Em relação ao fim dos impérios, continuo com a ideia de que é o facto de as condições de sobrevivência não estarem asseguradas para uma parte significativa da população que vai determinar o descalabro.
O conceito de condições de sobrevivência é relativo - em África o que é necessário para sobreviver é incomparavelmente menos do que numa cidade ocidental, sobretudo num clima extremo. Moçambique será dos países mais pobres do mundo, no entanto a taxa de população em risco de sobrevivência pode ser muito menor que noutros paises supostamente muito mais "ricos". E não é só uma questão de clima, por exemplo, no Brasil uma significativa parte da população, porque vendeu os terrenos para o cultivo da cana de açucar e outras razões, e porque, ao contrário do que ainda acontece em África, não pode alimentar-se da fruta das árvores, deixou de ter condições de sobrevivência, pois a sociedade brasileira ainda não tem emprego para cerca de 200 milhões de pessoas. A "civilização" já impede as pessoas de viverem da natureza mas ainda não fornece uma alternativa para todos.
Ainda pegando no conceito de sobrevivência, podemos entender melhor o 25 de Abril, como referiu um amigo que me contactou por email. A guerra em África tinha-se tornado algo eterno, sem fim à vista. Todo o jovem tinha presente que um dia iria andar na selva africana a disparar tiros sem saber porquê e arriscar-se a ficar estropiado ou morto. Todos os pais tinham presente que os seus filhos teriam de passar pela guerra em África. O 25 de Abril fez-se para acabar com a guerra, não se fez por causa da ditadura, até porque esta estava em clara reforma pelo Marcelo Caetano. A única coisa que os portugueses não queriam do sistema antigo era a guerra. A guerra estava a manchar a sobrevivência. O resto do sistema estava de acordo com as suas mentalidades.
Ora isto leva-me a um terceiro aspecto - os portugueses exibem uma clara tendência para serem súbditos, empregados, dependentes, em vez de cidadãos, empresários, responsáveis. É nisto que está a diferença entre uma ditadura e uma democracia. A democracia faz-se com cidadãos, não com súbditos.
Porque é que é assim? Eu não acredito em explicações genéticas, portanto será algo que tem a ver com o sistema, a educação. Quem dá explicações?
7 comentários:
A questão da sobrevivência está para além da morte (ou do medo de morrer), para além das privações, para além das aspirações.
Prende-se também com a percepção de dignidade de cada um.
Qual será o limiar de sobrevivência para um sem abrigo?
Qual o limiar da pobreza, hoje em Portugal? Quando as pessoas perdem as suas casas, por vezes no limiar destas estarem integralmente pagas aos bancos?
A que preço muitas famílias exibem um Audi tdi? Quanta miséria por detrás de uma imagem?
Situações de colapso dos rendimentos, como divórcio, perda de emprego, etc... lançam famílias na miséria e no entanto, esforçam-se por manter a casa que estavam a pagar ao banco. Qual é a alternativa, no nosso insípido mercado de aluguer? Viver numa barraca?
A esta pergunta sobre a educação respondo com o exemplo da educação para a autonomia, do saber pensar que é dada nos países da Europa do norte. Não há democracia lá? A educação desses países gera cidadãos, não súbditos. Se um holandês tiver que dizer que algo está mal ao seu chefe, ele di-lo-á. A Educação? Essa não Alf. Há mais cordelinhos que são puxados , fios invisíveis movidos por mãos tenebrosas.
Laura-que-anda-na-chuva
Oi Laura-que-anda-na-chuva, há muitas maneiras de educar. Os regimes fascistas educavam as pessoas para viverem num regime fascista não é? É a isso que eu me refiro.
Desde aluno, desde antes do 25 de Abril, que eu digo que a nossa escola prepara os jovens para serem empregados. Não prepara para serem empresários, pois não? Eu senti isso na pele quando fui empresário e entrei num mundo que não tinha nada a ver com o que tinha aprendido no ensino. A escola em Portugal prepara as pessoas para serem funcionários públicos, essa é a minha opinião. Os professores nada sabem do que é ser empresário, eles são funcionários públicos e é isso que transmitem aos alunos, a realidade que eles conhecem. E a essa dependencia do patrão, que outras dependencias vêm associadas?
ui.. no comentário anterior não fui claro numa coisa: não culpo os professores de nada! Os programas é que são desadequados a um objectivo de formar cidadãos autosuficientes. Não há aulas de empreendedorismo, segundo creio. Aprende-se imensa botânica e mineralogia, mas nada de como se faz um projecto de empresa, quais as responsabilidades desta, o que são as leis laborais, as relações com o capital, enfim nada de nada do que faz a vida real. Acho que não se deve chegar ao 12º ano sem se saber nada de nada da realidade da vida. Na verdade, não se aprende sequer a ser empregado...
