O século XX terminou em pleno apogeu da confiança do Homem na sua extraordinária Inteligência. As pessoas comuns tinham a sensação que a Humanidade se tinha elevado às alturas dos Deuses dos antigos, que tudo era agora possível, nenhum problema era desafio bastante para as capacidades Humanas, a Democracia era um sistema político perfeito, a Fome em breve desapareceria, a cura do cancro estaria ao virar da esquina, quiça mesmo a juventude eterna. As teorias do Homem dominavam o Clima, o Cosmos, a Matéria; a Física estava quase concluída, o que faltava cairia aos pés do grande acelerador em breve. As misteriosas catástrofes que repetidamente ameaçaram a continuidade da Vida na Terra não passavam de um meteoro que as formidáveis capacidades tecnológicas poderiam enfrentar. Falava-se já das possibilidades de fabricar vida em laboratório, de melhorar as capacidades mentais com recurso a chips, de transformar o Homem em Super-homem. A Evolução deixaria de ser tarefa da limitada Natureza para passar a ser assegurada pelas mãos sábias e muito mais generosas do Homem Qualquer coisa que tivesse origem nas vozes autorizadas era aceite como verdade sagrada e só os pobres de espírito questionavam ainda a sublime superioridade das fontes de conhecimento humanas.
O século XXI tem vindo a desnudar o imenso equívoco. O inquestionável «Aquecimento Global» transmutou-se silenciosamente em «Alterações Climáticas», o superacelerador de partículas autodestrói-se para não destruir a Física Atómica, a teoria Cosmológica tornou-se mais fabulosa do que a Astrológica – os Sábios de hoje recorrem aos mesmos expedientes e à mesma linguagem dos bruxos de antigamente para iludir o imenso povo.
Mas eis que explode a crise económica. Os mais incensados Economistas, apanhados de surpresa, começaram por confessar que não a entendiam, que ninguém poderia prever o que iria acontecer.
Isso era preocupante, as pessoas podiam começar por duvidar dos «Sábios». A linguagem foi mudada. Transformaram-se os sintomas da crise em causas dela - o «subprime» é um sintoma, uma consequência da crise, não é a causa, é exactamente como as indústrias que abrem falência. Apontam-se culpados, os banqueiros. E fazem-se previsões: em 2010 a crise acaba. Assim se sossegam as massas, se restabelece a confiança na humana «Inteligência». Desta forma, sem nada perceberem do que se está a passar (exceptue-se o PM inglês...), sem fazerem a mínima ideia do que vai acontecer, os «Sábios» mantêm o seu estatuto. E manterão sempre, porque este processo de ir transformando consequências e sintomas em causas dos problemas pode ser repetido ad eternum. Felizmente, porque se não fizessem podia instalar-se o pânico.
Donde vem esta confiança cega nas humanas capacidades? Dos sucessos tecnológicos. Se somos capazes de fazer telemóveis, aviões e foguetões, certamente que seremos capazes de fazer teorias sobre o clima ou sobre a economia, não é verdade?
A verdade é que... não é verdade!
Se olharmos para a história do conhecimento humano, em qualquer área, percebemos que apesar dos milhares e milhares de pessoas a ele inteiramente dedicadas, o essencial desse conhecimento é devido a um número reduzidíssimo de pessoas. Cuja maior dificuldade foi, em muitos casos, não o desenvolvimento desse conhecimento mas simplesmente convencer os outros. Isto tem sido objecto de muito debate, mas agora vão ter a oportunidade de começar a perceber o PORQUÊ.
Muitos defendem que os «génios» mais não fizeram do que antecipar o normal curso do conhecimento. Ilusão. Mostra a História que Humanidade patina longamente no erro, muitas vezes em dramas sucessivos, ergue-se apenas para cair novamente, até que surge alguém que quebra o ciclo do erro. Esse «alguém» segue uma metodologia muito diferente, que misteriosamente tem permanecido incompreensível para a generalidade das pessoas.
No post « Níveis de Inteligência» já referi, e exemplifiquei com o labirinto, como a Inteligência tem um nível elementar, o da «geração de hipóteses+selecção» e tem outros níveis. Um desses níveis permite a Tecnologia. Muitas pessoas estão preparadas para esse nível. Por isso a Tecnologia evolui sustentadamente. Por isso não identificamos «génios» nas áreas tecnológicas, não porque eles não existam, mas porque abundam.
Mas nas áreas de importância crucial para a evolução da sociedade humana, aí a metodologia tecnológica é tão incapaz como um cego é de conduzir um carro. A sociedade humana é conduzidas por pessoas que não podem ver para onde vão. Na Ciência como na Política ou na Economia. Só quando se começam a «estampar» é que se vai à procura de quem consiga «ver» alguma coisa. Por isso elegeram o Obama. Mas também esta procura é «cega» porque as pessoas não sabem qual é o problema nem o que procurar. Nem vão entender o remédio.
