E note-se que é esta a "narrativa" da UE, é isto que suposto acontecer; mas não é o que acontece, por isso estamos a ser enganados.
quarta-feira, janeiro 22, 2014
A Enorme Dívida do BCE a Portugal
Há uma questão básica, um princípio orientador, que tem de
ser estabelecido antes de tudo o resto na organização de uma sociedade, seja
ela qual for. E, claro, isto aplica-se à União Europeia.
A Democracia, por si só, sem esse princípio, conduz, como já
expus em vários posts, a 1/3 de “descartados” tipicamente (no mínimo); algo
altamente satisfatório para os outros 2/3 em condições de paz.
Há já muitos anos, os nórdicos perceberam que isto não lhes servia: eram demasiadamente pequenos,
inóspitas as suas condições, aflitiva a falta de recursos e muito má a vizinhança
para poderem sobreviver assim. Precisavam de toda a gente. Por isso, adotaram
como princípio “não deixamos ninguém na valeta”. Na Suécia e na Dinamarca não
há “descartados”.
Chamo a este princípio o Princípio da Não Exclusão – PNE.
Não é nada de novo, qualquer tribo funciona assim.
Não é esse porém o princípio que orienta a Europa e é por
isso que Dinamarqueses e Suecos se mantêm à margem – já dizia o Rui Veloso que
não se ama alguém que não ouve a mesma canção. A União Europeia, na prática,
orienta-se pelo interesse da mais forte, ou seja, a Alemanha.
É o drama destas uniões; uma Democracia sem PNE gera 1/3 de
descartados; mas numa união como a UE ou a URSS a coisa é muito pior, pois os destinos são, na prática,
decididos pelo interesse de 2/3 da população apenas do país mais forte, tudo o resto
ficando na condição de “descartável”.
Lembro-me de que há uns anos largos atrás soube-se na
Dinamarca que os planos de defesa da Nato para a Europa passavam por fazer da
Dinamarca “terra queimada”. Típico dos mais fortes, a primeira questão que
colocam é saber quem se vai sacrificar para maximizar a vantagem do “core”. Uma
solução que certamente serve os interesses da França e da Alemanha; mas para
que raio quereria a Dinamarca estar na NATO se a primeira coisa que aconteceria
em caso de ataque seria ser destruída??
Ora este é o problema que ensombra a União Europeia. A atual
crise económica não é mais do que o resultado da ausência do PNE e, portanto, a
orientação é: “queimar” a periferia para salvar o centro.
A URSS também funcionava segundo o mesmo princípio que está
a ser usado na Europa; por isso a evolução da UE está a seguir o percurso da
URSS. É por isso que as periferias da URSS querem fugir da Rússia o mais que
puderem – tal como as periferias da UE acabarão por perceber que têm de fugir
desta.
A Portugal só interessa a EU se esta for construída na base
do princípio de “não deixamos ninguém para trás”; porque doutra forma, à escala
da Europa, nós seremos sempre o tal 1/3 de descartados e a “terra queimada”
sempre que surgir uma crise – tal como na URSS, as desvantagens serão sempre
para a periferia e as vantagens para o centro.
E note-se que é esta a "narrativa" da UE, é isto que suposto acontecer; mas não é o que acontece, por isso estamos a ser enganados.
E note-se que é esta a "narrativa" da UE, é isto que suposto acontecer; mas não é o que acontece, por isso estamos a ser enganados.
A Dinamarca percebeu o engano e reagiu e hoje certamente que os cenários de
defesa militar da Europa não passam pela destruição da Dinamarca; mas talvez
passem por fazer dos países do Sul zona de guerra…
Houve longas discussões para acertar a organização política
da Europa, onde cada país procurou defender os seus interesses; porém, houve uma grave distração: as regras do BCE.
O BCE é o Estado-maior da política monetária da Europa;
hoje, não estamos à espera de lutar com armas, mas sim com o dinheiro. É ao BCE
que cabe defender-nos de um ataque económico. E qual é o princípio que orienta
o BCE? Maximizar o interesse do centro sacrificando a
periferia.
O Banco Central é propriedade dos Estados, dos povos, não
dos banqueiros – pelo contrário, cabe-lhe a fiscalização da banca. E cabe-lhe
duas outras coisas: o controlo da quantidade de dinheiro e a introdução na
economia do dinheiro criado.
A primeira prioridade do Banco Central de qualquer país do
Mundo é defender o Estado e nomeadamente impedir qualquer tentativa de ataque
especulativo, como é óbvio (sem Estado tudo o resto colapsa); mas o BCE não, o
BCE defende o Euro e defende o “centro”, ou seja, o mais forte, ou seja, a
Alemanha, não este ou aquele Estado membro.
Vejamos rapidamente a situação fora da Europa
No Japão, o Estado tem uma dívida soberana enorme, cerca de
250% do seu imenso PIB; mas uma dívida financiada pelo seu Banco Central, ao
qual paga juros; que depois recebe como lucros do Banco Central e assim o seu
financiamento fica à taxa 0%.
