Que quer a Luísa agora? De braço levantado, como quem tem algo importante para dizer...
“Como é isso da velocidade da Luz não depender da velocidade da fonte? Então não dizem que as estrelas se estão a afastar porque a Luz delas nos chega desviada para o vermelho?”
Não percebo nada do que a Luísa está a dizer. O que é que tem o desvio para o vermelho com a velocidade da Luz? Os olhos do Mário lançam um sorriso de compreensão. Fico na expectativa.
“Essa é uma confusão muito comum. Luísa, tu nunca estiveste numa passagem de nível, ou numa estação de comboio, a ver passar um comboio que não pára, daqueles que vêm sempre a apitar, pois não?”
O ar surpreendido da Luísa torna-se maior que o meu e o da Ana, o que não deixa de me dar uma certa vontade de sorrir. “Que me lembre.... já devo ter estado, mas não estou a lembrar-me... mas porquê?”
“Se tivesses estado, saberias que o apito estridente do comboio que se aproxima se torna subitamente mais grave quando passa por nós.”
Luísa sorri-se. “Sério?” “ E porquê?” pergunta intrigada.
“Sabes que o som se propaga no ar, a uma velocidade constante em relação ao ar, não sabes?”
“A 340 metros por segundo”, surpreende-me ouvir a Ana assim de repente, ainda antes da Luísa ter tido tempo de dizer “Sei, claro!”
“Ora bem, o som é uma vibração do ar, uma sequência de compressões e expansões; a distância entre duas compressões sucessivas, ou duas expansões, é um comprimento de onda. Como o som se propaga a velocidade constante no ar, se estivermos parados e não houver vento, detectamos uma sequência de compressões com um certo ritmo, que identificamos como o tom do som; esse ritmo, ou frequência, é medido pelo número de compressões que nos atingem em cada segundo.”
“Isso sei eu! A frequência é o número de ciclos por segundo, ou Hertz. A frequência do Lá fundamental é 440 Hz. Eu aprendi música, tenho ouvido musical, e também danço, não sou pés de chumbo como tu, Mário.” Luísa liberta umas das suas alegres e contagiosas risadas. Mas retoma o assunto num instante: “E daí?”
“Daí, se tu agora, em vez de estares paradinha, te fores a mover para longe da fonte sonora, o número de compressões que te vai atingir em cada segundo é menor, não é verdade? E se te moveres em direcção à fonte, é maior, não é?” Luísa pensa um instante. “Sim, claro...”.
“Pois, portanto o som fica com um tom mais baixo, ou seja, fica mais grave, quando te afastas da fonte, e mais agudo quando te aproximas. Claro que tu não notas isso porque a velocidade a que te deslocas é muito pequena em relação à velocidade do som. Mas algo semelhante se passa se em vez de seres tu a moveres-te for a fonte: quando a fonte se aproxima de ti, porque se está a deslocar no mesmo sentido do som que estás a receber, as sucessivas compressões vão ficar mais próximas umas das outras; quando se afasta de ti, ao contrário, o som gerado vai ter um comprimento de onda maior, ou seja, o intervalo entre as compressões vai ser maior.”
a fonte move-se da direita para esquerda; imagem: wikipedia
“Estou a perceber, quanto menor o comprimento de onda, maior a frequência do som que receberei... e quando a fonte passa por mim, eu percebo a diferença, sinto o som a passar subitamente de uma frequência mais alta para uma mais baixa...”
“Isso mesmo Luísa!” o Mário sorri satisfeito, entendo porquê, nada é tão difícil de explicar como as coisas simples, “chama-se a isto o efeito Doppler.”
“Está bem, mas o que é que isso tem a ver com a luz das estrelas distantes?”
“Então Luísa, é mesma coisa, não estás a ver? As estrelas são como o comboio a afastar-se, a onda gerada, que é Luz em vez de Som, chega-nos com uma frequência mais baixa do que é normal aqui; ora nós percebemos a frequência da Luz como “cor”, correspondendo os vermelhos às frequências mais baixas que vemos e os azuis às mais altas.”
“Ahh, estou a ver... por isso se diz que a Luz das estrelas está desviada para o vermelho... quer dizer que a sua frequência é mais baixa do que a frequência normal...”
“Certo. Isso mostra-nos que as estrelas se estão a afastar de nós.” Ou talvez não, penso com os meus botões... grande surpresa vais ter, Mário, Deus é subtil... “Esse mesmo efeito é usado nos radares para medir a velocidade dos automóveis: a onda de rádio emitida pelo radar, ao ser reflectida pelo carro, passa a ter uma frequência diferente da onda inicial devido à velocidade do carro. As ondas de rádio são como as ondas de luz, apenas são de uma frequência que os nossos olhos não vêm.”
