segunda-feira, outubro 10, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (IV)


(continuação - como o Inverno torna finito o Tempo)


A variação da percepção do tempo à medida que se sobe em latitude é um aspecto muito interessante e mesmo um pouco surpreendente.” Leio interesse nos olhos dos meus interlocutores, o tempo é algo fundamental nas suas vidas. Continuo:

 “Como sabem, na zona equatorial os dias são todos iguais, apenas a Lua permite definir um período maior que o dia. A vida vive-se no presente e planeia-se ao dia; ao longo do dia há um conjunto de tarefas a realizar, mas a escala do planeamento é apenas do dia. O tempo é tão infinito como o oceano. A vida é finita quando se planeia a prazo e quando se mede em anos, mas não quando se mede em dias, pois o número é grande demais para as nossas faculdades de percepção intuitiva.” Calo-me novamente, percebo que estão a tentar imaginar a situação, a estimar quantos dias têm uma vida, quantos dias terão ainda as suas vidas.

Sim, compreendo”, diz de súbito o ruivo, "é como estar de férias: um mês aqui passa a correr mas um mês de férias na praia ou no campo é tanto tempo que nem consigo imaginar... duas semanas já me parece uma eternidade.” Os outros concordam.

Bem, já percebemos que a civilização que se gera numa zona equatorial tem uma dimensão espacial não superior à centena de pessoas e uma dimensão temporal de um dia. Esta civilização, como qualquer outra, é muito estruturada, com regras bem definidas.
Sim” – interrompe o Wolfram, algo impaciente – “mas essa civilização só pode ser assim enquanto não há sobrepopulação; ora a população humana cresce; e depois?

O que acontece é que as pessoas vão ocupando o território livre. Vamos pensar no caso de África; ocupada a faixa equatorial, as pessoas vão subindo em latitude. E então vão encontrar algo novo: o Inverno. Um período de tempo em que a Natureza não garante a sobrevivência. Isto muda tudo.”  A impaciência deu lugar à expectativa.

"Passando os trópicos, é preciso encontrar forma de ter alimentos no Inverno e soluções para proteger do frio – uma temperatura inferior a 18 ºC é mortal para um humano sem protecção. Isto obriga a viver com prazos, com calendários, com objectivos. O Inverno introduz o conceito de Futuro na actividade diária." 

 "Ou seja, o Inverno trouxe o stress, que é coisa que quem vive focado no presente não sabe o que seja..." comentou o careca, logo seguido por sinais de viva concordância dos outros. "Sim, isso mesmo", e ri-me, sendo acompanhado por eles. Continuei:

 "As soluções mais simples para o problema do alimento, como a caça ou a pastorícia, geram sociedades pequenas e nómadas, com baixas densidades populacionais; mesmo as primeiras soluções agrícolas não permitem a fixação prolongada de populações porque a agricultura esgota os frágeis solos das zonas acima dos trópicos, implicando a necessidade de mudança periódica de local, excepto num único caso; e é esse único caso que permitiu que se desenvolvessem civilizações com crescentes escalas de espaço e de tempo.

Ou seja, sem o Inverno, a nossa civilização nunca teria acontecido... portanto, se o Homem tem surgido uns 100 milhões de anos antes, uma insignificância à escala da idade da Terra, no tempo dos Dinossáurios, esta nossa civilização não se poderia ter então desenvolvido porque nessa altura não havia Invernos... parece que o Homem surgiu apenas quando o planeta já estava pronto para o desenvolvimento de grandes civilizações... o Homem surgiu quando tinha de surgir, nem antes, nem depois... interessante...”. Esta cogitação do Wolfram gera um franzir de sobrolho do careca. Interessante este Wolfram, que sabe que no tempo dos Dinossáurios não havia Inverno e capaz de pensamentos filosóficos, de pensamentos que não têm directamente a ver com os seus interesses pessoais. Começo a simpatizar com ele.

Nada de desvios criativos” – repreende brandamente o careca – “oiçamos o dr. Jordan, que certamente nos vai mostrar que as sucessivas civilizações são a solução ideal para cada situação climática e geográfica, tal como a tribo é a solução ideal para o clima equatorial; qual é então esse único caso geográfico-climático que nos trouxe até aqui?” Espertalhão o chefão. “Boa pergunta!” pego-lhe na palavra, que traduz alguma impaciência, pelo que remato: “Uma pergunta cuja resposta nos levará a perceber porque é que estamos aqui a ter esta conversa e como é que se resolve o vosso problema.

4 comentários:

HORIZONTE XXI disse...

O mediterraneo é a zona de interseção entre a civilização do norte que é obrigada a criar reservas para o clima adverso e a civilização do sul que tem disponibilidade constante (em traços largos)

antonio ganhão disse...

Esta crise é o nosso inverno. Saberemos aproveitá-lo?

Este post fez-me lembrar o livro do João Tordo O Bom Inverno.

alf disse...

Horizonte XXI

Quase...

alf disse...

antonio

Diz bem, esta crise é o nosso inverno; mas só tira partido do Inverno quem inventa novas soluções, não quem aplica os velhos conhecimentos. Não é com «bons alunos» que sobreviveremos a este Inverno.

Deve ser interessante esse livro do João Tordo; vou por na lista das prendas de Natal, a ver se aprendo a escrever um pouco melhor...