sábado, outubro 11, 2008

A Energia Moeda-Forte

Como é que vamos saber quanta energia consumimos? Somando a energia importada com a produzida... com a energia dos alimentos que consumimos... mas não, não são as calorias dos alimentos que interessa, é a energia que foi necessária para os produzir, e isso engloba a energia necessária para produzir os adubos, os insecticidas, para tratar, conservar, transportar os alimentos... e não só, quando compramos um televisor, um carro, um telemóvel, seja o que for, estamos a consumir a energia que foi necessária para os fabricar... e não só, quando fazemos uma chamada telefónica, quando utilizamos um serviço, qualquer que ele seja, estamos a consumir a energia necessária a esse serviço... afinal, parece que sempre que gastamos dinheiro estamos a comprar energia... hummm, interessante... o que o dinheiro faz é comprar energia... Mas qual é o preço da energia afinal???

Vejamos a gasolina:1 litro de gasolina produz uma energia de cerca de 10 kWh; ora um litro custa cerca de 1,5 euros, logo o preço do kWh da gasolina é de cerca de 15 cêntimos.

Vejamos a electricidade: vejam o total da vossa factura de electricidade e dividam pelo total de kWh consumidos. No meu caso dá.... 15 cêntimos por kWh!

Boa! Então o preço do kWh da electricidade e da gasolina é o mesmo, apesar de se tratarem de dois sistemas de energia tão distintos! Como é possível?? Que significará isto?



Em minha opinião significa que, no fundo, o valor de tudo o que produzimos, compramos, vendemos, se mede em unidades de energia, em kWh por exemplo, e as regras do mercado fazem com que os diferentes produtos tendam para o mesmo valor da unidade de energia necessária à sua produção, quer o produto seja um iogurte, um televisor, uma casa, um automóvel.

Então, como já sabemos o preço da unidade energia – 0,15 € / kWh, podemos fazer uma estimativa da energia que consumimos – é só dividir o que o dinheiro que gastamos pelo preço do kWh.

Admitindo que o PIB possa ser um bom indicador do que gastamos, sendo este de 162,9 mil milhões de euros, temos então 16290 euros per capita deste pais de 10 milhões de habitantes, o que permite a cada um de nós, em média, comprar 108,6 MWh de energia por ano.
Isso são contas grosseiras, não podemos atribuir significado a algarismos para além do primeiro, pelo que o resultado deste cálculo é que originamos anualmente um consumo médio individual de cerca de 100 Mwh:

Energia per capita dum cidadão ocidental médio: 100 MWh/ano

Notem uma coisa: nesta energia não está incluída a energia solar. No preço dos alimentos não está incluída a energia disponibilizada directamente pelo Sol para os processos fotossintéticos, apenas a energia que foi necessário ir buscar a outras fontes. Um iogurte tem trezentos e tal kJ, ou seja, pouco mais de 0,01 euros de energia; mas a energia solar necessária à sua produção será mais de cem vezes isto, pois já vimos que o rendimento fotossintético médio não será superior a 1%, portanto, não está incluída no seu preço, da ordem do 0,5 € (se estivesse, um iogurte teria de custar mais de 1€ ). O preço do iogurte reflete essencialmente a energia produzida pela humanidade a partir do petróleo, carvão ou outras fontes que foi, directa ou indirectamente, consumida na produção do iogurte.

Já vimos que a energia que um ser humano tem de obter dos alimentos é de cerca de 1 MWh/ano, o que significa, atendendo ao rendimento médio da fotosintese, que um humano da sociedade ocidental usa por ano 100 MWh de energia solar directa e outros 100 MWh de energia intermediada pela civilização, num total de 200 MWh, portanto.

Será que este nosso cálculo tão simples tem alguma razoabilidade? Só há uma maneira de o saber: comparando com outras fontes. Aqui podem encontrar um texto que afirma o mesmo que escrevi acima e onde se diz:

every time anyone spends an American dollar, the energy equivalent of half a liter of oil is burned to produce what that dollar buys!

Ora sendo o Dólar americano cerca de 0,75 euros (0,732 hoje), vamos obter o mesmo valor de 0,15€/kWh.