“Isso prova então que a velocidade da Luz é como a do Som, relativa ao meio e não à fonte”, a afirmação da Ana interrompe a minha cogitação. Fico curioso de ouvir o Mário.
“Calma. Isso foi o que se pensou a princípio, por isso se colocou a hipótese do aether, que seria um fluido que preencheria todo o espaço e que seria o suporte da Luz. Mas depois fizeram-se outras experiências que provaram que não é assim, que não existe esse tal aether”.
“Calma aí também!” Dou uma risadinha para evitar que o Mário se irrite com a minha contestação a uma das suas vacas sagradas. “ É preciso ter muito cuidado com as conclusões das experiências. O movimento das luas de Júpiter ou o efeito Doppler da Luz provam que a velocidade da Luz é independente da velocidade da fonte, mas não provam que existe um aether; e, da mesma maneira, as experiências que se fizeram depois também não provam que ele não existe.”
Mário respira fundo. Faz um esforço por responder com calma. “Então provam o quê?”
“Esperem aí!” A Luísa outra vez de braço no ar. Que quererá ela agora?
“Já percebi que a velocidade da Luz é independente da velocidade da fonte; já sei que a velocidade do som no ar é de 340 metros por segundo. Mas qual é a velocidade da Luz? Desculpem lá, mas antes que vocês comecem com as vossas discussões do costume, eu quero arrumar as minhas ideias!”
“Olha, fizeste uma pergunta muito importante! E a resposta a essa pergunta encerra talvez o maior mistério da Física actual.”
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11 comentários:
Ah!
Então o maior misterio da física actual é a velocidade da luz...
Isto está a aquecer, vamos lá ver o que vai sair daqui... =)
metódica
"Faça-se Luz" diz no Génesis- não é metáfora não, na Luz está a essência do Universo.
Os Físicos pensaram que poderiam não compreender a Luz, que bastaria ter um modelo matemático - a Relatividade - para poderem lidar com o Universo. Grave erro. Mas nós vamos corrigi-lo, certo?
Bem, se a velocidade não depende da fonte, porque existe quem corra mais do que eu? Porque devo correr?
Existe o aether? Talvez a velocidade não dependa mesmo da fonte, pois por mais que o homem evolua nos seus conhecimentos, continua a virar-se para o etéreo, sempre com a mesma tenacidade, acreditando no que não consegue abranger, ver ou alcançar!
Pode que não seja o maior mistério da física actual, mas é-o seguramente da humanidade.
antónio
o maior mistério da física está ligado à Luz e ao aether, o da humanidade, à "Luz" e ao etéreo... boa analogia sim senhor... e é bem verdade... e olhe que o Jorge é capaz de também ter alguma coisa a dizer sobre isso!
Boa peregrinação
Certo =)
A velocidade da luz não depende da fonte, mas pode ser relativa ao observador?
metódica
isso é o que alguns pensam... mas aqui entre nós, isso tem alguma lógica?
Não sei, eu só coloquei um hipótese...
Sou apenas uma aluna... estou aqui para aprender =D
“Olha, fizeste uma pergunta muito importante! E a resposta a essa pergunta encerra talvez o maior mistério da Física actual.”
Vai daí...
a velocidade da luz é o valor da velocidade limite para qualquer transporte de matéria/luz.
o que nos faz sentir terrivelmente sózinhos neste cantinho do universo.
esta solidão pesa tanto que não admira que viajar bem acima da velocidade da luz seja tema recorrente nas obras de ficção científica.
também os OVNIS andam aí, na cabeça de muita gente, para ultrapassar este sentimento de solidão.
suponho que nem o Jorge nos vai tirar desta solidão, neste cantinho do universo.
compreender melhor a natureza da luz vai ajudar a suportar melhor a nossa pequenez.
Joaquim Simões
Em verdade vos digo... não será findo o mês de Maio sem que as vossas almas se encham de espanto perante o que os vossos olhos vão ver e os vossos cérebros vão inacreditar...
(espero eu)
anonimo de nome
não é de solidão o sentimento. Pensamos que é mas não é. Nem poderia ser, não é? Num planeta tão cheio de gente, como poderia ser solidão?
Penso que no próximo post a Alita dirá qq coisa sobre isto...
Quanto a sermos "pequenos"... digamos que somos infinitos em cada instante... como o amor para o Vinicius
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