quinta-feira, outubro 16, 2014

Porque o BES teve de falir

Há muito que estou calado mas depois de ver partes do Prós e Contras apeteceu-me vir aqui colocar um desabafo acerca do BES.

Sendo curto e grosso, a situação financeira da Europa é a seguinte: enquanto nos EUA há uma enorme fiscalização da atividade financeira, na Europa isso não acontecia, os Bancos Centrais estavam ao serviço das entidades financeiras e o que elas controlavam era os cheques sem cobertura, os clientes, não era a atividade dos bancos. Em consequência, o buraco financeiro na Europa é incomensurável, muito maior que o dos EUA e capaz de engolir o Euro. Sei que isto custa a acreditar mas lembrem-se de que não há muito foi descoberto que 6 dos maiores bancos, com o Deutsche à cabeça, andaram a manipular a Euribor; quando se chega a este ponto, todas as especulações imagináveis já foram feitas.

Como resolver este problema sem que se saiba? Por que no dia em que isto for público, o Euro afunda-se como as acções do BES.

Começaram com a teoria da Austeridade – ir buscar aos bolsos das pessoas todo o dinheiro possível. Estando o grande problema nos grandes bancos, nomeadamente nos alemães, foram buscar o dinheiro aos bolsos dos outros, naturalmente, e fizeram correr rios de dinheiro para a Alemanha. Dinheiro e ouro, é claro.

Entretanto, o BCE tem estado a imprimir muitas centenas de milhões de euros anualmente para “emprestadar” aos bancos. Isso tem permitido aguentar o problema mas não chega, até porque as políticas de austeridade tiveram consequências mais danosas para a produção de riqueza do que o previsto por falta de previsão; além disso, se há atividade que sofra com a austeridade é precisamente a bancária (como referi num post anterior, em que disse que a continuação desta política iria levar à falência de toda a banca nacional), porque qualquer crescimento da taxa de incumprimento tem consequências desastrosas na banca (o factor multiplicativo do dinheiro que multiplica o ganho dos juros, também multiplica o peso das perdas.. parece que se esqueceram disso…). O BCE precisa de produzir dezenas de milhões de milhões de euros (dezenas de biliões em português ou de triliões na escala anglo-saxónica). Mas como fazê-lo sem lançar o alarme nos mercados, sem desvalorizar fortemente o Euro?

Que tal recorrer à mesma técnica que usam os EUA quando precisam de fazer uma guerra num lado qualquer do mundo: primeiro, um incidente local, um “ataque terrorista”, com estragos adequados à dimensão do ato de guerra pretendido?  esse “ataque” vai justificar essa guerra.

Neste caso, fazer falir o BES era uma solução. Penso que foi um ato deliberado do BCE, que para isso exigiu a devolução imediata de 10 mil milhões de euros que estavam “emprestadados”. Claro que não iam fazer falir um banco dos “deles”, nem iam fazer isso na Grécia porque os gregos não são tolos: a sua arena é Portugal.

Em seguida o BCE já pode anunciar que vai imprimir até mil milhões de euros; não creio, penso que vai imprimir muito mais do que isso, mas não se pode saber. E ministro da Finanças alemães vem dizer que está contra; não está nada, penso que ele é que estará por detrás dessa medida, essencial para salvar os bancos alemães. E os espanhóis.

Perceberam que somos o “saco de porrada” da Europa? Não podiam ser os Gregos, porque esses mordem, e os restantes são grandes demais.

Convém que se perceba bem outra coisa: o BCE, o Banco de Portugal, os Bancos antes centrais, não prestam contas do que fazem a absolutamente ninguém. O ridículo é de tal ordem que o Governo nomeia auditores ao Banco de Portugal mas estes… não têm de prestar contas ao Governo!!!! O BCE imprime o dinheiro que entende e distribui-o como entende, aos bancos que entende, em montantes fabulosos. Ao pé disto, os orçamentos comunitários, os subsídios europeus, etc, são gotas de água, movimentos insignificantes de dinheiro comparados com as verbas que o BCE movimenta sem dar contas a ninguém. Neste quadro, a democracia europeia é uma piada – é como se vivêssemos numa ditadura onde apenas pudéssemos eleger as juntas de freguesia, porque essa é a escala entre os poderes dos Governos e do BCE.  

Não foi o Cavaco nem o Passos quem enganou os investidores; eles também foram enganados. Foi o BCE, para salvar os bancos dos outros sacrificando uns peões; uns peões que somos nós.

Uma última nota: o BES era muito mais do que uma instituição financeira, era um grande grupo económico; no caso do BPN, o governo socialista salvou o grupo económico tanto quanto pode; no caso do BES vai "arder" tudo.


3 comentários:

alf disse...

Quero esclarecer uma coisa: o Ricardo Salgado e os banqueiros em geral fizeram vigarices monstruosas; nomeadamente, empreendimentos imobiliários megalónomos destinados exclusivamente a colocar grossas maquias nas suas contas de offshore através do construtor (tipo 10 milhões por cada empreendimento); esses empreendimentos eram depois "despachados" em títulos imobiliários que os gestores de conta tratavam de impingir baseados em históricos de crescimento; e este é só um dos tipos de vigarices. Agora, somos nós que temos de pagar isto enquanto eles têm imensas contas em offshores e a justiça não lhes toca; e o BCE vai imprimir muitos milhões para lhes dar para tapar os buracos assim criados - mas só aqueles que não conseguiram tapar com o nosso dinheiro.

Da humanidade temos de pensar o seguinte: todas as pessoas fazem todo o tipo de vigarice desde que possam. Haverá excepções, mas não contam. É por isso que todas as atividades que não sejam fiscalizadas por outrem são corruptas - sejam juizes ou banqueiros ou merceeiros ou médicos ou o que for, cada um é tão desonesto quanto o deixarem ser. A diferença entre o banqueiro e os outros é só uma diferença de escala

EJSantos disse...

Bem visto.

Ah, ainda bem que passei por aqui.
Um abraço.

vbm disse...

Pertinente análise crítica, Alf.
Tenho de regressar ao teu blog.

Abraço,
v.