Claro que se fizéssemos as contas a partir do preço da gasolina ou da electricidade nos EUA ,como fizemos para aqui, obteríamos um valor mais baixo; a razão é que os kW da gasolina ou da electricidade são «em bruto» enquanto que os kW dos produtos têm de ser extraídos dessa «matéria prima», havendo um perda no processo. Em Portugal, os impostos e os lucros exorbitantes da EDP tornam a «matéria prima» da energia mais cara para o consumidor, colocando-a ao mesmo preço do «kW manufacturado».

Na World Nuclear Association podemos encontrar o seguinte magnífico gráfico:


Os cerca de 340 GJ que se pode ler como sendo o valor do consumo individual de energia do “Homem Tecnológico” correspondem (1 Wh=3600 J) a 94 MWh, portanto o mesmo valor (100 MWh) atrás obtido.

Além de termos ficado a saber que energia gastamos, o que nos vai permitir chegar a interessantes e agradáveis conclusões nos próximos posts, ficamos conscientes que:

Dinheiro = Energia
Câmbio: 1 kWh = 0,15 €


Isto permite-nos perceber, por exemplo, que um aumento do preço da energia equivale a uma desvalorização da moeda. Combater a subida do preço da energia é tão importante como combater a inflação. Para sentirem bem isso, podem reduzir o vosso ordenado a kWh – basta dividi-lo pelo preço do litro da gasolina e multiplicar por 10. Se quiserem ser perfectionistas, podem ver quanto estão a pagar por kWh consumido à EDP e fazerem a média dos dois valores. E depois vejam como o vosso ordenado em kWh vai variando no tempo.

(em vez dos índices de inflação, seria mais útil que alguém se desse ao trabalho de obter o indicador «preço do kWh»)

E podem também fazer uns raciocínios divertidos... por exemplo, uma “bica” (café expresso), em Portugal, são 4 kWh, um cinema são 30 kWh, um almoço serão uns 60 kWh. Quando estão a olhar para uma moeda de 1 euro, estão a olhar para 6,7 kWh... Já repararam nesta coisa interessante:


um café expresso representa o mesmo consumo energético de uma lâmpada de 100 W acesa durante 40 horas!

E não estou a incluir a energia de fotossíntese – apenas a energia manipulada pelo homem.
E podem ainda notar o seguinte: tomar como objectivo da gestão dos países o aumento do PIB equivale a ter como objectivo aumentar o consumo de energia. Os EUA consomem mais energia per capita que muitos outros países porque têm um PIB mais alto. Os EUA não são mais perdulários com a energia do que a França, Espanha, Brasil, Portugal ou a média mundial; têm simplesmente mais dinheiro. Corolário: gerir apenas para um aumento do PIB pode ser gerir mal.




Este gráfico está disponível aqui

28 comentários:

anonimodenome disse...

os economistas, governantes e os sindicatos deviam ter mais atenção a estes pensamentos.
O cidadão trabalhador que vende a força de trabalho veria com bons olhos negociações salariais reportadas à moeda-energia.
Ficava mais claro o balanço de ganhos e perdas.

No gráfico acima de PIB/kW per capita (dados de 2006 creio) a Rússia está numa posição que não compreendo porque tem um PIB muito baixo para o nível de energia que gasta. Talvez seja porque precisa de gastar mais energia no aquecimento e o preço da energia pode estar sub-facturada.
O Japão também está numa posição destacada pelo motivo contrário: excesso de PIB em relação ao kW. Aqui creio que se deve ao facto de o Japão ter receitas do exterior muito elevadas. O consumo de kW é "exportado" junto com as fábricas que deslocalizaram e boa parte do PI é "importado".
A Arábia Saudita deve ter a gasolina muito mais barata do que a água.
(eles não entendem quando nós dizemos "ao preço da chuva" )

a crise financeira é de tal ordem que até aqui se faz notar. Os teus leitores andam com a cabeça noutro lado.

