domingo, dezembro 11, 2011

Para acabar com alguns equívocos fundamentais - I

A importância da NEGOCIAÇÃO

Depois de umas acaloradas discussões com ilustres amigos, pareceu-me oportuno fazer uns textos a esclarecer alguns equívocos correntes e que tornam impossível qualquer entendimento da actual crise; aqui vai o primeiro ponto.

O que controla os preços não é a concorrência, é a NEGOCIAÇÃO

A generalidade das pessoas tem a ideia que o facto de existirem várias empresas a operar no mesmo mercado conduz a preços mínimos dos produtos e serviços; isso é um enorme equívoco.

A concorrência só se faz a nível da qualidade dos serviços e produtos fornecidos pelas empresas, não a nível dos preços.

Pensem no seguinte: se uma empresa resolver baixar os seus preços, o que vai acontecer? Vai aumentar as vendas? Não, o que vai acontecer é que as concorrentes vão também baixar os preços. Isso é uma coisa fácil de fazer, faz-se de um dia para o outro. Então, a sua quota de mercado vai manter-se mas os seus lucros vão diminuir. Uma estupidez, não é? As empresas que estão no mercado não são estúpidas, se fossem já tinham falido. Então a sua estratégia é convencer os consumidores de que oferecem mais pelo mesmo preço ou até por um preço mais alto – assim aumentam a sua quota de mercado e aumentam os seus lucros. Esta é que a estratégia ganhadora.

Quando surge uma nova empresa, esta, necessariamente, não tem a imagem de qualidade, a credibilidade, das que já estão no mercado. Então, a única forma de entrar é praticar preços mais baixos. Porém, isto não vai fazer descer os preços, porque o seu preço vai estar conforme a sua imagem de qualidade. Se esta nova empresa conseguir manter-se no mercado, ela irá subir os seus preços para os valores das outras, à medida que for afirmando a sua imagem de qualidade. Ou então opta por ter preços baixos e qualidade baixa porque descobre aqui um nicho de mercado.

O preço praticado em cada área de actividade é ditado pela lei da oferta e procura do mercado como um todo, é o que maximiza o lucro global dessa área de actividade; a concorrência não afecta directamente o preço.

O que afecta o preço é a NEGOCIAÇÃO.

Reparem agora no sector financeiro; algum banco propõe uma taxa de juro para os cartões de crédito de 10%? Não, pois não? O que todos propõem é uma taxa de juro tão alta que tem de ser limitada por lei. E porquê? Porque as pessoas que caem numa dívida por consumo, através do cartão de crédito, que são dívidas de curto prazo, não podem eliminar essa dívida no curto prazo e não têm, por isso, poder negocial. É preciso uma Lei para as “proteger”, limitando a taxa máxima de juro. No entanto, existem inúmeros bancos; não é estranho não haver nem um que proponha taxas mais baixas? A razão é a que disse acima: se algum o fizesse, todos o fariam e todos passariam a ganhar menos dinheiro. Os lucros globais da actividade dos cartões de crédito diminuiriam.

Há porém uma área de actividade que consiste em oferecer o preço mais baixo – o preço mais baixo nos produtos e serviços dos OUTROS. É a actividade retalhista. O Continente ou a Fnac ou outro grande retalhista não competem nas suas margens de lucro; ou que eles fazem é NEGOCIAR com os fornecedores os preços mais baixos. Da mesma forma, as empresas de produção também NEGOCEIAM os preços com os seus fornecedores – por exemplo, as grandes fábricas de automóveis NEGOCEIAM intensamente os preços com os seus fornecedores; NEGOCEIAM  as vantagens financeiras com os países onde se instalam; NEGOCIAM os ordenados com os seus empregados.

Ou seja, o que decide os preços é a NEGOCIAÇÃO. E para negociar é preciso ter capacidade negocial que, basicamente, é a capacidade de dizer NÃO. (na verdade, é mais complexo do que isto mas tem de começar por aqui)

Por exemplo, a Alemanha nas duas últimas vezes que pretendeu colocar dívida pública disse NÃO à oferta que lhe foi feita; a Alemanha tem capacidade negocial, pode dizer NÃO. Portugal, agora que tem este empréstimo da troika, adquiriu capacidade negocial e por isso os juros da dívida pública que vai colocando estão abaixo do que paga a Itália – abaixo do que os bancos me pagam a mim pelos meus pequeninos depósitos a prazo! Porquê? Porque se pedirem juros mais altos Portugal pode dizer NÃO. Em 2013, quando voltar a perder a capacidade de dizer NÃO, os juros vão disparar novamente. Qualquer que seja a dívida soberana e o rating das agências financeiras.


Portanto, a crise e a saída dela não tem nada a ver com excesso de dívida soberana nem com confiança dos mercados; tem única e exclusivamente a ver com CAPACIDADE NEGOCIAL. 


Essa capacidade negocial podemos obtê-la: 
1 - ou directamente, através de processos de emissão interna de dinheiro de uma forma subtil, como tratado no texto anterior;
2 - ou conseguindo que o BCE faça o que fazem todos os bancos centrais: comprar dívida soberana. Para isso, há que NEGOCIAR com os outros países europeus e conseguir uma alteração dos tratados que ponha o BCE na dependência do poder político.



2 comentários:

UFO disse...

Não irá resolver os nossos problemas mas a prazo o financiamento pode passar ao lado da banca tradicional com a noção emergente 'P2P banking '.
É preciso ainda maturar a classificação de risco e escalar para projetos grandes. Talvez com o tempo...

alf disse...

UFO

A organização da sociedade tem duas dificuldades de fundo

Uma é que cada um tende a agir em função do seu interesse pessoal; se este interesse imediato é muito forte, o interesse colectivo, a visão a prazo, desaparecem completamente.

O segredo para conseguir uma boa sociedade está em conseguir em manter sempre os interesses individuais alinhados com o interesse colectivo.

O outro problema de fundo reside nas nossas limitações intelectuais. Temos limitações que desconhecemos e que nos induzem em erros. A sociedade actual é complexa e exige o conhecimento dessas limitações de de formas de a combater. Coisa que, note-se, já era conhecida dos gregos, tendo sido posta de lado com o excesso de meritocracia, que priveligia a "competência", ou seja, a aplicação dos conhecimentos já existentes, em detrimento da "inteligência", ou seja, a capacidade de resolver problemas novos.

Além do P2P banking há também novas formas de financiamento de projectos através da net; a vantagem destes sistemas é que dificultam a cartelização dos agentes económicos. Vamos a ver no que dão...