sexta-feira, março 13, 2009

A Teoria da Evolução



Em 1744 nascia aquele que estabeleceu a Teoria da Evolução das Espécies: Jean-Baptiste de Lamarck. Com ilustríssima actividade no campo da biologia (termo por ele cunhado), a sua atenção foi despertada por uma colecção de moluscos marinhos que lhe foi legada e que permitia o estabelecimento de uma sequência evolutiva de moluscos primitivos até aos modernos. A ideia da Evolução apresentava solução para dois problemas.

Um era o da aparentemente perfeita adaptação dos seres vivos ao seu ambiente. A resposta da época era a de que assim teria de ser, pois eram criaturas por Deus criadas. Uma prova da perfeição da obra de Deus. Mas Lamarck sabia que as condições terrestres variam muitíssimo e, portanto, um ser vivo criado em determinado altura fatalmente estaria desadaptado a condições existentes noutra altura. A não ser que se adaptasse, ou que evoluísse de forma a estar sempre adaptado às condições existentes.

O outro era o das espécies estarem quase todas extintas. Em vez de Extinção, ele propunha Evolução. Os fósseis antigos são de seres que já não existem porque evoluiram, não por terem sido vítimas de alguma catástrofe.

Mas como se processa a Evolução? Lamark usou ideias já existentes na época, como a Lei do Uso e Desuso: os órgãos que os seres vivos mais usam tendem a desenvolver-se, os que não usam tendem a desaparecer. Por exemplo, não usamos os dedos dos pés, eles tornaram-se rudimentares. Não precisamos das unhas dos dedos dos pés, elas passaram de garras a coisas em vias de desaparecer (estes exemplos antropomórficos são meus, ele referiu a cegueira das toupeiras, os dentes dos mamíferos ou os bicos das aves). Mas acrescentou-lhe algo: "Le pouvoir de la Vie" ou "la force qui tend sans cesse à composer l'organisation". A tendência que os sistemas vivos têm de evoluírem para a complexidade. De se organizarem. De contrariarem o sentido termodinâmico da evolução dos sistemas mecânicos constituídos por partículas iguais.

Isto é uma evidência, o porquê disto é que é a grande dôr de cabeça.

A sequência de etapas do processo evolutivo era para o Lamarck a seguinte: a vida surgiria de geração espontânea (era a ideia da época), o "pouvoir de la vie" gerava complexidade, depois "l'influence des circunstances", através da lei do uso e desuso, determinava a direcção da evolução, e, finalmente, a experiência de vida era transmitida aos descendentes de uma forma limitada mas suficiente para que ela contribuísse para o sentido da evolução. Em resumo:

geração espontânea + "le pouvoir de la vie" + "l'ínfluence des circunstances" + hereditariedade das características adquiridas.

Esta "abominável" ideia de as espécies evoluírem e o homem vir do macaco foi implacavelmente perseguida, é claro. Porque Lamarck afirmou-o despudoradamente, coisa que Darwin teve a sabedoria de não o fazer. Para a abater, era preciso abater a ideia chave do processo, a única que podia ser contestada: a ideia da hereditariedade das características adquiridas. E não vale a pena acusar a Igreja desta perseguição – as perseguições às ideias inovadoras partem sempre do mainstream, em todos os tempos, em todos os lados.

Um exemplo de um argumento usado é o seguinte: como os judeus são circuncidados, se essa hereditariedade existisse os seus filhos já nasceriam circuncidados. Ou a experiência de cortar a cauda a um animal e verificar que os seus descendentes não nascem de cauda cortada. E, com a descoberta das células reprodutoras e de que elas seriam autónomas do resto do organismo desde a nascença, a ideia da hereditariedade dos caracteres adquiridos foi considerada definitivamente arrumada por não existir mecanismo para levar essa informação às células germinativas. Todas estas "provas" contra as ideias de Lamarck estão erradas, como veremos.

As ideias de Lamarck, muito perseguidas em França, foram mais bem acolhidas em Inglaterra. E, no mesmo ano em que Lamarck publicou a sua teoria da Evolução, 1809, no livro Philosophie Zoologique, nasce Darwin que, 50 anos mais tarde, encontra forma e arte de ultrapassar as contestações.
Darwin propôs a ideia da:

«Selecção Natural e Sexual" em vez de «"l'ínfluence des circunstances" + hereditariedade do uso».