Nos EUA, o Fed compra os coupons dos juros no mercado
secundário e arquiva-os, tal como arquiva os ativos tóxicos da banca que compra
com o dinheiro novo (o que se chama o QE, ou quantity easing). Na prática, os
EUA pouco ou nada pagam em juros. Embora o processo pelo qual o Fed o faz seja
um pouco confuso.
Mesmo na Europa do Euro, a Alemanha financia-se nos
“mercados” a uma taxa de juro perto de 0%. E ainda recebe os lucros do BCE –
nomeadamente os que o BCE obtém com a especulação que a Banca faz sobre as
dívidas dos países periféricos.
No Mundo, os Estados apenas precisam, na prática, de suportar
juros quando precisam de moeda estrangeira, não para se financiarem na sua
própria moeda – exceto os países do Euro
Para o BCE, se um país periférico falir mas a Alemanha
beneficiar, isso é uma coisa boa, o balanço é positivo. Por isso é que face ao ataque
especulativo de um conjunto de bancos às dívidas soberanas, a preocupação do
BCE não foi fazer-lhe frente mas aproveitar-se disso – encarou-o como um bom
processo para os bancos resolverem o seu enorme buraco e ajudou-os no processo
especulativo. Claro que se o ataque especulativo atingisse a Alemanha, logo o
BCE interviria forte e feio; e porque sabem isso, os banqueiros atacam os
países periféricos e adulam a Alemanha.
A subida dos juros das dívidas dos países periféricos é a
consequência necessária, óbvia, fatal, da entrada em vigor do Tratado de Lisboa
em 1 de Dezembro de 2009 (por isso é que os juros disparam em 2010). Pelo seu art.º 123, este tratado assegura aos
banqueiros que o BCE não intervirá na defesa destes países.
Reparem no seguinte: quando as empresas que existem num sector
de atividade não variam muito, os empresários conhecem-se; ora os empresários não são loucos,
por isso naturalmente não andam a fazer guerra uns aos outros, é muito melhor
viverem em paz. Então, o
preço do produto ou serviço é o que maximiza o lucro da atividade. E nem
precisam de combinar nada, todos sabem que isso é o que lhes convém. Se algum se armar em esperto e baixar margens, os outros caem-lhe em cima. Eu sei, já fui empresário, conheço o código.
O caso dos combustíveis é claríssimo: o preço da gasolina é
o que maximiza o lucro das petrolíferas; se subir uns cêntimos, o consumo desce
e com ele os lucros. Isso é assim porque as pessoas têm alternativas:
transportes coletivos, partilha de carros, opção por carros mais económicos,
etc. Não são muitas, mas são algumas. O argumento do preço do crude é apenas a
narrativa para esconder a realidade.
O mesmo acontece com a energia.
O controlo dos preços nestas circunstâncias não se faz pela
concorrência, que não existe, mas pela existência de alternativas doutro tipo do lado do consumirdor.
Ora no caso do financiamento dos Estados, o que mantém os
juros controlados é a possibilidade de intervenção do Banco Central e a
capacidade dos Estados de pressionarem os bancos, porque há sempre grandes
interesses cruzados entre Estado e bancos. Como o BCE, ao contrário de qualquer banco central, não defende os Estados da
periferia, estes ficaram na mão dos Bancos.
A “confiança dos mercados” é a “narrativa” neste caso. Os
mercados não correm riscos, o que determina o juro é a capacidade negocial e o
interesse da banca - os ratings etc servem para medir essa capacidade negocial, a capacidade de um país dizer "não". Nesta altura, como se avizinham eleições europeias, convém
descer os juros para garantir que tudo fica na mesma – a seguir às eleições, os
juros voltarão a subir se os políticos forem da mesma linha.
Eu sei que os banqueiros sabiam muito bem as consequências
do Tratado de Lisboa porque fui convidado a fazer parte do ataque especulativo.
A crise não é a causa deste processo, ao contrário, a crise é o que veio
atrapalhar o processo de assalto especulativo porque de repente os países não
ficaram em condições de aguentar o assalto. É por isso que o BCP teve um enorme
problema com a dívida pública grega – o BCP estava em grande neste assalto às
dívidas públicas dos países do Sul e de repente ficou entalado com a
possibilidade (imprevista) de falência grega.
Os juros que estamos a pagar são indevidos. Como já disse,
no mundo, os países só pagam juros dos empréstimos de divisas, não da sua moeda;
por isso é que a receita do FMI é a que é, porque para estes países a receita é
deixar de comprar divisas, cortar as importações. Aqui, a aplicação da mesma
receita não faz diminuir apenas as divisas mas todo o dinheiro e assim colapsa
o mercado interno.
Portanto, estamos a ser vítimas de um assalto especulativo
dos bancos e do compadrio do BCE no processo, baseado na ideia de que este
processo é bom para a Alemanha e para o Euro. E é, a curto prazo - explorar uma
parte da população traz sempre vantagens, no curto prazo, para a restante
população.
Ora isto não nos interessa. Ou a Europa adota realmente o princípio de
que ninguém fica para trás, ou então temos de sair dela, porque ela vai
escravizar-nos. E se adota esse princípio, então deve-nos os juros que estamos
a pagar.
