domingo, maio 13, 2007

Ecossistema Humano

Quando eu comecei a trabalhar, a minha natureza e juventude levou-me a tentar introduzir alterações em alguns processos de trabalho existentes no meu emprego. A reacção (indignada) de 90% das pessoas era: mas eu sempre fiz assim! há 20 anos que eu faço assim!

Durante séculos, as pessoas fizeram o mesmo geração após geração - já o meu pai e o meu avô faziam assim. No séc XX isto passou a mudar de geração para geração mas a permanecer invariante em cada geração.

Numa sociedade que não evolui, em que a riqueza produzida é sensivelmente constante, o objectivo de "ter sucesso na vida", quase que só pode ser conseguido à custa dos outros. Ou seja, para eu ter mais dinheiro, alguém terá de ter menos; para eu ser considerado o melhor numa área, os outros terão de se considerados piores. A ascensão, material ou social, faz-se à custa dos outros.

Num quadro destes, a exigência de conceitos morais sólidos torna-se importante para evitar o descalabro. O pior é que depois os que ascendem são os que não se limitam por esses conceitos.

Disse-me uma vez, com dôr, um brilhante astrónomo do Porto: os conselhos da avózinha são o estigma do fracasso.

Assim, a pouco e pouco, uma sociedade que não evolui acaba refém dos espertos, dos que pregam para os outros uma moral que não seguem. As pessoas "ricas", "importantes", são normalmente muito "crentes", pois a Igreja é o veículo da moral que lhes convém que os outros sigam. A Igreja é muito mais do que isso, mas também é isso.

A alternativa, a porta de saída para esta situação infernal, é as pessoas procurarem contribuir para um aumento da riqueza colectiva - um aumento do bolo.

Por exemplo, se a banca investir em novas empresas, contribuir para o aumento da riqueza colectiva, os seus lucros serão algo a festejar, sinal de que estamos, no conjunto, mais ricos.

Mas não, a banca não faz isso, os seus lucros resultam de taxas sobre os utilizadores dos seus serviços e actividades especulativas. Não geram riqueza colectiva, apenas ficam com uma fatia maior do bolo. Se a banca fica mais rica, então nós ficamos mais pobres. (este ano ficamos perto de mil milhões de euros mais pobres... )

Esta mentalidade do salve-se quem puder impregna toda a sociedade. Por isso a relutância no investimento na pré-primária, porque convém a quem já tem uma fatia do bolo maior que o analfabetismo funcional se propague. Por isso a falta de orientação de um ensino para a autonomia. Por isso os privilégios de que beneficiam os colégios estrangeiros. As médias de entrada em Medicina não vos causam espanto? Claro, muitos tem aquelas médias por processos fraudulentos, ainda que "legais". Mas ninguém se incomoda com isso, quem sabe quer é aproveitar-se.

Quem pode mudar este estado de coisas que nos arrasta colectivamente para o fundo?
Para começar, os professores. Eu tenho uma grande fé nos professores. Os professores dos níveis de ensino até ao 12º ano têm nas suas mãos a sociedade do futuro. São os primeiros agentes do Futuro.
Antigamente, a Escola ensinava os conhecimentos do Passado, porque estes se mantinham válidos no Futuro; os empregos pediam pessoas com experiência, esta era uma vantagem. Mas hoje os conhecimentos do passado já não são os do Futuro, e a experiência serve para quê? Os empregos pedem pessoas sem experiência e com capacidade de aprendizagem.
A Escola de hoje não pode ficar no passado, os professores têm de ensinar o que ainda não sabem! Tem de ensinar os vectores do conhecimento, da cidadania e da autonomia. Parece transcendente mas não é: basta a Escola seguir aquilo que é a verdadeira herança da nossa civilização, o primado da razão, ou a herança helénica, Socrática, se assim o quiserem. Abrirem as cabeças ao livre pensamento. Imensos professores já fazem isso, mas haverá que transformar em vaga gigante o que são ainda ondas dispersas.

E quanto a valores? Só os valores fundados na razão funcionam! Os outros, heranças mais ou menos religiosas, as suas obscuras bases sossobram no primeiro embate com o Interesse. Aceitamos os valores que compreendemos.

Bom, mas isso é para a próxima geração. E nós, o que podemos fazer agora?

3 comentários:

antonio ganhão disse...

Os Toffler defendem que no passado os mais velhos eram respeitados não pelo que sabiam do futuro, mas pelo que sabiam do passado, sendo que o futuro era uma mera repetição do passado.

Cada vez mais, o futuro se distancia do passado. Os mais velhos perdem todo o seu interesse e tornam-se num fardo, que procuramos abandonar em lares ou em hospitais...

Para utilizar a sua medida: ao perderem esse conhecimento (do futuro) são catapultados irremediavelmente para o passado! Tornam-se definitivamente velhos.

(A Revolução da Riqueza, Alvin e Heidi Toffler)

alf disse...

Exacto. Mas não há perigo de isso acontecer consigo ou comigo, não é verdade? Porque o nosso pensamento está sempre a investigar o que ainda não sabemos. E, com o tempo, a experiência, ou seja, com os erros, vamos sabendo fazer isso cada vez melhor.

Aprender a interrogar é a lição de Sócrates, essa é que é a verdadeira herança que gera futuros e progressos. A evolução da humanidade é feita pelas pessoas que têm sempre os olhos no que não sabem e não pelos que só olham para o que já sabem

Rui leprechaun disse...

Pois agora só falo da Viagem ao Futuro a toda a gente... isto é que eu sou demente!!! :)

Mas este é um espaço de sábia reflexão, logo podemos formar um círculo de união.

Não é apenas Toffler, mas também Capra e muitos outros que escrevem sobre esse ecossistema humano e apontam ao futuro... viagem rumo seguro!

Pois eu continuo a adorar tudo o que aqui leio, e como budista aponto o caminho do meio:

Dos opostos o consenso...

Rui leprechaun

(...mantras, mudras e incenso! :))