Portanto, o "pouvoir de la vie" gerava complexidade de forma cega (uma vez que não recebia a informação do uso) e a «Selecção Natural e Sexual» fazia a escolha do que convinha mais. E, para "pouvoir de la vie", escolheu inteligentemente o «Acaso» – não porque seja suficiente para o explicar, mas porque é a única coisa conhecida que pode ter a ver com o assunto.

As guerras do Conhecimento contra o Mainstream são sempre duras e demoradas. A guerra contra o geocentrismo começou em Copérnico e só acabou em Newton, com contribuições de vulto como a de Galileu e contribuições indispensáveis como a de Kepler.

A guerra pela Evolução começou em Lamarck. Darwin é o Galileu desta luta. Que ainda não chegou ao fim, muito longe disso.

Neste blogue já percebemos porque é que não existe geração espontânea. Mas só quem leu os posts sobre a Origem da Vida sabe o porquê disso. Mais ninguém sabe que as condições terrestres quando a vida se formou eram tão diferentes das actuais e só alguns sabem que apenas nessas condições a vida se pode formar.

Também já percebemos algo sobre o misterioso "pouvoir de la vie". Percebemos que «Inteligência» é um processo que resulta de dois processos, «Inteligência=geração de hipóteses+selecção»; e que é um processo natural de certos sistemas, não uma propriedade mística das nossas cabeças, portanto, não é exclusivo nosso. Ainda só espreitamos os feitos desta Inteligência natural quando descobrimos que um dos processos que a nossa humana inteligência desenvolveu para produzir compostos azotados é o mesmo que a natureza usou para resolver o mesmo problema na origem da vida; e que as condições naturais em que as longas cadeias orgânicas iniciais se terão formado são semelhantes às que usamos para produzir cristais; mas muito mais iremos perceber quando virmos como a matéria se organizou até chegar ao nosso sistema planetário (estou a começar a falar disso no «outrafísica»).

O processo proposto por Darwin, «acaso+selecção natural» é um processo de Inteligência elementar. Que pode ter funcionado nas primeiras etapas de evolução da vida. Mas que, naturalmente, tal como gerou formas de vida mais complexas, também gerou processos de Inteligência mais complexos.

São esses processos mais complexos que temos de começar a desvendar. Porque é deles que depende a Evolução da Sociedade.

Por outro lado, as ideias que temos sobre os mecanismos da evolução ou criação, independentemente de serem certas ou erradas, têm por si só consequências cruciais nas sociedades que construímos. As ideias, não o mecanismo da evolução. Porque nós somos «racionais», deixamo-nos conduzir por ideias. No próximo post vamos espreitar como ideias simplórias podem ser perigosas, para no post seguinte dedicarmos atenção à compreensão dos mecanismos da evolução e de como podemos perspectivar a Evolução da Sociedade a partir dessa compreensão.

12 comentários:

antonio ganhão disse...

Lamarck é um chato! Veio roubar protagonismo a Darwin.

Quanto à evolução, podemos ver que as sociedades têm a capacidade de regredir até à extinção de civilizações, tal como acontece às espécies... será?

alf disse...

antónio

pois é, bem observado, como tentamos construir sociedades em ideias erradas, acabamos sempre a regressar ao nível de tribo que é aquele que está alicerçado nos nossos instintos; como é que saímos disto?

UFO disse...

mesmo com extinções de espécies e civilizacionais o sentido da evolução é o da 'melhoria'.

supondo que o alf (e seguintes) estabeleçam a compreensão dos alçapões que se abrem aos nossos pés e o modo de os contornar será teríamos um mundo com mais futuro?
é um bom princípio mas o 'mainstream' (ciência, poder, religião) instala-se com todos os seus poderes e cátedras e cristaliza tudo à sua volta.
e subverte, vive para alimentar-se e perpetuar-se.
até agora tivemos sempre civilizações em paralelo umas com as outras. experiências diversificadas e carregar no botão de 'reset' era um assunto local.
Agora, com uma civilização a nível global, jogamos um jogo perigoso. Mesmo sem carregarmos no botão de 'reset' arriscamos muitos problemas já agora sentidos com a crise a instalar-se.
Precisa-se uma 'perestroika' (foi a única vez em que vi o poder conscientemente auto-destruir-se).
Alf, como é que saímos disto?

