sábado, agosto 30, 2008

Quanta Energia Sustentável?




Energia? É a Energia que faz as coisas boas acontecerem e a falta dela que gera as más, não é? Portanto, para sabermos se caminhamos para coisas boas ou más, temos de fazer o balanço entre a energia disponível e a necessária.


Primeira questão: quanto é a energia sustentável disponível?


Ao nível do conhecimento actual, a energia sustentável disponível é só a que vem do Sol; segundo os satélites, o fluxo médio de energia solar que incide sobre a Terra é de 1366 W/m2; parte desta energia é reflectida pelas nuvens e superfície terrestre; segundo a Wikipedia, o valor da parte reflectida (albedo) é 0,367; logo, a parte absorvida pela Terra é de 865 W/m2.


Para calcularmos a energia total absorvida pela Terra, basta multiplicar aquele valor pelo valor da secção da Terra. Como este é de 127 milhões de km2 (127 Tm2), a superfície da Terra recebe uma potência de 110 mil TW, ou seja 964 milhões de TWh por ano - grosso modo, 1 000 milhões TWh por ano. (T é o símbolo de «Tera» que representa um milhão de um milhão, ou 10^12)


Portanto, temos um primeiro número para o nosso balanço energético:


A potência solar «bruta» é de mil milhões de TWh por ano (ou 10^21Wh por ano)


Esta energia chega na forma de ondas electromagnéticas e facilmente pode ser transformada em «calor». Mas o calor não é uma forma de energia «útil», pode apenas ser usado como meio intermédio de obtenção de energia «útil», com uma eficiência baixa. A Vida recorre à fotossíntese para obter a energia útil de que precisa (à excepção de uns casos sem volume biológico).


Qual é o rendimento da fotossíntese? Ora a resposta a esta questão parece ser difícil. Para começar depende muito da temperatura e da concentração de CO2 ambiente. Depois, varia com o tipo de planta. Na Wikipedia podemos encontrar um valor teórico de 6,6%. Aqui diz-se que:


Photosynthesis and agriculture. Although photosynthesis has interested mankind for eons, rapid progress in understanding the process has come in the last few years. One of the things we have learned is that overall, photosynthesis is relatively inefficient. For example, based on the amount of carbon fixed by a field of corn during a typical growing season, only about 1 - 2% of the solar energy falling on the field is recovered as new photosynthetic products. The efficiency of uncultivated plant life is only about 0.2%. In sugar cane, which is one of the most efficient plants, about 8% of the light absorbed by the plant is preserved as chemical energy."



Há ainda um aspecto de peso que é o seguinte: as plantas gastam parte da energia que obtêm da fotossíntese simplesmente para se manterem vivas; esta parte é cerca de um terço em condições favoráveis. Mas este «terço» é gasto dia e noite, enquanto que a fotossíntese só funciona durante o dia. E isto reduz para metade a eficiência média liquida da fotossíntese. Ou seja, isto reduz para 3,3% o valor teórico em presença da luz de 6,6% indicado na Wikipedia.


Temos ainda de considerar que uma parte da área da Terra não suporta vida, como os desertos, as zonas elevadas ou as geladas; que as zonas da Terra em latitudes superiores aos 40º têm condições térmicas que determinam baixo rendimento e funcionamento da fotossíntese durante apenas parte do ano; e que os processos agrícolas determinam largos períodos de baixo coberto vegetal.


Eu já vi não sei onde que há quem tenha atribuído uma eficiência global de 1% à fotossíntese, o que, pelo que acima enumeramos, parece razoável; se o milho atinge o máximo de 2% durante só a época de crescimento, a que corresponderá um valor muito inferior na média anual, não poderemos esperar valores médios globais superiores a 1%, apesar de em alguns casos, como o da cana de açucar, ou recorrendo a atmosferas enriquecidas em CO2, isso ser possível; mas são situações sem dimensão à escala do planeta. Portanto, poderemos estimar para a eficiencia fotossintética natural global o valor de 1%.


E nos oceanos, que representam 70% da superfície do planeta? Aí, algas e bactérias encarregam-se da fotossíntese; na falta de outros elementos vou usar o mesmo valor de eficiência para todo o planeta.