Que isso não te faça perder a vontade de comunicar.
Os leitores do outrafísica, e a posteridade, aguardam a continuação da viagem ao passado, e todas as outras viagens, as prometidas e as que se entrevem.

alf disse...

anonimodenome

Ena, um comentador que continua atento durante o fim de semana! A generalidade dos bloguistas faz «férias» ao fim de semana rsrsrs

No último gráfico o importante é preceber que o gasto de energia é aproximadamente proporcional ao dinheiro que se tem; que economizar energia NÃO É DESLIGAR AS LUZES, É GASTAR MENOS DINHEIRO.

O desvios para a direita ou esquerda do valor médio da relação, que passa pelos paises que indico no post, deve resultar da variação do preço do kWh em diferentes paises - repara que os que gastam mais são os que dispõem das principais reservas de combustíveis fósseis (canadá, rússia, áfrica do sul, arábia saudita, china tem grandes reservas de petroleo, gás ou carvão)logo, aqueles em que o kWh pode ser mais barato.

Nota tb o seguinte: nos EUA o preço do kWh subiu muito nos últimos anos, o que significa que as pessoas ficaram muito menos ricas num curto espaço de tempo. Para repor o nível económico é preciso «injectar» maciças quantidades de dolares, porque o dólar, em relação à «moeda-forte», vale agora muito menos.

antonio ganhão disse...

0,15, faz-me lembrar o número da besta 666, existem números que são uma razão de ouro da nossa desgraça, felizmente não lhes ligo mais do que 15%...

Manuel Rocha disse...

Muito bom este trabalho.
Mas eu teria muito cuidado com o desenvolvimento deste raciocínio porque contem grandes ratoeiras. A primeira é a relação entre energia e o PIB ( quanta energia podemos comprar com a riqueza que produzimos ?), porque não consegue reflectir o PIB como independente da intensidade da fonte de energia que o produz. Ou seja, o PIB depende da fonte, não apenas da sua intensidade mas tb da sua natureza. Não adianta, por exemplo, pensar no comércio de mercadorias sem pensar transporte movido a gasóleo porque no actual modelo não existem alternativas de natureza energética para o fazer. A segunda é que o preço de uma fonte de energia, que é um recurso patrimonial ( os combustíveis fósseis não são recurso renovável ), é uma opção politica que admite de um modo muito ocidental a validade do principio da propriedade privada ( e transitória )dos meios de produção, “legitimando” assim o “direito” da geração que “descobriu” o petróleo a vende-lo pelo preço e nas quantidades que entender por bem. Ora como se viu recentemente, quem vende petróleo ou electricidade pode mudar de ideias facilmente. E isso tem reflexos imediatos na capacidade de quem dele depende gerar o seu PIB “tradicional”. Ou seja, as economias dependentes de fontes externas de energia têm uma riqueza ( PIB ) contingente e logo uma considerável incerteza quanto à sustentabilidade da sua estrutura de consumos. Se houvesse lições a retirar da crise financeira corrente é que há dinâmicas que temos por adquiridas e que afinal não o estão. A medida da riqueza seria muito mais sólida se usasse como critério as fontes próprias reprodutivas. E como é evidente quando falo destas não me refiro às ditas alternativas. que consomem mais energia na sua produção e operação que aquela que disponibilizam ( agro-combustiveis, p.e. ).

alf disse...

Manuel Rocha

É como diz, o PIB depende do custo da energia. É por isso que o PIB de paises que têm energia própria (russia, por exemplo) é enganador, na realidade eles têm um custo de energia muito mais baixo.

E é por isso que as variações percentuais do PIB são enganadoras se não forem corrigidas pelo preço da energia.

NC disse...

«o preço da unidade energia – 0,15 € / kWh»

Exercício muito interessante mas irrealista. Só por coincidência, os preços da gasolina e electricidade deram iguais. Noutro ponto do tempo e do espaço e com outros combustíveis, o resultado seria diferente. O raciocínio de base é interessante: no longo prazo, os agentes tendem a atribuir um determinado valor (mínimo) pela energia rejeitando as opções que sejam mais caras que estas adaptando-se tecnologicamente.

Só que na realidade há muitos outros factores que entram e que, ainda por cima, não param "quietos". Escassez relativa das fontes de energia, restrições tecnológicas, modelos regulatórios, estratégias de diversificação das fontes, restrições ambientais.