Fá menor disse...

Acho que não andamos a evoluir grande coisa...

(Sorry... lol)

manuel gouveia disse...

Fiz uma ligação a este artigo no 2711.

alf disse...

Fa

Quando olhamos para o que vai mal, é isso que parece, de facto... mas é muito instrutivo falarmos com pessoas de muita idade, deixa-los contar como eram as coisas qd eram novos... do tempo em que a única coisa que tinham para comer era sopa de erva... uma sardinha para a familia toda... o primeiro ordenado foi para o primeiro par de sapatos... a maioria dos amigos teve de emigrar para não morrer à fome... as guerras...

... e começamos a perceber que o pior do mundo de hoje era o trivial há apenas duas ou três gerações.

Hoje é impensável guerra entre países ocidentais, não é verdade?

Mas é preocupante que esta sociedade não se entenda a si própria, que ouçamos pessoas dizer que não sabem nem ninguém sabe o futuro desta «crise», que ninguém perceba porque miudos fazem chacinas nas escolas, que a violência esteja em escalada.

as nossas sociedades sempre tiveram um período de ascenção e sempre se desmoronaram de alguma forma no passado - basta que surja uma dificuldade para o que temos por adquirido e certo descambar na catástrofe.

E como eu sei que vêm aí dificuldades, o melhor é pensar como pode esta sociedade resistir-lhes em vez de se desmoronar como sempre aconteceu...

alf disse...

UFO

Boa análise e...perguntas bem eheh... antes de avançarmos para respostas precisamos de entender um pouco melhor isto - é isso que eu tento fazer.

alf disse...

manuel gouveia

Muito me honra! Já lá pus um comentário.

Joaninha disse...

Bom post, fico à espera do resto.

É bem verdade que a social acompanha a evoução biologica, nem podia ser de outra forma, porque a adaptação ao meio implica a evolução das duas.

O desaparecimento de algumas civilizações mais não é que uma adaptação social às alterações do meio.

beijos

Diogo disse...

Caro Alf, então a teoria da evolução de Darwin é a explicação?

Agora já é quase meia-noite. Amanhã vou-lhe colocar algumas questões sobre este assunto.

Entretanto, a Relatividade de Einstein continua a não ser abordada.

Abraço

Diogo disse...

Vamos lá, Alf,

Como é que a mutação ao acaso e a selecção natural explicam a passagem da lagarta a borboleta? E a formação do olho? E o comportamento do cuco? Etc. etc. etc.

alf disse...

Diogo, parece-me que não entendeu lá muito bem o que eu escrevi... quando temos uma ideia feita na cabeça acontece-nos isso, não lemos o que está escrito mas o que pensamos estar escrito... a mim também me acontece.

acaso+selecção é o mais elementar processo de inteligência; terá tido o seu papel na formação das primeiras estruturas.. mas onde isso já vai! A evolução vem usando processos cada vez mais inteligentes e sofisticados, para nós tão dificeis de entender como o é entender o nosso próprio cérebro.

Os biologistas a sério não pensam que a evolução se faz por mutações por acaso; já se conhecem processos bem mais complexos e sabe-se bem que a organização celular tudo faz para evitar o «acaso». Quem diz essas coisas são os "cientistas da comunicação social", que vivem à sombra de ideias simplórias, que são as que colhem os favores do grande público.

Num dos próximos posts veremos qualquer coisa de novo sobre os mecanismos que a Natureza usa para gerar evolução... e veremos como afinal o Lamark não estava assim tão errado.

Mas note-se que o papel de Darwin é fundamental porque ele salvou a teoria da evolução que estava condenada pela contestação à hereditariedade dos caracteres adquiridos; e isso foi crucial na luta contra o paradigma religioso, bloqueador de toda a investigação sobre o assunto.