sexta-feira, janeiro 25, 2013

Darwin, o Ptolomeu da Biologia

(continuação da minha conversa com o Hans)
Ptolomeu e Darwin souberam organizar as suas observações e os conhecimentos da sua época em modelos que os explicavam; o modelo de Ptolomeu já foi substituído por outro melhor; o de Darwin, embora baseado em conhecimentos de biologia muito primitivos, é muito mais recente e ainda não foi feito um melhor; para isso é preciso um "quantum leap" que ainda não foi dado, o que não impede que se saiba que o seu modelo está tão errado como o do Ptolomeu (como seria de esperar, pois em ambos os casos apenas as aparências das coisas eram conhecidas).


- Bem, queres então saber que processo usa a Vida para conseguir evoluir.- Pigarreei, era altura de passar de ouvinte a palestrante e tinha de descolar a voz da garganta. - Sim, - respondeu o Hans, com ar de grande curiosidade; e acrescentou, sábio: - o Darwin propôs um processo de geração de mutações por acaso e seleção natural, que é hoje aceite incondicionalmente e, de certa forma, a base das teorias económicas e sociais ocidentais.

- Bem – interrompi- não foi bem isso que o Darwin propôs; e nem é correcto dizer que isso seja a base das teorias, é antes a justificação para porem de pé teorias que já existiam e que convêm a apenas alguns; é por isso que me parece importante desmistificar tudo isso.

- Desmistificar? Então um processo de acaso e seleção não é um processo de Inteligência? Lembro-me de ler isso no teu blogue...

- Um processo de acaso e seleção é um processo capaz de resolver certos problemas; é, por isso, um processo de Inteligência, sem dúvida.

- É o que eu estou a dizer... - o Hans com um sorriso maroto mas impaciente ao mesmo tempo.

- Então sabes que a eficiência desse processo se pode medir pela probabilidade de a hipótese certa ser gerada, admitindo que o mecanismo de seleção é infalível...

- Sim, sei, conheço o teu modelo das condições iniciais da Terra que fazem com que a probabilidade de se gerar por acaso as primeiras moléculas auto-reprodutoras necessárias à vida seja elevada.

- Certo; nessas condições gerou-se um número elevadíssimo de combinações de átomos e por isso a solução, a estrutura certa, pode ser selecionada; estamos a falar de qualquer coisa como 10^38 a 10^40 átomos a combinarem-se furiosamente durante perto de 500 milhões de anos, o que gera um número astronómico de hipóteses; e isto só para a primeira pequena sequência auto-reprodutora, porque logo a partir daí já não se trata de um mero processo de acaso. Isto mostra a dimensão que um processo de acaso tem de ter para conseguir ser “Inteligente”.

- Mas se isso foi capaz de criar vida, certamente que fazê-la evoluir será muito menos exigente...

- Aí é que tu te enganas. Tens de olhar sempre para a probabilidade de ser gerada a hipótese certa. Por exemplo, se fosse como pensas, a Microsoft só tinha de por os seus brutos computadores a gerar alterações ao acaso ao seu Windows Vista para gerar um sistema operativo melhor, não é?

O Hans hesitou – Beemm, não será assim... não estou a ver que alterar ao acaso o código de um sistema operativo possa gerar um código melhor...

- Não estás a ver porquê? O Windows 8 não é um código também? É uma sequência de bits, como o Windows Vista, logo bastará alterar os bits do Windows Vista ao acaso para acabar por obter o código do W8...

- Sssim, mas isso parece-me uma impossibilidade... as combinações possíveis são uma enormidade... e o tempo de teste...

- Exactamente! Uma enormidade tal que fácil é concluir que nem o tempo todo do Universo chegaria para conseguir gerar as combinações possíveis; ou seja, a probabilidade de gerar a hipótese certa em tempo útil é tão ínfima que pode ser considerada nula; é por isso que a Microsoft não segue esse processo. Agora diz-me, o que é mais complexo, um sistema operativo ou um ser vivo?

- O ser vivo, evidentemente!