Mas repito, o exercício é conceptualmente muito interessante.

NC disse...

«as regras do mercado fazem com que os diferentes produtos tendam para o mesmo valor da unidade de energia necessária à sua produção»

Mas isso não acontece com um Stradivarius ou com um diamante. Porque será?

NC disse...

«Os EUA não são mais perdulários com a energia do que a França, Espanha, Brasil, Portugal ou a média mundial; têm simplesmente mais dinheiro. Corolário: gerir apenas para um aumento do PIB pode ser gerir mal»

Exacto. Se quiser um link para apoiar a sua afirmação:

http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_energy_intensity

Ordene a lista por intensidade e verá que entre a Intensidade Energética dos EUA e a intensidade energética mundial (ou seja, a média mundial) distam apenas 5 posições. Os EUA são tão esbanjadores quanto a Suécia (esse modelo de bem-fazer).

alf disse...

Tarzan

Ena, gostei do teu entusiasmo!

"Exercício muito interessante mas irrealista" Ora vejamos. A este tipo de exercício chamaria o Feigenbaum (teoria do Caos) «criar intuição». E não há exercício mais importante do que este.

Porquê?

Nós podemos pegar numa descrição da realidade feita em termos de variáveis e estabelecer um modelo matemático dela. A meteorologia, a economia, a mecânica quântica funcionam essencialmente dessa forma, que é uma forma sempre possível, sempre ao nosso alcance. E útil em termos de descrição.

Mas esse tipo de modelos não é extrapolável, não serve para fazer previsões, porque o comportamento futuro das variáveis não é consequência do comportamento passado.

Claro que há quem faça previsões baseadas nesses modelos. Há sempre alguma probabilidade de acertar com erro reduzido. Por exemplo, eu posso prever para a manhã o mesmo tempo que aconteceu hoje e a probabilidade de errar esta previsão por mais de 2ºC é mínima. Como se vê, pode-se fazer previsões sem se ter o mínimo conhecimento dos fenómenos.

Fenómenos! Identificar os fenómenos, ou seja, as relações entre variáveis cujo comportamento temporal podemos saber, esse é o busílis da questão!

Porque um modelo baseado em fenómenos é um modelo que pode fazer previsões!

Para identificar os fenómenos temos recorrer a outra coisa: a Intuição! O Poincaré bem chamou a atenção para isso, mas as pessoas sensatas, os académicos, os profissionais sabem perfeitamente que a «intuição» é irrealista!

Será? Ou será a Ferramenta do Conhecimento?

Nota que a realidade é complexa (duplamente, em quantidade e em qualidade); não pode ser explicada por um só fenómeno. Um modelo fenomonológico só serve para estabelecer as grandes linhas de evolução, não para calcular os detalhes.

alf disse...

Tarzan

"Mas isso não acontece com um Stradivarius ou com um diamante. Porque será?"

Eu só disse que os preços tendiam, ou seja, que há uma acção que faz pressão nesse sentido; mas há outras forças que entram nesse jogo

De qualquer maneira, nota que os diamantes são caros porque a sua prospeção é muito cara - exige muita energia.

Certos quadros têm preços exorbitantes que não se podem relcionar com energia; aí entra outro factor, como no caso do Stradivarius. Mas esses casos têm apenas uma importância marginal para esta análise. Como já disse, a realidade é muito complexa, não tenho por objectivo descrevê-la mas intuir um dos processos mais importantes.

Acabo de receber a factura do gás. Coisa curiosa, convertem os m3 de gás em kWh! E depois aplicam um preço por kWh. A pouco e pouco, tudo se vai reduzindo a kW... Feitas as contas ao total da factura, estou a pagar o gás a 8 cêntimos o kWh!

Muito mais barato que a electricidade! Não deveria ser mais caro? Não é muito mais caro e complexo distribuir gás do que electricidade?

Pois, mas se fosse mais caro, os consumidores não queriam gás - porque o gás é mais dificil de usar, tem menos rendimento e tem custo de manutenção da instalação muito mais elevados. Ou seja, os kWh úteis são muito menos que o seu rendimento calorífico.