Então temos aqui um segundo número:


Eficiência fotossintética global estimada: 1%


E este número permite-nos obter imediatamente um terceiro:


Energia bioquímica máxima: 10 milhões de TWh por ano (10^19Wh)


Há um pressuposto falso neste número: o de que todos os elementos químicos e outras condições necessários a uma quantidade de vida capaz de absorver essa energia estão naturalmente disponíveis. Não estão, por isso precisamos de fabricar e distribuir adubos, irrigar, etc., o que consome energia, algo a que teremos de prestar atenção mais adiante.


Agora, vamos ao outro lado do nosso balanço: saber a energia que a Vida na Terra está a gastar. Sabemos que vamos buscar muita energia aos combustíveis ditos fósseis, mas não sabemos se a energia total que gastamos está dentro do sustentável ou não; se estiver, o recurso a biocombustíveis ou células solares ou fotossíntese artificial pode resolver o problema do fim desses combustíveis fósseis; se não estiver, a solução terá de ser outra.


Não saberemos quantos peixes há no mar mas sabemos quantos humanos há em terra. Quanta é a Energia que um ser humano precisa para sobreviver? E quanta a que a sociedade actual precisa?


Eu vou de férias por uns dias, o meu corpo recusa-se a sentar-se mais em frente ao computador, mas não acabou o amigo leitor de regressar de uns dias de férias, com a cabeça fresquinha e o corpo revigorado? Não quer procurar a resposta a essas questões? Por enquanto não dou prémios à melhor resposta mas certamente que oferecerei aos meus comentadores um exemplar autografado do livro que publicarei com algumas das coisas que aqui tenho dito e outras...


Se alguém tiver outros números diferentes dos que apresentei, faça o favor de os trazer aqui! Eu e os outros leitores ficaremos gratos. E é bom que haja outros números para testarmos depois o que melhor parecer ajustar-se ao balanço a que chegarmos. Este é um processo de descoberta, não é uma lição magistral.
PS - na versão inicial deste post havia um erro no cálculo da potência solar, já corrigida.

18 comentários:

Diogo disse...

Para poder comentar este post preciso de mais tempo do que este que furtivamente vou arrancando às férias (que estão a acabar).

Abraço

antonio ganhão disse...

Eis porque as guerras e os genocídios são fundamentais: eles repõem alguma folga energética.

alf disse...

diogo
espero que essas férias lhe tenham carregado as baterias que o ano promete-se cheio de oportunidades para grandes posts no seu blogue! Agora vou eu tratar disso.

Um abraço agradecido

alf disse...

António

As guerras, os genocídios e as epidemias repõem alguma folga energética - essa é a solução final quando as outras falham. Conseguiremos escapar à «solução final»?

alf disse...

António

continuando - não há fuga possível à guerra e ao genocídio se perdermos a «folga energética», como lhe chamou; ter consciência disso e do ponto em que nos encontramos é fundamental para que possamos adoptar medidas duras mas capazes de evitar que cheguemos a essa situação.

Só que, politicamente, isso não serve os interesses de quem está no poder.

No fim desta série de posts, conscientes então da real situação, havemos de analisar que tipos de medidas são necessárias e como é que a política mundial se está a inscrever neste quadro.

Joaninha disse...

Alf,

Muito bom, muito bom mesmo.
Acho mesmo que a nossa sociedade em de baixar o seu consumo energetico, não só a nivel de queima de combustiveis mas em termos e consumo de energia chamemos-lhe vital, a energia existente não comporta consumos tão elevados...Não sei se me fiz entender, mas adorei o post!

beijos

alf disse...

Joaninha
Será? Será que a nossa sociedade não comporta este consumo? Será que essa tua percepção está certa? E, se está, quanto é que estamos a consumir a mais? Será que as energias alternativas resolvem o problema? Que medidas devemos tomar?

Só se pode responder a estas questões e enfrentar o problema quantificando-o. Sem isso, é como se estivessemos a discutir a existência de deus, cada um fica com a sua ideia.

É esse o desafio desta série de posts, desafio este que nasceu do blogue do Manuel Rocha: quantificar o problema.

Os comentários, como já tenho referido, são muito importantes para mim, dão-me pistas, inspiração, orientam-me. E, para além disso tudo, dão-me estímulo! E este teu comentário fez-me «ganhar o dia»! Para mim é muito importante que acompanhes estes posts por razões que perceberás mais adiante e fiquei extremamente feliz com o teu entusiasmo. Obrigado!