A diferença entre os níveis de Inteligência não é uma diferença de capacidade. É uma diferença de adequação. O nível elementar é o melhor, o mais adequado, quando a «geração de hipóteses» é muito grande e o preço do «erro» é baixo. É muito usado pela Natureza com a sua imensa capacidade de gerar situações diversas. Os outros níveis são adequados a outros quadros e outros objectivos. Não são melhores nem piores em valor absoluto. E também são muito usados pela Natureza, como veremos.
Perceber os níveis de Inteligência é crucial para sairmos do «buraco» em que as nossas teorias erradas, seja na Economia, Política, Educação ou Ciência, nos estão a meter. E também para começarmos a perceber os limites da nossa inteligência. E ainda para, como disse o Virgílio Ferreira, começarmos a usar inteligentemente a nossa Inteligência ( “De que te serve a inteligência se não tens inteligência para a usar com inteligência?”)
Vamos então olhar para os níveis de Inteligência no próximo texto. Tanto quanto os nossos olhos meio cegos conseguem ver.
17 comentários:
Talvez Deus esteja só a arrumar a casa e voltou a colocar-nos no nosso lugar.
A humildade é um acto de inteligência. Como pode alguém chegar mais longe se não é humilde o suficiente para pôr a hipótese de não estar certo?
Vê-se isto em tanto lado, na ciência, na política, nas relações pessoais...
Eu falo mas sei que também sou assim muitas vezes.
Apegamo-nos de tal forma às nossas ideias que não vemos mais nada à nossa frente.
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A parte do domínio sobre o clima fez-me lembrar de como eu gosto de ver trovoada, de sentir o vento forte das tempestades, de olhar para o céu estrelado.
Faz-me sentir pequenino e indefeso. É uma sensação tão agradável. Sentir que o que temos não é nosso, que não dominamos de todo a nossa própria vida... :)
António
Isso mesmo. Pelo menos se entendermos «Deus» como o nome da nossa ignorância. A nossa Ignorância remete-nos sempre para o lugar que merecemos
Cristovão Sousa
Desse pecadilho também eu sofro... mas levo-me muito menos a sério do que pareço, apesar de tudo.
Há algo de muito fascinante na exibição do esplendor da natureza, pelo menos se não sentirmos que isso nos coloca em risco de vida. É talvez por isso que tanta gente se abeira de ondas perigosas... e depois vai com elas. Será que somos atraídos como as borboletas para a Luz?
alf:
neste post não indicas a fonte da imagem, contrariamente ao habitual, e sou levado a supor que é caseira.
estou a contar com a tua ajuda para desvendar o meu olhar e acredito no alf de olhos de olhos bem abertos.
a cegueira que me tolda o entendimento já será, aos meus olhos ,apenas uma névoa para ti.
UFO
Meu caro UFO, somos todos umas miopes toupeiras quando se trata olhar para a Luz, ou seja, para o desconhecido. As nossas pálpebras parecem cosidas. E dói que se farta o esforço de tentar ver com as pálpebras cosidas...
Mas não podemos desistir, não é?Por isso, nos apoiamos uns aos outros no esforço que cada um de nós vai fazendo. A quantidade de coisas que eu já consegui «ver» graças ao apoio que aqui vou recebendo, quer nos comentários, quer em emails, quer directamente por pessoas que me conhecem pessoalmente.
Mas atenção: eu vejo tão mal como qualquer outra pessoa. Não sou um oraclo. Estou a tentar decifrar sombras. Posso decifrar mal, enganar-me.
Caríssimo, já ouviu falar em inteligência artificial? Dentro de muito pouco tempo uma máquina estará a nível de inteligência, para si, como hoje está o Excel a fazer contas comparado consigo: Um quadrilião a zero!
Abra os olhos Alf. Raciocine!
Diogo ; nem pense.
ainda estamos muito muito muito longe.
( estou no fim da vida profissional sempre ligada á informática )
não temos hardware, nem software, nem abordagem estratégica que nos indique que estamos perto.
A IA é ainda uma colecção de algoritmos de pesquisa do género de geração de hipóteses dentro de um quadro limitado e bem definido.
Estamos ainda tão longe que é presunção até chamar-lhe de 'Inteligência'.
Ufo, que sabe você dos tempos necessários para atingir um determinado patamar tecnológico? A tecnologia está em evolução exponencial. A IA também. Donde, que raio de previsões está a fazer?
Diogo
Os seus comentários são a prova da minha afirmação: "De onde vem esta confiança cega nas humanas capacidades? Dos sucessos tecnológicos."
Eu, às vezes, também opino sobre o que não percebo e fico convencido de que digo coisas muito acertadas.