Obrigado pelo link. Um abraço

NC disse...

«De qualquer maneira, nota que os diamantes são caros porque a sua prospeção é muito cara - exige muita energia. »


Deve ser tão caro quanto a prospecção de carvão ou de rubis. Mas o diamante é mais caro.

«Muito mais barato que a electricidade! Não deveria ser mais caro? Não é muito mais caro e complexo distribuir gás do que electricidade?»

O gás é extraído. A electricidade tem de ser produzida (em parte, através de gás natural).

Onde eu queria chegar com os meus comentários: Acho que na sua análise de valorização da energia está a faltar um elemento económico que se chama escassez. É a escassez (absoluta e relativa) que determina o PREÇO dos bens. Esse preço é balizado pelo CUSTO de produção do fornecedor mais eficiente (abaixo desse valor, no longo prazo, não há hipótese de evitar prejuízos).

O diamante e o Stradivarius têm preços altos porque são poucos e muito apetecidos. Como não há para todos o preço é alto. Nos diamantes até acontece que se suspeita existir um cartel que controla o fluxo de diamantes a entrar no mercado de modo a manter os preços altos. Estrangula-se a oferta.

O diamante e o Stradivarius são apenas exemplos extremos e óbvios para que se entenda a importância da escassez na formação dos preços. Mas é uma lei que se aplica a tudo o que se possa comprar/vender.

alf disse...

Tarzan

Inteiramente de acordo com o fenómeno «escassez». O quadro muito valorizado enquadra-se nesse caso.

Isso é tão importante que até se joga com a expectativa de escassez para fazer subir o preço.

Mas isso tende a fazer surgir alternativas e por isso os bens escassos são poucos, ou a situação de um bem se tornar escasso é temporária. A longo prazo, a escassez não é tão importante como o custo energético na formação dos preços (dos produtos que pesam na economia). A curto prazo, será a escassez, ou a sua expectativa, que domina a flutuação de preços.

NC disse...

«A longo prazo, a escassez não é tão importante como o custo energético na formação dos preços (dos produtos que pesam na economia).»

Será a escassez de recursos energéticos que afectará os preços dos bens. Se um bem é composto de diversos factores, ele é tão escasso como o factor mais escasso que o compõe.

alf disse...

Tarzan

Nisso estou inteiramente de acordo. O preço da energia não cai do céu. Mas esse é o tijolo que depois determina, a menos de flutuações locais no espaço e no tempo, os preços dos outros bens e serviços - à excepção de uns marginais stradivarius, sem impacto na economia.



Em relação ao que disseste, que a electricidade tem de ser produzida, o que seria mais caro do que «extrair», compara só a complexidade de prospectar petróleo no fundo oceânico e o custo da sua extração - enormes plataformas petrolíferas exijindo pessoal permanente - com o custo de uma central hidroeléctrica, quase sem custos de prospecçao e quase sem custos de exploração, pois pode funcionar automáticamente. Claro que a produção de electricidade a partir de combustíveis fósseis introduz um adicional ao custo destes, mas esse adicional é pequeno porque uma instalação de produção de electricidade não é uma coisa de grande complexidade nem com grandes custos de operação, imagino eu. Por isso, é legítimo interrogar se não há nada de errado com o preço de electricidade que chega ao consumidor ao preço da gasolina carregado de impostos. E como acabo de ler que os consumidores «devem» à EDP mais de mil milhões de euros, mais intrigado fico.

Joaninha disse...

Alf,

que conclusão tão interessante!

Devias mandar esta tua conclusão ao nosso PM a ver se ele abre a pestana de uma vez por todas.

beijjos

joshua disse...

O teu texto deixa ampla matéria para introduzir mudanças nas nossas atitudes perante o uso das coisas e também para os poderes políticos, para que reflictam na prática todas as lições a retirar por exemplo de esta crise financeira corrente nas suas dinâmicas imprevistas, em alguns comportamentos e modos de olhar para o uso das coisas ainda lamentavelmente minoritários.