É isto que temos de exigir:
1 -ser ressarcidos
dos juros que temos estado a pagar PORQUE SÃO devidoS ao facto do BCE ter permitido
(apoiado) o assalto especulativo às dívidas soberanas;
2 - modificação do
processo de financiamento dos Estados para os colocar ao abrigo de assaltos
especulativos.
Estamos a regredir 10 anos por cada ano, e em pouco tempo estaremos pior do que
antes do Salazar. Ou obtemos isto ou saímos do Euro. E entramos numa união dos
países da periferia ou outra em que o PNE vigore realmente. Uma união de cooperação e não
de competição.
No próximo post apresento uma proposta de método de
financiamento dos Estados europeus que assegure iguais e sustentáveis condições
de financiamento para todos; a seguir vou mostrar como é que os banqueiros
criaram a crise financeira – o processo da pirâmide usado pelo Maddof e pela D.
Branca é para amadores; eles têm outro, fraudulento, muito melhor e muito
antigo também; depois vou mostrar como os bancos ganham sempre, mas sempre, na
bolsa, sem qualquer risco ou acaso; e por último vou mostrar como os bancos
ganham rios de dinheiro com as dívidas soberanas.
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10 comentários:
Aqui um texto curto que mostra bem a realidade que descrevo
http://ppplusofonia.blogspot.pt/2014/01/credores-mas-pouco.html
A grécia já exigiu, há muito tempo, o pagamento pelo BCE dos lucros que este obteve com a dívida soberana da Grécia; até o Seguro já o pediu (com a falta de convicção do costume)
ver aqui os lucros e repartição:
http://www.propostasparaportugal.com/proposta-no11-devolver-os-lucros-do-banco-central-europeu-sobre-a-divida-portuguesa/
E aqui pode ver-se que o BCE "aceitou" a exigência grega:
http://expresso.sapo.pt/banco-central-europeu-aceita-perdas-na-divida-grega=f703429
Só que isto não pode ser visto como um "favor", com condições, mas sim como um direito!
A propósito disto o parlamento europeu anda agora a inquirir sobre a responsabilidade da troika(inclui o bce e a comissão)na gestão da crise das dívidas soberanas.Para mim é mais um rato que vai ser parido pela montanha não acha?
Ricardo Amaral
Eu penso que é mera campanha eleitoral, para passar a ideia de que a os deputados europeus estão muito ativos na nossa defesa e que não têm nenhuma responsabilidade nos acontecimentos.
O mais impressionante é que isto resulta, vai ver - a opinião pública é muito fácil de manipular.
Alf, você neste post mistura alhos com bugalhos, com algumas certas e outras falsas e conclusões falsas e outras certas.
Você ainda não percebeu que não são os Estados que mandam mas uma pequena elite financeira que puxam os cordelinhos a nível mundial.
Você pensa que a Alemanha está bem?
24 DE SETEMBRO DE 2013 - Modelo contra a crise, Alemanha tem baixos salários e pobreza elevada
http://www.portugues.rfi.fr/economia/20130924-modelo-contra-crise-alemanha-tem-baixos-salarios-e-pobreza-elevada
«Atrás do título de maior economia da Europa e quarta maior potência mundial, a Alemanha esconde uma realidade muitas vezes difícil sob o ponto de vista social: o país tem índices elevados de pobreza e os baixos salários foram um dos principais temas da campanha eleitoral para as eleições legislativas do último domingo. Os social-democratas queriam instaurar um salário-mínimo na Alemanha, algo que não existe no país.»
Essa pequena elite financeira, de que falei, controla todos os bancos centrais e todos os bancos comerciais e de investimento (não passam de meras agências bancárias). Não foi por acaso que a «crise financeira» aconteceu em todo o mundo ao mesmo tempo e pelos motivos mais díspares. Isto exige um controlo financeiro mundial completamente centralizado. É sob o peso destas botas que (quase) todo o mundo está a ser conduzido para a miséria.
Duarte Nuno
Parabéns pela clareza, em particular o conceito da não esclusão
Diogo
Eu sei isso muito bem.
Essa elite controla a Alemanha; a maneira como a Europa está a ser organizada, nomeadamente o BCE, tem as mesmas características de uma sociedade anónima: manda quem tive a maior quota. O Ricardo Salgado manda no BES com 0,1% das ações. A Alemanha tem poder absoluto sobre a Europa porque tem a maior quota.
Assim , essa elite financeira, para controlar toda a Europa basta-lhe controlar o poder político na Alemanha. E é isso que ela faz.
Claro que os alemães são tão ou mais escravizados do que os outros. Na Alemanha tipicamente as mulheres casadas ficam em casa a cuidar dos filhos, só há um ordenado em casa; agora andam a importar pessoal daqui a metade do preço dos ordenados de lá, o que significa que o rendimento familiar na Alemanha vai cair mais ainda mais.
Não me admirava que a revolução começasse na Alemanha... de novo... desta vez sem os erros que o Hittler fez, devem ter aprendido alguma coisa.
Duarte Nuno
Obrigado; acho que essa mudança de mentalidade é crítica - se nós cá não usamos esse princípio, como podemos querer que ele vigore À escala europeia?
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