo como a América camuflou a queda de rendimento do seu proletariado, desde Reagan a 2007, através da expansão de crédito ao consumo, a compensar a redução da proporção salarial no rendimento nacional, e a irresponsável vigarice de endossar tais créditos sobre indigentes de banco para banco, instituição para instituição, aquém e além fronteiras continentais, com o marasmo em que todos estamos mergulhados há já cinco anos!

alf disse...

vbm

Inteiramente de acordo!

Agora, experimente explicar isso a pessoas com formação em economia ou finanças e terá a sensação de estar a explicar a um crente que deus não existe - porque essas pessoas vão-se recusar liminarmente a aceitar que possa ter razão, vão recusar todos os cálculos que possa apresentar porque vivem na crença de que o sistema neo-liberal é perfeito e se alguma coisa falha não é culpa do sistema mas de pessoas que o violam - por exemplo, a Lagarde já descobriu a causa do problema grego: é por os gregos fugirem aos impostos!!! Mas é claro, os impostos é aquilo que os pobres têm de pagar ao Estado, que é uma coisa que só interessa aos pobres, não é verdade? - os ricos naturalmente não têm de pagar impostos, o Estado é algo que só os incomoda... Portanto, se os Estados estão falidos, a culpa é dos pobres, que não tomaram conta do que lhes interessava.. Lógico, não é?

Quanto aos EUA, não pense que foi só lá; eu estou convencido que mais dia menos dia há de vir ao de cima as verdadeiras contas do Deutch Bank que devem ser tão boas como as do Bankia - todo o sistema financeiro fez o mesmo e todos eles devem estar com a corda na garganta, estão só a ver se escondem a situação enquanto tentam resolvê-la por debaixo da mesa - à custa de toda a gente.