Se, como diz o Manuel Rocha, a medida da riqueza seria muito mais sólida se usasse como critério as fontes próprias reprodutivas mediante um aperfeiçoado aprofundamento maximizador de todos, mas todos! os recursos, por que motivo não se executa um esforço sério pela cabal hibridização dos recursos energéticos e pela nossa activa e militante cooperação nesse sentido, edifício a edifício, casa a casa, projecto a projecto?! A matéria colectável dos produtos energéticos no curto prazo determina que se protele acção deliberada noutros sentidos.

Falta um acordar ainda mais profundo na Europa e no resto do Mundo Ocidental ou a ocidentalizar-se virtiginosamente quer se queira quer não.

Sem qualquer petulância, às vezes, intuitivamente, sonho com coisas que podem parecer absurdas e até serem absurdas, tão absurdas como as inconscientes pretensões do pai de Einstein em capturar o favor de um célebre mestre em Física para poder inscrever o seu filho numa prestigiosa e prestigiada universidade, segundo recordo. A esta luz, parecem desfocadas aquelas inquietações de pai e desfocado o seu esforço, não fosse o seu filho uma mente funcionando além do comum dos mortais com a linguagem precisa e universal da matemática.

Basta um exemplo muito simples: por que motivo as brancas centrais de geração eólica, espalhadas pelos montes como espantalhos da beleza neutra dos horizontes limpos, não incorporam na sua área física, toda ela, um revestimento, em toda a sua superfíce exposta à luz, de células foto-electricas?! Não permitiria isso a produção cumulativa de energia?! E não seria acrescidamente funcional?!

E por que não se desenvolvem tintas ou superfícies maleáveis que reproduzam cumulativamente o mesmo efeito nos automóveis hibridos, hibridando além de duas, três ou mais formas de concentrar energia, usá-la e extender a autonomia?! Ampliar estas aplicações e exportar estas tecnologias determinaria uma prorrogação mais suave e lenta do uso dos C. Fósseis e a transição para outras soluções. De resto, as economias emergentes podem dar o salto para estas soluções sem terem de atravessar o processo de desperdício que marcou a nossa história no paradoxal século XX.

Partilho contigo, Alf, tudo isto que me passa pela mente, tantas vezes aplicada a imaginar saídas a meus olhos criativas para que se gira, como fazem arcaicamente os nossos governos, não apenas para um aumento do PIB que, como escreves, pode ser gerir mal, mas para um aumento da eficiência energética e da verdadeira economia maximizadora como base de consolidada riqueza. Confio no comentário que me farás a estes sonhos, a estas ideias traduzidas no terreno.

E tenho outras mais.

Abraço

antonio ganhão disse...

Vocês preocupam-se com cada coisa!...

NC disse...

«os preços dos outros bens e serviços - à excepção de uns marginais stradivarius, sem impacto na economia.»

Nºao. O preço do petróleo e de outras fontes de energia é também ele um exemplo de que o factor energia conta pouco para o PREÇO final. O preço só não pode ser mais baixo que o custo de produção. Há muitos produtos cujo preço final depende mais da escassez (desproporção procura-oferta) do que do custo de produção.


«compara só a complexidade de prospectar petróleo no fundo oceânico e o custo da sua extração - enormes plataformas petrolíferas exijindo pessoal permanente - com o custo de uma central hidroeléctrica, quase sem custos de prospecçao e quase sem custos de exploração, pois pode funcionar automáticamente.»

Está a confundir dois conceitos - investimento e exploração. O esforço de engenharia de construção de algumas centrais hidroeléctricas e térmicas é comparável e mesmo superior ao de poços de petróleo. A operação de poços de petróleo é também já ela automatizada. E olhe que o custo de produção de electricidade nem é proporcional à complexidade do processo produtivo. A fonte primária de electricidade mais barata è o carvão (a hidroeléctrica é teóricamente de borla mas como a capacidade de armazenagem é limitada ela é valorizada pelo custo de oportunidade) e é, de longe o que tem o processo produtivo mais pesado e complexo.


«E como acabo de ler que os consumidores «devem» à EDP mais de mil milhões de euros, mais intrigado fico.»

Chama-se défice tarifário. O custo da electricidade que se paga hoje está abaixo do custo de produção e distribuição. Estamos a comprar electricidade a crédito. Acima das nossas reais capacidades, portanto.