Devo dizer-lhe que o UFO, ou eu, temos a nossa parcela de participação no «sucesso tecnológico», portanto sabemos perfeitamente do que ele é capaz e do que não é.
Que sabe o UFO, pergunta você? A resposta é simples: disso, sabe tudo. Ou quase tudo.
Claro que as pessoas que estão por fora acreditam em disparates como «chips para aumentar a memória das pessoas». As babelas das religiões são afirmações sérias comparadas com disparates desses.
Um processador de um computador não está nem ao nível de um cérebro de pulga, já vê que temos muito para andar... é muito mais fácil fazer contas como o Excell do que saber onde picar para obter alimento.
Além disso, a questão não é a da quantidade de inteligência. Como disse, há várias formas de gerar inteligência, a que chamei «níveis de inteligência». A questão é que é preciso usar o nível certo para cada problema. O nível certo para a tecnologia não serve para a produção de teorias onde a experimentação é limitada.
Porque é que as teorias actuais estão todas erradas? Porque é que o Big Bang é um flop, a teoria atómica outro, a teoria económica é o que se está a ver, o aquecimento global um arrepio de frio na espinha? Como é que podemos ser tão «inteligentes» na tecnologia e tão burros noutras coisas?
Perceber esta questão é muito importante porque nos abre a possibilidade de deixarmos de ser tão «burros» e podermos começar a caminhar para teorias muito melhores. E assim evitaremos muitas catástrofes.
A história das catástrofes da humanidade é a história das teorias erradas. Disse o Camilo Cela: "A História, a indefectível História, vai a reboque das ideias."
por último: felizmente você está muito errado! já viu que na altura em que existirem «máquinas muito mais inteligente do que nós» nós deixamos de merecer a existência? O mundo passaria a ser das máquinas, nós nem para decoração serviriamos.
Diogo:
mantenho o que disse, veja aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Artificial_intelligence
...
* 1965, H. A. Simon: "[M]achines will be capable, within twenty years, of doing any work a man can do"[35]
* 1967, Marvin Minsky: "Within a generation ... the problem of creating 'artificial intelligence' will substantially be solved."[36]
...
desde a década de 80 que vou acompanho o tema, e após o seu comentário optimista fui verificar naquele link se havia coisas novas.
nah, veja por exemplo as linguagens especializadas em que não há novidades desde há dezenas de anos.
Talvez uma excepção seja a linguagem Sampletalk, desenvolvida em Israel ainda nos anos 90, por Andrew Gleibman
http://sampletalk.com/
é simples e intuitiva.
Hoje já existem máquinas que jogam xadez melhor que qualquer vivente, mas isso não é inteligência.
É força bruta.
Caro Ufo, também eu sigo a inteligência artificial desde a década de oitenta (também sou informático). Existem alguns parâmetros que é necessário considerar:
1 – A tecnologia avança por «saltos quânticos». Quero dizer com isto que uma tecnologia pode parecer estagnada, mas está apenas à espera que o desenvolvimento combinado de outras tecnologias permita dar o salto. O avião, entre muitas outras coisas, necessitou de um motor (já de si uma combinação de variados avanços tecnológicos) suficiente leve e suficiente potente para poder levantar vôo.
2 – A tecnologia avaliada no seu conjunto tem tido uma evolução exponencial. Sobretudo na informática.
3 – Diz você que «Hoje já existem máquinas que jogam xadrez melhor que qualquer vivente, mas isso não é inteligência. É força bruta.»
Não é inteligência? Quer tentar definir o conceito de inteligência? E qual é a força bruta de um cérebro humano?
No Wikipedia: «The human brain has been estimated to contain 50–100 billion neurons, of which about 10 billion are cortical pyramidal cells. These cells pass signals to each other via around 100 trillion synaptic connections.»
Falava você em força bruta?
Diogo:
Quando um computador lhe fizer uma pergunta inteligente (e não estou a falar daqueles programas com perguntas de carácter social encadeadas, que até parece algo esperto) avise-me para depois poder-mos analisar se foi apenas força bruta ou não.
Quando é que ele consegue dar o salto de transformar quantidade (de semelhantes) em qualidade (normas)?
Quando é que ele inventa o próprio algoritmo de pesquisa que não esteja já previamente registado?
Nós quando abrimos o jornal e lemos notícias em aberto, com eventos ainda não relatados, ou simples desafios lógicos, procuramos de algum modo 'Identificar o problema' representar o contexto, seleccionar cenários alternativos, adiantar explicações 'ad hoc', estabelecer estratégias.
Não existe nenhuma evolução na IA de modo a que a tarefa de 'Identificar o problema' seja de algum modo endereçado.
Por exemplo com programação genética (que também tem evoluído lentamente) conseguiu-se por exemplo descobrir uma nova tipologia de filtro electrónico (passa-banda?, não lembro) a acrescer às anteriores conhecidas 5 tipologias anteriormente conhecidas (serão 5?, não me lembro bem). Isto de facto é um sucesso.
