sexta-feira, novembro 25, 2011
O Colossal Equívoco
Estes planos de
resgate, estas medidas de austeridade, baseiam-se num erro colossal. Esse erro
é a presunção de que as altas taxas de juro exigidas às dívidas soberanas
resultam da desconfiança dos «mercados» relativamente à capacidade de certos
países em assumirem os seus compromissos financeiros; o juro é entendido como
proporcional ao risco.
Ora isto é duma
ingenuidade atroz, só possível na cabeça de académicos sem nenhum conhecimento
do mundo real.
O exemplo
evidente do que estou a dizer são os cartões de crédito. Conhecem algum banco,
unzinho que seja, que cobre juros inferiores a 15% no cartão de crédito? Não,
pois não? Cobram todos praticamente o máximo permitido por lei. Vejam o
absurdo: não estaria suposto que as “leis do mercado” fariam os bancos competir
pelo juro mais baixo?
Pois é, aqui está
uma questão que viola todos os princípios em que assenta o actual modelo
económico: porque é que nenhum banco se atreve a propor juros de, por exemplo,
15%, nos cartões de crédito? Porque é que preciso legislar o juro máximo? Como
é que as “leis do mercado” levam a que o juro seja máximo em vez de mínimo?
As actuais
teorias sobre o mercado presumem que os agentes estão em competição feroz, num
entendimento darwinista do comportamento dos diversos actores. Ora no mercado,
como na natureza, os indivíduos da mesma espécie, e até de espécies diferentes,
seguem regras que garantem a máxima sobrevivência. Essas regras determinam
comportamentos territoriais e fenómenos de cooperação. O mesmo se passa com as
empresas. Elas não andam em guerras mortais, elas estabelecem os seus
territórios e cooperam quando conveniente para os seus interesses comuns.
Acho fascinante
que os analistas da bolsa todos os dias tenham uma “explicação” para a bolsa
ter subido ou descido, como se a bolsa tivesse um comportamento «lógico». A
Bolsa sobe ou desce por manipulação dos grandes actores financeiros, que
induzem os pequenos investidores a investirem em determinadas acções e em
seguida invertem o movimento das cotações. É assim que os grandes investidores
ganham sistematicamente dinheiro na bolsa, quer ela suba ou desça. Quando
querem vender, começam por comprar para fazer subir o preço e vice-versa.
A razão por que
os juros das dívidas soberanas sobem é porque o único mecanismo que os países
têm para ter poder negocial nos juros, que é a impressão de dinheiro, está
proibida na Europa! Sendo assim, os «mercados» cooperam na subida dos juros,
evidentemente, maximizando os ganhos de todos e de cada um.
E porque é que o
BCE não pode imprimir euros e comprar dívida soberana? Porque os teóricos do
actual modelo acharam que os agentes financeiros competiriam entre si,
garantindo juros adequadamente baixos. O simples facto de ser necessário
legislar o juro máximo dos cartões de crédito prova a incapacidade de um banco
central de poderes limitados em regular o mercado financeiro.
A última coisa que estes teóricos vão admitir é
que a teoria que conhecem está errada; por isso vão arranjando explicações “lógicas”. Como
acontece com as flutuações da bolsa. Ou seja, vão arranjando culpados - os malandros dos gregos, os calões dos tugas...
Qualquer uma das
medidas anunciadas, eurobonds incluída, é inútil, disparatada, nociva, só
agrava a situação. A criação de eurobonds sem impressão de moeda seria o
desastre final.
Esta situação
disparatada abriu caminho a outros interesses: as grandes fábricas vêem aqui a
possibilidade de obter mão-de-obra barata. É por isso que as medidas do Governo
são obsessivamente concentradas no custo da mão-de-obra – uma obsessão que
causa recessão, o oposto do que seria desejável na presente situação. A
recessão prevista colocou a cotação de Portugal no lixo, evidentemente.
Há uma
frase que me martela a cabeça: “Há duas maneiras de conquistar e escravizar uma
nação, uma pela espada, a outra pela dívida” (John Adams, segundo presidente
dos EUA e grande teórico do conhecimento político). Mesmo que não haja esta
intenção por detrás deste problema, ele pode acabar por ter este desfecho.
