A imensa extensão de terreno que o trópico da Capricórnio cruza em África e Ásia determinou o berço da segunda civilização (mapa da Wikipedia). |
quarta-feira, outubro 12, 2011
Dr. Jordan e o caso da Europa (V)
(a segunda das
civilizações auto-suficientes)
“O único caso em que uma população podia ser sedentária numa zona onde
há Inverno seria quando se estabelecesse nas margens inundáveis de um rio; apenas aí os solos suportavam a agricultura numa época anterior à
descoberta dos adubos porque é o próprio rio que repõe nos terrenos os
compostos de azoto."
"Sim, claro, agora que produzimos os fertilizantes em fábricas já nem temos consciência de como a falta de azoto foi uma dificuldade terrível para a agricultura"... comentou o Wolfram, sempre filosófico.
"Para surgir uma nova civilização seria necessária
uma larga extensão de margens inundáveis, capaz de suportar uma população de dimensão
suficiente. Em África, o Nilo surge como o local mais provável para isso
acontecer e aí se desenvolveu o segundo tipo de civilização da Humanidade.”
“... Que também
apareceu noutros lados”, notou o ruivo.
“Sim, na Ásia,
onde também existem rios nestas condições; já na América essas condições não
existem, pois a norte a zona equatorial prolonga-se pela língua de terreno da
América Central e a Sul os rios que saem da zona tropical não possuiriam as
necessárias extensões inundáveis."
"Mas mesmo assim desenvolveram-se as civilizações Maia e Inca."
"Foi a resposta possível à pressão exercida pelo excesso de população numa zona de clima ainda tropical e onde a migração não era possível; dependiam de uma agricultura sem adubos, logo fraca e baseada em rotatividade de terrenos, e da pesca. Com a população no limite e sem o escape da migração, o excesso de natalidade ou qualquer perturbação climática tinha de ser compensada com maciços sacrifícios humanos.”
“Mas esse tipo de
civilização das margens do Nilo ocorreu também em locais muito diferentes, como
Creta e em muitas zonas da costa norte do Mediterrâneo”, contestou ainda o
ruivo.
“Decerto; uma vez
inventada, esta civilização é capaz de se estabelecer em certas zonas que não
seriam propícias ao seu nascimento. Para nascer, é que é preciso um número elevado de pessoas para que sucessivos pequenos avanços possam
ser somados; e são muitos esses avanços, tanto a nível de organização como
tecnológicos como, e isso é talvez o importante, a nível da atitude perante a
sociedade, o entendimento de que o interesse individual se tem de subordinar ao
colectivo, com reflexos no próprio conceito de família. No entanto, notem que
uma civilização deste tipo não se pode estabelecer em qualquer parte, existe
uma restrição importante.”
“E qual é?”
“Todas as
sociedades humanas dos tempos antigos são auto-suficientes: a sua sobrevivência
depende só dos recursos próprios da comunidade. A diferença entre elas reside
na capacidade de gerir recursos, mínima na sociedade equatorial e máxima nas
sociedades agrícolas.”
“E depois essas
sociedades começaram a comerciar entre si, desenvolvendo a primeira
globalização”, acrescentou o Wolfram.
“Exactamente;
esse terceiro passo do desenvolvimento das civilizações foi tornado possível
pelo vasto território onde essas sociedades se puderam estabelecer, ou seja, a
bacia mediterrânica e a Ásia do Sul e Oriental, zonas com clima suficientemente
ameno e ricas em água doce. Notem mais uma vez a importância da geografia."
"Pois, quase todo o clima temperado se situa no hemisfério norte..." condescendeu pensativo o Wolfram; talvez esteja a comparar esta possibilidade com outras... quem se sente superior costuma gostar de atribuir essa superioridade aos seus méritos.
"O comércio introduz algo de muito importante: o
acesso pacífico a recursos doutras regiões, como materiais de construção, sal,
especiarias, minérios, variedades agrícolas ou produtos manufacturados. Estas
coisas não eram indispensáveis a estas sociedades, elas podiam subsistir sem
elas, mas permitiam-lhes atingir uma qualidade que não atingiriam sem o
comércio.”
“A isso se resume a história das
civilizações?” O careca entre o desiludido e o intrigado
“Não; falta
precisamente a parte que nos interessa.”
(continua)
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4 comentários:
Caro alf, sem menosprezar estas excelentes reflexões sobre o caso da Europa, venho chamar-lhe a atenção para isto:
http://infernocheio.blogspot.com/2011/10/bem-posto.html
;)
Muito interessante, aguardemos pelo próximo capítulo.
Cristina Torrão
Agradeço-lhe a referência, embora me pese a consciência por não me lembrar do nome da jornalista que escreveu o texto em que referia a mediocridade competente; mas é algo para meditar, temos de conseguir dar a volta ao problema, conseguir associar pessoas criativas a pessoas competentes, o que implica inventar uma metodologia nova.
Esta ideia de inventar associações de pessoas para criar estruturas mais competentes é conhecida de há muito - a Igreja inventou o «advogado do diabo», as cortes inventaram o «bobo», os nossos tribunais funcionam com base num triunvirato - advogado de defesa, de acusação e Juíz - e às vezes ainda com mais um elemento, um Juri; e há ainda outras coisas do tipo, como o brain storming.
Se calhar, as nossas estruturas de topo deviam funcionar com 3 pessoas, um criativo, um competente e um decisor - o decisor é importante porque o criativo e o competente não se entendem.
Pelo menos, fica uma sugestão; devemos rodear-nos de pessoas dos dois tipos e ouvi-los a ambos com igual atenção. Tenho alguns amigos criativos e preciso de estar na sua presença com frequência para levar um banho de limpeza das influências da «competência»... a seguir o meu pensamento fica muito mais oleado, com asas...
antonio
Obrigado; vamos começar a chegar aos «finalmentes»...
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