Qualquer dia faço um post sobre isso.

fa_or disse...

Alf,
Hoje só venho agradecer-lhe por se ter importado :)
É bom quando sentimos que temos por poerto quem se importa!
Muito obrigada

Fa

alf disse...

Joaninha

Obrigado pelas tuas palavras amáveis. Penso que isto não é novidade para o PM, as questões sociais, o equilibrio das contas com o exterior, a moralização das actividades, a preparação das gerações futuras, o fomento da independência energética, são questões a que me parece que ele dá muito maior importância do que directamente ao PIB.

Beijinhos

alf disse...

Joshua

Obrigado pelo seu entusiasmo! Mas atenção: esta análise não está concluída, longe disso; eu não sei ainda se gastamos energia a mais ou a menos, nem sei se gastamos petróleo a mais ou a menos. Temos de prosseguir cuidadosamente a análise e ver o que descobrimos.

Quanto às energias que derivam da que o Sol cá põe, isso tem sido muito estudado em alguns países, nomeadamente EUA, Inglaterra, Dinamarca (eólica) e Alemanha. França certamente tb, embora eu não tenha informação.

A sua implementação, nomeadamente a microgeração, obriga a mudanças profundas na rede eléctrica, e isso está a ser feito.

O aproveitamento casa a casa está a ser estimulado de algumas maneiras, e já há muitas soluções que começam a estar disponíveis no mercado. Veja, por exemplo, o link que o Ralf disponibilizou no 1º comentário ao post anterior.

Isto é sobretudo importante em relação às novas construções; os novos regulamentos têm exigências térmicas que visam a economia energética.

Estes sistemas já geram mais energia do que a que custam; a questão está em conseguir obter o rendimento e enquadramente que torne esse ganho económicamente do que outras alternativas de investimento. E já estamos nesse ponto, pelo a sua expansão deverá ser acentuada.


A questão do rendimento da instalação é crucial - se ela não é feita nas melhores condições, a energia que produz pode ser inferior à que custou; é por isso que revestir centrais eólicas de células solares pode não ser boa ideia, elas têm de ser instaladas onde se possa obter o rendimento necessário.

Algumas formas de obter electricidade a partir do solo podem ser uteis em situações onde não há alternativa, mas podem não ser energéticamente eficientes - não interessa estar a montar sistemas que vão produzir menos energia do que a que consumiram no seu fabrico, não é?

Não pense que os governos não dão a maior importância à questão energética. A prova de que dão é a campanha do aquecimento global, um pretexto para justificar na opinião pública a realização de maciços investimentos nas energias alternativas ao petróleo.

Um abraço

alf disse...

Tarzan

acho que vou fazer um post para esclarecer um pouco as minhas ideias...

Quanto ao fundo de garantia, acho que isso não deve ser analisado independentemente dos lucros fabulosos da EDP. Essa é a questão para mim.

Claro que tudo é possível... parece que os gestores dos bancos americanos salvos pela Reserva Federal vão empochar como bónus o equivalente a cerca de 10% do capital injectado... cá para mim, as democracias andam muito brandas... fortes com os fracos e fracas com os fortes..

alf disse...

maf_ram

Eu é que lhe agradeço. A maf_ram é que se importa com os outros e são as pessoas como a maf_ram que fazem com que haja um futuro para a Humanidade. Obrigado. Palavra de ET...

alf disse...

Tarzan

sou capaz de estar a ser leviano em relação à EDP. A empresa tem de gerar lucros de acordo com o capital investido e qd o capital investido é muito grande, os lucros terão de o ser tb... e parcialmente distribuidos em dividendos pelos acionistas. Não sei dizer se os lucros da EDP são os que deveriam ser, atendendo ao seu monopólio que implica restrição dos lucros, ou se está a beneficiar de um preço elevado de venda da electricidade. Qual é o montante de lucros que seria razoável a EDP ter, face ao capital investido? Não sei.

NC disse...

«Qual é o montante de lucros que seria razoável a EDP ter, face ao capital investido? Não sei.»