A Alemanha tomou
uma atitude inteligente: só aceita colocar dívida até um determinado valor da
taxa de juro. É isto que todos os países se têm
de preparar para fazer. Para a Alemanha, isso é fácil, mas como poderá Portugal
fazer o mesmo?
Da seguinte
forma: a dívida que não conseguir colocar vai ser dinheiro que vai faltar ao
Estado; o Estado fará então parte dos seus pagamentos internos em certificados
de dívida – que aceitará em pagamentos ao Estado na mesma proporção da sua emissão. Desta forma, fará uma espécie
de criação de dinheiro legal. Mas até duvido que isso seja necessário: bastará
anunciar que não colocará dívida acima de, digamos, 6%, para não faltar quem se
proponha a comprar abaixo desse valor; na vez seguinte baixará este valor para 5%; e depois para 4,5%. Um país que mostra ser capaz de soluções não recessivas não fica refém dos mercados financeiros.
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8 comentários:
"Mas até duvido que isso seja necessário: bastará anunciar que não colocará dívida acima de, digamos, 6%, para não faltar quem se proponha a comprar abaixo desse valor; na vez seguinte baixará este valor para 5%; e depois para 4,5%. Um país que mostra ser capaz de soluções não recessivas não fica refém dos mercados financeiros."
Que grande reflexão, meu caro.
Cumps.
Arame Farpado
Acabo de ouvir o Cavaco dizer algo nesta linha - basicamente, é estabelecido um juro máximo acima do qual o BCE intervem. Não percebi bem como, mas o importante é começarmos a ver que isto é uma mera questão negocial.
Nesta altura, quem empresta pode pedir o juro que quiser e, claro, é isso que faz. E é assim porque o sistema de leilão não funciona - como mostro no post, não há concorrencia nenhuma em matéria de juros.
Portanto resolver o problema é uma questão de os Estados readquirirem capacidade negocial.
Por exemplo, se, em vez do FMI/BCE nos terem emprestado 75 mil milhões se tivesse feito o seguinte acordo: o Estado vende dívida até juros de 5%; o FMI/BCE entram com o que faltar. O que aconteceria?
Aconteceria o que está a acontecer: Portugal vai colocando dívida a 5% porque os mercados sabem que se pediram mais,Portugal, nesta altura, não aceita porque tem o empréstimo do FMI/BCE
E isto aponta o caminho para a solução - Agora é boa altura para irmos aos mercados porque agora temos poder negocial. Portanto, o que temos a fazer é:
1 - colocar grandes quantidades de dívida mas não aceitando juros acima de 5%
2 -como os mercados sabem que nesta altura não precisamos desse dinheiro (temos o do FMI/BCE)vão oferecer abaixo desse valor
3 - com esse dinheiro pagamos a dívida ao FMI, que vence 7,5%
Em resumo,
1- temos de adquirir força negocial, seja por nos apoiarmos no BCE/FMI, seja com outras medidas como propuz
2 - usamos essa força negocial para conseguir juros sucessivamente mais baixos.
Para meu espanto, o único lider lúcido parece ser o Cavaco Silva.
Um abraço
Parabéns, Alf,
É a primeira vez que o vejo a escrever um artigo com cabeça, tronco e membros.
Diogo
Obrigado. Quem persiste acaba por acertar..
Boa reflexão.
Acrescento apenas que toda a dívida colocada acima da capacidade de crescimento do país conduz exactamente ao mesmo resultado
abraço livre
O Estado, hoje, é o braço avançado da mão financeira que recolhe o benefícios dos juros.
Excelente reflexão.
Horizonte XXI
Sem dúvida; mas neste caso, o que proponho é a colocação de dívida para pagarmos o empréstimo usuário do FMI - neste momento estamos a conseguir taxas de 5%, não precisamos de estar a pagar a 7,5% e ainda ter de receber ordens, não é?
Obrigado e um abraço
António
pois é; recolhe os juros e aumenta a desigualdade. O sistema desiquilibrou-se para o lado dos «ricos» e assim isto acaba mal.
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