quinta-feira, janeiro 19, 2012

Como deixamos de ser "lixo"




A figura acima, que me chegou via email mas sem referir a origem (as minhas desculpas ao autor, que não sei quem é) mostra bem que os ratings das agências financeiras não são ciência oculta nem ataques ao euro nem manipulações políticas; são simplesmente a tradução do estado da balança de pagamentos, como referi no post anterior. Podem ver aqui que há mais quem pense assim. Portanto, deixar de ser "lixo" é resolver o problema da balança de pagamentos:  passar a ter um fluxo positivo do dinheiro que entra no país. Para isso, há que reduzir importações, saídas de capital, e aumentar as exportações e as entradas de capital.
Parte do problema deve-se às regras actuais, por isso há quem aconselhe a cortar as importações oriundas da Alemanha, para criar sobre ela uma pressão que eleve à adopção de condições mais equilibradas. Isso é uma verdade, mas não é só isso: grande parte do problema resulta de os alemães serem uma sociedade onde os interesses da sociedade são prioritários e nós  sermos um balde de gente onde os interesses individuais têm a primazia. O colectivo é sempre mais forte do que o indivíduo.

Mas vejamos o que podemos fazer de imediato enquanto não resolvemos o nosso problema de fundo.

Quanto às importações e saídas de capital

A ASAE fez finalmente algo que devia ter feito há muito – atacou os produtos importados em dumping.

Os espanhóis e os franceses há muito que exploram este país de parvos. Fazem assim: os preços nos seus países são mantidos adequadamente altos, controlando as quantidades de produtos alimentares que colocam no mercado, nomeadamente fruta e peixe (no caso dos espanhóis); depois os excedentes mandam para Portugal a qualquer preço, arruinando a produção nacional. E malta vai a correr comprar o peixe espanhol à lota ou ao supermercado, sem questionar como é que o peixe espanhol se vende mais barato em Portugal do que em Espanha, ou comprar o leite a 13 cêntimos no Continente sem se questionar que leite é esse que é mais barato do que a água.

O nosso clima também é descaradamente explorado com a construção de aldeamentos e hotéis estrangeiros, o que permite a alemães e ingleses virem passar férias ao algarve sem deixarem cá um tostão. Porreiro pá! É preciso sermos ceguinhos de todo.

E isso traz-me ao terceiro aspecto: o negócio que os pequenos países do norte da europa exploram, que consiste em cobrarem uma taxa pequenina para as empresas enviarem os seus lucros para offshores. Ora diz o ditado que se não podes lutar com eles, junta-te a eles. Portanto, temos é de fazer o mesmo: copiar a legislação holandesa ou irlandesa e fazer o esquema com o offshore da Madeira.

Isto é o que o Governo tem de fazer; tem de fazer mas não fará, é claro; e cada um de nós? É fácil, é só fazermos o mesmo que os outros povos: não compramos produto estrangeiro a não ser que seja indispensável e não haja nenhum produto português alternativo.

Porque, entendamo-nos: o que arruinou o país não foram as obras públicas, as autoestradas, os hospitais – isso foi feito com grande incorporação nacional e comparticipação de fundos europeus. As reparações que eu faço cá em casa não me empobrecem, pelo contrário. O que empobrece são a compras ao estrangeiro – são os carros, os telemóveis, etc, etc; são os lucros das empresas de telecomunicações que são exportados, são os lucros fabulosos da EDP que vão passar a ir para a China, etc, etc.

Portanto, em grande parte, o responsável por esta situação é o nosso perfil de consumidor. Esta é uma diferença fundamental entre norte e sul: os povos do norte são ensinados de pequeninos a não comprar o produto estrangeiro. Fazem esse sacrifício. Nós é que não estamos para isso, era só o que faltava! e enganamo-nos com teorias pseudo-liberais para podermos fechar os olhos à realidade.

E quanto às exportações?

É passarmos a consumir mais produto nacional; isso fortalece as empresas nacionais e aumenta a sua capacidade de exportar. Nenhuma empresa existe cá se não tiver mercado interno (a não ser que pretenda explorar mão-de-obra escrava, o que cá é cada vez mais fácil e noutros lados mais difícil).