- Claro; e neste a produção de uma nova hipótese exige uma nova geração de seres, e isso é um processo lento, muito lento; e tanto mais lento quanto mais evoluída é a Vida. O número de hipóteses passível de ser gerado é ridiculamente baixo, a probabilidade de conseguir uma mutação por acaso que dê certo é infinitesimal. Pensar que a Vida evolui por um processo de acaso e seleção é uma ingenuidade.

- Mas não foi isso que o Darwin disse?

- Não; o Darwin falou de mutações e seleção, mas nunca disse, que eu saiba, que essas mutações eram produzidas por acaso. Isso foi um aproveitamento das ideias dele, na obsessão de substituir o conceito de Deus pelo de Acaso, que era o deus dos cientistas e não só na época. Além disso, as evidências que o Darwin apresentou foi como os seres vivos se adaptam às condições externas; mas adaptação não é evolução, pensar isso é uma extrapolação ilegítima. Por exemplo, a espécie humana está a aumentar de estatura, mas isso não é evolução, não há alteração do projecto do ser, apenas ajustes nos valores dos seus parâmetros.

- Mas ajustando parâmetros, a pouco e pouco, o ser vai-se modificando e acaba por originar algo diferente...

- Isso é outra ingenuidade; por mais que alteres o valor dos parâmetros, o projecto fica sempre o mesmo. É como dizer que o automóvel de hoje se pode obter a partir do projeto do Cugnot apenas alterando o valor dos parâmetros; ou que se passou do primeiro micropressador para os atuais alterando parâmetros do projecto inicial. Não é verdade. Qualquer engenheiro sabe bem que a evolução de um projecto exige invenção. As alterações de parâmetros, como o tamanho ou forma do bico de uma ave, são meras adaptações, não são evoluções.

- Então da teoria do Darwin, de mutações + seleção, apenas se aproveita o lado da seleção? A seleção natural?

- Isso então é que é o disparate completo!

O Hans largou a cabeça para trás na sua típica gargalhada. - Com essa é que me matas – desabafou – não me digas que viraste criacionista!

A reação do Hans não me surpreendeu, as pessoas reagem sempre com uma gargalhada quando confrontam algo que conflitua com as suas certezas; ou gargalhada ou violência, são as duas maneiras que o cérebro tem de fazer o “reset” duma situação de bloqueio mental. Calmamente, continuei - Na natureza, todos os seres se reproduzem salvo acidente; estes sim, fruto de acaso e circunstâncias; não é o mérito ou demérito de pequenas alterações nos parâmetros que condicionam a reprodução ou a sobrevivência. Conheces o estudo sobre a reprodução dos chocos australianos?

- Não..

- Um grupo de investigadores deu-se ao trabalho de estudar a seleção pela reprodução em comunidades de chocos que se reproduzem em zonas pouco fundas, o que lhes possibilitou um controlo rigoroso, e descobriram que apesar dos chocos dominantes guardarem vigorosamente as suas fêmeas, cerca de 1/3 das crias eram dos outros chocos, que usavam truques como disfarçarem-se de fêmeas para iludirem os machos dominantes e se aproximarem das fêmeas destes, que os não rejeitavam.

- Bem.. não me admiro... mesmo na espécie humana isso acontece.. ou parecido... apesar da rigidez das normas morais...

- Exactamente. A verdade é que quase tudo o que se afirma sobre evolução está errado: nem há geração de mutações úteis por acaso, nem estas são selecionadas pela natureza; a ideia da Seleção Natural é um erro. Há seleção sim, é um facto que os seres vivos surgem com alterações e selecionam aquelas que melhor os servem, mas nem as alterações são fruto do acaso nem é a Natureza que faz essa seleção, são eles mesmos; essas ideias são apenas ideias primitivas sobre o problema, uma espécie de modelo de Ptolomeu da biologia, uma coisa que parece certa, lógica, indiscutível à luz das aparência, mas errada. – Fiz uma pausa para verificar se o Hans me estava a seguir, o olhar atento incitou a prosseguir:

 - No tempo de Darwin a biologia estava nos primórdios, nada se sabia sobre a célula, apenas se conhecia a aparência dos seres vivos; o modelo de Darwin, tal como o de Ptolomeu, foram úteis, organizaram o conhecimento que se tinha na altura, mas hoje temos outros conhecimentos que mostram que esses modelos estão errados. No caso do Ptolomeu, o seu modelo foi posto de lado porque outro melhor surgiu; mas para isso foi preciso mais de um milénio. O de Darwin ainda subsiste apenas porque outro ainda não foi apresentado; mas muita gente ligada à biologia compreende que as coisas são bem mais complexas do que o modelo de Darwin e das sucessivas adaptações que se têm feito dele.