Mas nunca estes feitos geraram de dentro de qualquer programa um salto 'quântico' seja a que nível for. Digamos que nós temos de ensinar todos os truques ao computador. Ele não nos surpreende, nem sugere o que lhe possa estar a faltar nos dados.
Ou seja é mesmo burro.
Está ensinado a procurar respostas num espaço de pesquisa mas não se pergunta a ele mesmo: Porque é que me estás a perguntar?
Só quando começar a colocar perguntas é que eu posso considerar que é 'Inteligência'.
Peguemos em toda a informação na net, monstruosa, ponhamos os melhores especialistas de IA a trabalhar e recursos de computação sem precedentes, e o que é que esperamos obter? Nada de significativo.
Eu diria que todos os problemas de IA ainda estão na infância.
falou em triliões de sinapses... para colocarmos dezenas de milhar de computadores em paralelo gastamos energia até dizer basta. Estamos a ver a diferença?
Curiosamente na informática os desenvolvimentos (que não são assim tão exponenciais ultimamente) são devidos mais à indústria de jogos do que à indústria 'business' normal ou académica.
Ainda outro desafio: Quando um programa de IA inventar um jogo interessante para os humanos (e aditivo,eheh) direi que é inteligente sim senhor.
Já me estou a alongar demasiado. A IA é assunto para longas conversas.
Na essência assumo a humildade do post, mesmo na IA, apesar de ela ser ainda eminentemente tecnológica. Quando deixar de ser uma questão de tecnologia fica madura para a 'Inteligência', à semelhança do cérebro.
Ufo:
Developed by Professor Douglas Lenat and others at Stanford University, EURISKO is designed to explore new areas of knowledge. It is guided by heuristics - pieces of knowledge that suggest plausible actions to follow or implausible ones to avoid; in effect, various rules of thumb. It uses heuristics to suggest topics to work on, and further heuristics to suggest what approaches to try and how to judge the results. Other heuristics look for patterns in results, propose new heuristics, and rate the value of both new and old heuristics. In this way EURISKO evolves better behaviors, better internal models, and better rules for selecting among internal models. Lenat himself describes the variation and selection of heuristics and concepts in the system in terms of "mutation" and "selection," and suggests a social, cultural metaphor for understanding their interaction.
Since heuristics evolve and compete in EURISKO, it makes sense to expect parasites to appear - as indeed many have. One machine-generated heuristic, for example, rose to the highest possible value rating by claiming to have been a co-discoverer of every valuable new conjecture. Professor Lenat has worked closely with EURISKO, improving its mental immune system by giving it heuristics for shedding parasites and avoiding stupid lines of reasoning.
EURISKO has been used to explore elementary mathematics, programming, biological evolution, games, three-dimensional integrated circuit design, oil spill cleanup, plumbing, and (of course) heuristics. In some fields it has startled its designers with novel ideas, including new electronic devices for the emerging technology of three-dimensional integrated circuits.
http://e-drexler.com/d/06/00/EOC/EOC_Chapter_5.html
Boas.
São raríssimos os filósofos a defender a posição descrita por alf e UFO, e muitos a defender a posição aqui descrita por Diogo.
Digamos mesmo que quase todos os estudantes estão a ser programados no sentido de não se aperceberem (Leibniz diria antes "apercepcionarem") mais da gigantesca diferença entre cálculo e inteligência, programação e consciência.
(Enfim, podemos começar a ter um vislumbre de porquê que tantas religiões davam tamta importância à capacidade de reprodução; de vida.) Lol
Terpsichore
Humilde… eis algo que um computador não pode ser.
Como? Sendo programado para dizer no fim de cada frase, (de vez em quando, para não dar nas vistas):
- A não ser que você saiba melhor. qual é a sua opinião? Dit is only my 2 cents. Hahahahaha.
Onde foi que eu já ouvi essa frase!
Ah, a diferença entre:
1. algo que se passa verdadeiramente por dentro,
2. uma frase da boca para fora, que se foi ensinado a dizer, ou socialmente forçado a dizer para que os outros não reajam de determinada maneira!!!
Mas no fundo, a meditação é muito válida.
Ensina-nos a diferença entre as duas coisas.
É que temos muita tendência a escutar bem os que apenas estão bem programados.
Bem haja, caro Alf
Cumprimentos
Terpsichore
Uma Musa entre os meus comentadores. Quanta honra!
" a diferença entre programação e consciência" Uma diferença muito importante, sobretudo para nós, que deixamos que nos substituam a consciência por uma programação.
Obrigado pelas palavras amáveis. São um estímulo para eu ir continuando à procura de compreender um pouco melhor este mundo.
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