Bem, Laura, isto dava para longas discussões não é? Creio que a Laura está por dentro do ensino mais do que eu. Eu não faço as afirmações que faço por ter certezas mas por ter dúvidas, como digo algures, só falo do que não sei, o que sei já não me interessa.
Obrigado pela sua estimulante colaboração e espero que continue a ajudar nesta pesquisa
falta de atenção aos detalhes da minha parte.. afinal a Laura estará de acordo comigo, pois refere que nos países nórdicos há uma educação para a autonomia... o que significa que pensará que cá não há.. que é exactamente o meu ponto - não há espírito de cidadania sem autonomia.
O António chama a atenção para um aspecto importante: dignidade é um conceito relativo. E isso afecta o mínimo de sobrevivência.
Ó grande líder do proletariado! :)
Eu sei lá dar explicação alguma! Faço parte dos súbditos e das ovelhas, espírito empreendedor só o de palrar melhor! ;)
E que tem isto a ver com o Evento, hein?! Bem, primeiro começamos a falar de nós, Humanidade, já que todas essas mudanças interiores ou exteriores nos afectam.
Mas falando nisso da genética, mais o famoso sistema e a educação, eu poria uma pergunta ainda mais básica: o que ou quem deveras somos, como indivíduos e sociedade?!
Por exemplo, esse temperamento mais submisso parece ser natural nos povos do Extremo Oriente, cuja filosofia e religião conduz à cessação do desejo e busca da impassibilidade, desprezando o fruto da acção - castigo ou recompensa - apenas pelo mero dever de agir, o wu-wei do Taoísmo.
Ora, mas primo vivere dopo filosofare, logo estas considerações talvez nem venham tão a propósito.
Sei lá, quiçá ainda não evoluímos o suficiente como raça para deveras sentirmos que eu também sou o outro, algo que já não é apenas um conceito religioso - do amor ao próximo - mas entrou mesmo no domínio da neurologia e é reconhecido como importante factor da evolução. Mas precisa por certo de ser aperfeiçoado e vivido ainda mais.
Ai, ai... Isto começa mal para mim! Eu à espera de especulações fantásticas que confirmassem o modo como vejo e mundo e, afinal, estas primeiras reflexões tocam num ponto muito pessoal. Nunca soube ser autónomo e ainda o não sou... isto de ser Gnomo é giro mas nem sei para que lado me viro! :)
Acho que não se deve chegar ao 12º ano sem se saber nada de nada da realidade da vida.
Ora aí está, é mesmo isso!!! :)
Bem, como eu também sou de antes do 25 Abril, até posso ter a desculpa de ser mais tapadinho, já que então a realidade era filtrada ou censurada.
Há um exemplo muito simples de que gosto muito, para explicar os dois motores que mais nos guiam na vida: o material e o espiritual. Comparando cada um deles com um sapato, no que citei acima sobre o Oriente pode dizer-se que o sapato espiritual é muito grande e o material muito apertado. A mesma coisa lá para essas populações guineenses e tantas outras, mais perto da natureza.
Mas no Ocidente, cuja mentalidade hoje está em quase todo o mundo, o sapato material é o maior e o espiritual é mais pequeno. Desta forma, todos mancam ou caminham com dificuldade, porque não existe esse equilíbrio.
Esta história serve igualmente para a autonomia ou dependência, pois na vida de relação social nunca somos 100% autónomos, claro.
Há um belíssimo livro de Fritjof Capra, "A Teia da Vida", onde ele expõe muito bem essa interrelação entre o Homem e a Natureza, numa noção de ecologia profunda, económica e espiritual, que me parece uma boa resposta para os tempos vizinhos.
Logo, chegou algo atrasado esse tal conhecimento da realidade prática da existência e lá tenho de fazer como os aldeões guineenses... viver na floresta é o que me resta! :)
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