Em resumo, se nós agirmos a pensar no nosso interesse individual imediato, estaremos todos lixados. Essa é a grande armadilha dos poderosos: pôr os pequeninos a pensarem que é lícito, normal, conveniente, agir no seu interesse pessoal. Isso até funciona um pouco no tempo de vacas gordas, mas leva às vacas magras e depois ao desastre total. Os poderosos deste mundo associam-se em maçonarias, partidos, cartéis e mais entidades secretas; e é assim que facilmente fazem o que querem neste mundo de zés onde cada um puxa a brasa à sua sardinha. É por isso que os povos do norte não caem nestas armadilhas, pois lá o povo sabe o que tem a fazer, é uma comunidade, é uma “maçonaria”; as obrigações dos portugueses uns com os outros são iguais às dos irmãos duma maçonaria. Ou percebemos isso ou vamos ser riscados do mapa, merecidamente, porque as sociedades não se constroem com pessoas que não têm consciência colectiva.

Bem, caros leitores e amigos, tenho uma má notícia: esta negociata da dívida soberana vai em breve desaparecer para dar lugar a outra muuuuito melhor; no próximo post.

6 comentários:

UFO disse...

Meu amigo...
Mas que mais más noticias se avizinham?
Estranhamente a palavra 'capcha' que me é pedida para inserir o comentário é 'ashes' i.e. Cinzas.
Mas eis que algo correu mal e a nova palavra é 'exurat' que em latim será 'queimar'. Significativo ?

alf disse...

UFO

hehe.. o programa de geração de palavras às vezes parece que foi feito por um brincalhão.. também já me têm saído coisas divertidas.

As más notícias suceder-se-ão enquanto vivermos num sistema como o actual; mas nunca serão demasiado más porque isso não convém ao sistema. Como verás, a crise da divida soberana vai estar resolvida pelo fim do ano e provavelmente ainda iremos recuperar o 13º e 14º mês dentro de 1 ano ou 2; porque a seguir a esta golpada já está outra na forja.

alf disse...

acabei de ver coisas interessantes aqui:

http://ppplusofonia.blogspot.com/2012/01/netos-vao-pagar-factura-escondida-dos.html

Tem mais posts sobre o problema da balança de pagamentos

Diogo disse...

Não seja ingénuo Alf.

Lembre-se dos bancos americanos que tinham um rating de AAA num dia e faliram no dia seguinte.

Por outro lado, você ainda não reparou que quanto mais desce o rating de um país mais sobem os juros dos empréstimos que os governantes corruptos vão pedir?

Olhe para o gráfico – o que é que acontece primeiro? A descida do rating ou a subida dos juros?

alf disse...

Diogo

Como já tenho dito, somos muito mais burros do que pensamos; a burrice associada à cupidez são a causa destes problemas todos e continuarão a ser enquanto não percebermos que as coisas não se autoregulam no sentido do interesse colectivo.

O Rendeiro lançou o livro sobre o seu sucesso na véspera do seu banco falir; o Banco de Portugal, cujos excelentes gestores e pessoal merecem inteiramente os seus 14 meses de salário pagos por nós, tb dava AAA ao BPN; as agências de notação são tão burras como tudo o resto porque funcionam com .. humanos...

Mas dar ratings em função da balança de pagamentos é coisa óbvia e é isso que elas fazem. Claro que quando baixam os ratings os juros tendem a subir. Acabo aliás de ver um documentário da BBC na SIC notícias que explica por aí toda a actual crise, portanto, isto que parece ser novidade aqui já é tido como certeza nos outros lados.

Note que o gráfico não é a relação entre juros e déficit, são o saldo da Alemanha e o déficit dos PIGS; click no gráfico para o ver inteiro, a legenda à direita não está a aparecer.

Abraço

PPP Lusofonia disse...

Sim, o nosso principal problema é o défice externo. O o nosso défice comercial não poderá reduzir-se enquanto não se reduzir o superavit comercial dos nossos parceiros, como pode ver no blog PPP Lusofonia http://ppplusofonia.blogspot.com/2011/12/eurozone-crisis-tests-limits-of.html

Mas Portugal também tem um problema interno de demasiados investimentos de baixa produtividade, de estradas sem tráfego, de rotundas no meio das vinhas, tudo facilitado pelo financiamento externo.

Numa coisa estamos de acordo, a união faz a força.
"we all hang together, or we will hang separately".