Por isso existe um regulador que desenha os tarifários de forma a que EDP e REN tenham uma determinada taxa de remuneração em cada uma das suas actividades. Volto a lembrar que não é a EDP nem a REN a fixar o preço mas sim a ERSE (entidade reguladora dos serviços energéticos). O problema deste modelo é o de que os produtores estão mais bem representados (têm mais força negocial). O ideal seria que não houvesse monopólios (acho que na produção e distribuição isso seria perfeitamente possível) e que as redes ficassem nas mãos de uma empresa independente para que se garantisse a igualdade de acesso às "estradas" e "auto-estradas" de energia. O que parece estar a acontecer na energia é algo semelhante às comunicações: as redes são propriedade do quase-monopolista.

alf disse...

Tarzan

Exactamente. Eu até conheço bem o processo nas comunicações e é por isso que sei que a ideia de um regulador independente da empresa que domina o mercado é utópica, pelo menos a curto prazo.

O que me aborrece mais nesta história da EDP é a constante afirmação de que os consumidores devem dinheiro à EDP. Ora eu não admito que alguém faça tal afirmação a meu respeito, porque eu pago as minhas contas a tempo e horas. Além disso, dizer que a EDP está a vender a electricidade a um preço mais barato do que o devido e terá de cobrar a diferença mais tarde é a mais inadmissível das fraudes ao sistema económico. Por várias razões.

Para começar, se o preço que eu terei de pagar pela electricidade não é o que eu estou a pagar, então eu tenho de saber isso para analisar as minhas opções - posso, nesse caso, optar por uma instalação solar, eólica ou simplesmente comprar um pequeno grupo gerador que me fornece energia mais barata do que o tal preço da EDP que eu desconheço qual seja.

Depois, eu ajusto as minhas despesas de consumo às minhas disponibilidades económicas; se amanhã me vêm dizer que afinal eu tenho de pagar mais pela energia que já gastei, onde vou eu buscar o dinheiro?

Finalmente, não entendo como pode a EDP estar a fornecer energia «abaixo do preço de custo» e apresentar lucros fabulosos. Não bate certo não é?

Além disso, a EDP não está a vender a electricidade mais barato que as outras empresas europeias, apesar de nós sermos um pais com grandes recursos hídricos. Ora esta comparação não pode ser «chutada para debaixo do tapete».

Enfim, este esquema não será certamente uma originalidade nossa, e eu até quero que a EDP seja uma empresa forte e com lucros, mas certamente que seria impensavel num pais como a Inglaterra ou os EUA poder dizer-se que os consumidores estão a criar uma dívida ao fornecedor.

NC disse...

Um bocadinho a propósito, veja aqui um gráfico onde se compara o preço das diversas fontes de energias

http://www.eia.doe.gov/oiaf/aeo/pdf/0383(2008).pdf

pág. 5

Isto refere-se naturalmente à realidade americana e não sei se se passa o mesmo por cá.

alf disse...

Tarzan

Interessante link

Por ele se vê que o preço do kWh de electricidade é mais ou menos o mesmo que indiquei (11 ou 12 cêntimos do euro nos EUA em 2006, mas é preciso ver que eu fiz as contas par ao consumidor doméstico)

As outras formas de energia têm um preço inferior mas a verdade é que têm um custo acrescido para serem utilizados, pelo que o preço da energia será um preço de mercado, concorrencial, sendo o custo final para o utilizador semelhante ao preço da electricidade - pelo menos assim me palpita. Se entrarmos em conta com o rendimento da transformação das diferentes formas de energia, os preços ficam logo muito semelhantes.

Este documento também traz os preços por BTU (cerca de 0,3 Wh) em vez de toneladas equivalentes e outras coisas que se usavam antigamente, o que está de acordo com a ideia de que o grande quantificador da economia é a unidade de energia.

A grande diferença que eu noto para cá está nos impostos sobre os combustíveis, que torna o preço do kWh útil destes superior ao da electricidade - algo só possivel enquanto os transportes forem dependentes destes combustíveis.

No dia em que os veiculos electricos de carregar na tomada forem uma realidade, a política fiscal sobre a energia terá de ser revista.