Joaninha disse...

Alf,

"Para mim é muito importante que acompanhes estes posts por razões que perceberás mais adiante e fiquei extremamente feliz com o teu entusiasmo. Obrigado!"

Não se faz, olha que eu consumo muita energia, uma energia chamada cuscomica, de cusca, agora fiquei curiosa...

Beijos

Diogo disse...

Quanta Energia Sustentável?

Toda a que quisermos: solar, térmica, eólica, movimento de águas, nuclear, etc. Basta sabermos extraí-la. Dentro de 50 anos já não haverá problemas de energia. E se calhar só precisaremos de um trilionésimo da que gastamos hoje.

Portanto a solução energética aproxima-se de duas direcções opostas: capacidade infinita de captação. Necessidade cada vez menor.

Abraço

anonimodenome disse...

no documento FAO METHODOLOGY FOR THE MEASUREMENT OF FOOD DEPRIVATION, 2003, sobre a desnutrição mostra o valor calculado como mínimo diário de energia por pessoa (pág 9) :

1885 kcal/dia

http://www.fao.org/FAOSTAT/foodsecurity/Files/undernourishment_methodology.pdf

boas férias amigo alf.

alf disse...

Diogo

Será? Essa é a ilusão que tem sido passada. Mas será? Pense um pouco: sendo a Vida tão carente de energia e a Natureza tão eficiente nas suas soluções, estará ao nosso alcance fazer aquilo que a Natureza não é capaz de fazer?

Por outro lado, há um limite absoluto: a energia que recebemos do Sol, os tais mil milhões de GWh. Ora quanto é que nós estamos a gastar e quanto é que precisaremos de gastar para estender a nossa civilização a toda a população mundial? Será mais ou menos do que isso?

Nada como fazer as continhas... se calhar, vêm aí surpresas...

Um abraço

alf disse...

Joaninha

Para analisar e solucionar problemas dificeis são necessárias pessoas iguais no entusiasmo mas de diferentes experiências, saberes, sensibilidades.

Eu atrevo-me a fazer umas continhas a este problema mas é preciso muito mais do que isso para o enfrentar. A minha intuição segredou-me que uma joaninha é precisa neste jardim... mais do isso não sei nesta altura! O futuro tem os seus mistérios...

anonimodenome disse...

população no mundo
6625 Milhões em meados de 2007
página 7 do documento
2007 WORLD POPULATION Data Sheet
do Population Reference Bureau

http://www.scribd.com/doc/326077/World-Population-Datasheet-2007?ga_from_send_to_friend=1

alf disse...

anonimodenome

Obrigado! temos um número:o mínimo diário calculado é 1885 kcal.

Mas como o Universo conspira para nos ajudar, até a última Sábado resolveu responder à questão!

Na pg 16 pode ler que a ddr (dose diária recomendada) é

1900 mulheres e 2300 homens

o que em média significa

ddr=2100 kcal


mas apresenta ainda um interessante quadro do consumo médio 2001/2003, onde Portugal surge à cabeça dos europeus com

Portugal (2001/2003)= 3753 kcal

Nessa lista vemos que os consumos dos 6 paises apresentados são superiores a 3400 kcal/dia

As férias estão óptimas e isto de haver net em toda a parte ainda as faz melhores! Um abraço.

anonimodenome disse...

no meu comentário acima em que referi 1885Kcal/dia/pessoa é o valor mínimo para não se passar fome.
no entanto qualquer sistema tem perdas pelo que deverá ser procurado um valor superior.
no messmo documento o valor DES - Dietary Energy Supply = 2414 Kcal/dia/pessoa
(pág. 4 e 5 - tabela 1 )

o DES detalhado por país está em
http://data.un.org/Data.aspx?q=energy&d=FAO&f=srID%3A3650
(um mundo de informação nas bases de dados da UN públicas)

no entanto a leitura que fiz ao documento foi transversal e merece mais atenção.

alf disse...

anonimodenome

Obrigado pelos links. Note que os dados por país (último link) não inclui os países «ocidentais». Acaba onde começa a tabela publicada na Sábado, nas 3400 kcal...

As pessoas nos países mais «civilizados» não consomem mais apenas porque podem, mas porque necessitam, a sua vida é bem mais exigente que a dos países «atrasados»; este é um dado a ter em conta quando se contabiliza o custo energético da civilização embora, como veremos, o consumo alimentar tem um peso quase desprezavel no custo energético da civilização.

Manuel Rocha disse...

Está muito bom este exercício, mas apetece-me vestir pele de Alf ( aproveito as férias dele ) para discorrer este comentário.

Há pouco dias as autoridades de NO decretaram a evacuação da cidade perante a ameaça de um furacão. Depois do que correu mal há alguns anos, fizeram uma serie de ajustamentos logísticos e organizativos. É bem possível que num futuro próximo consigam soluções ainda mais eficazes para garantir a fiabilidade dos diques de protecção, para a evacuação mais rápida dos cidadãos, ou na previsão da evolução dos furacões. Mas de que é que tudo isso adiantará para a cidade em si no dia em que esteja na rota de um F4 numa situação de preia –mar ??

Pois !...

O caso é que será sempre possível estimar uma capacidade teórica qualquer, seja ela de carga de um dique, de fluxo de tráfego, de resistência de materiais, como de fotossíntese ou consumo energético per capita. Mas enquanto fazemos isso passamos ao lado da questão central: qual a necessidade que existe de criar e insistir em manter uma metrópole abaixo do nível do mar numa localização onde a probabilidade de daí derivarem sérios problemas é elevada ?
Com a energia passa-se algo de muito semelhante: entre contas para cima e para baixo e a fé de uns tantos em que daqui a cinquenta anos a ciência e a técnica até Deus irão inventar, ninguém questiona qual a santa necessidade de usufruirmos dos níveis de consumos existentes. Como também parece ser dogma que a população tal como a economia têm no crescimento ilimitado o seu desígnio natural.

Num ano normal eu posso sempre dizer que consigo alimentar na quinta seis ovelhas por cada hectare. Mas num ano seco posso não arranjar comida para metade. Se o ano for seco para mim, será igualmente seco para os meus vizinhos, mas claro que com meia dúzia de ovelhas a situação se resolve de qualquer maneira, e o meu vizinho Varela talvez me dispense uns fardos de feno que lhe tenham sobrado da campanha anterior. Se em vez de seis as ovelhas forem seiscentas, o caso muda de figura e pode até acontecer que o valor das carradas de feno que poderia importar de França seja superior ao das próprias ovelhas, mas ainda assim alguma solução se iria encontrar. Para o que não haveria certamente solução seria para seis milhões de ovelhas.

O que estou a tentar dizer é que as questões de escala não podem ser lidas segundo critérios de proporcionalidade linear. E se em lugar de procurarmos resposta na ciência olharmos para a história, não será muito difícil percebermos que foram os grandes números, as razões de escala, o calcanhar de Aquiles de importantes civilizações. Não há nenhuma razão para que as contemporâneas sejam a excepção a essa regra. Aparentemente, quando as coisas dão para o torto, não são necessariamente os mais pequenos os que mais sofrem com elas. Talvez não tenha sido por acaso . Os pequenos organismos como as pequenas organizações são mais versáteis e de mais fácil adaptação á mudança . Por isso continuo a defender que as contas á sustentabilidade das soluções energéticas, devem ser sempre uma função local em que seja dado relevo significativo ás equações de precaução para os imponderáveis . Esses modelos devem tentar reajustes recíprocos entre necessidade e produção, e não extrapolar para raciocionios globais, independentemente da sua viabilidade teórica dessa abordagem.

alf disse...

Manuel Rocha, grande alegria em o ver de volta! É que já andava mesmo preocupado com a sua ausência! E, afinal é por sua causa que estou a escrever esta série de posts, pois eu até sou aquele que convenceu com os seus argumentos.

Em relação ao que diz, tem toda a razão. No Katrina perderam a grande oportunidade de mudar a zona de risco para outro lado em vez de se porem a reconstruir.

Vai ver que estas contas que irão sendo desenvolvidas aqui vão permitir basear a análise da questão que o preocupa em bases de grande solidez - vão permitir saber exactamente a natureza das medidas a tomar e as consequências de o fazer ou não. Sem isso, andamos a «navegar à vista» e corremos o risco de entrar numa enseada profunda e labiríntica em vez de contornarmos um continente. Daqui a um mês me dirá.
Um abraço.