- Espera aí, deixa-me por as ideias em ordem; então tu afirmas que essa coisa das mutações e seleção não tem a ver com evolução mas apenas com adaptação e que a seleção não é feita pela natureza mas pelos próprios indivíduos??? Páaa... tens de me explicar isso devagarinho... muito devagarinho mesmo... como se eu fosse burro...

- Será um prazer. Deixa-me começar pela Seleção.

(continua)

7 comentários:

vbm disse...

Ver-se-á que desenvolvimento a biologia conhecerá com o desvendar do código genético dos seres vivos; não vejo, porém, o que daí transpor para a inteligibilidade da vida humana em sociedade, mais profícuo me parecendo, conhecer a história universal, desde a antiguidade ao futuro indiciado na condicionalidade do presente… :)

Rafa disse...

Gostaria de dar a minha opinião uma vez que não estou totalmente de acordo com o post.Quando falam em mutações/modificações que ocorrem, ou não, por acaso isso nao e completamente verdade. Ao nível genetico as mutaçoes ocorrem por erro de varias ordens. Desde logo na transcipção da informação contida nos genes e depois na produção de proteinas, etc...apesar de existirem em cada célula mecanismos de controlo de todos estes processos, por vezes tambem erram e permitem a continuação do erro inicial ao inves de parar este processo...depois sim e que existe uma selecção para saber se o erro é "favoravel" ou não...por outro lado, existe também muita "evolução" associada a elementos geneticos moveis que em muitos casos ultrapassam a barreira das especies, ainda não esta muito bem estudada nos seres "superiores" mas ao nivel bacteriano é muito importante. Interessante e que estes elementos são chamados de "egoistas" e replicam-se e movem-se independentemente do hospedeiro. de notar que estes elementos trabnsportam sempre genes importantes como resistencias a quimicos ou capacidade de diversas fontes de carbono...Para estudar tudo isto e que foi criado o chamado neodarwinismo que se interessa a tudo isto....agora, apesar de algum misterio ao nivel biologico, e verdade que muitos estrapolam a seu belo prazer so aquilo que interessa da teoria de darwin...a sobrevivencia do mais forte! e ai estamos nas mãos de meia duzia de selvagens...abraços e boa noite

alf disse...

vbm

A Ciência é o grande argumento que serve para justificar os interesses injustificáveis; é por isso que os promotores de teorias obscuras recorrem sempre a termos científicos, é aí que vão buscar credibilidade.

a história mostra-nos que a sociedade humana tende sempre para um estado em que uma pequena minoria tudo domina e escraviza os restantes; um estado em que a sociedade não evolui, estagna. A China esteve assim milénios. A Europa também caíu nisso e saíu muito por influência dos EUA, um país formado de novo pelos que fugiram ao sistema europeu e que por isso não começou por esse estado, que é um estado final.

A teoria de Darwin tem servido de argumento para justificar as medidas que permitem aos poderosos defender esse estado. Serviu nomeadamente para a prática generalizada de esterilizações forçadas na Europa e nos EUA em pleno séc. XX, e para suporte de teorias racistas, ideias de superioridade do homem sobre a mulher, do direito dos mais ricos e da ausência dele dos mais pobres.

é por isso que destruir essa ideia da seleção natural me parece crucial.

quanto à história, ela é muito importante. Por isso, quem a sabe deve explicá-la às pessoas, usar esse conhecimento, desfazer ideias erradas como a de que a história não se repete, isso é muito importante; mas uma coisa não invalida a outra - eu uso o conhecimento que tenho, sinto que tem a sua importância; e tu usas os teus e isso é ótimo, eu incorporo isso e os leitores do blogue tb e vamos assim iluminando as nossas cabeças...

alf disse...

Rafa

A nível genético, há erros de transcrição, etc; mas isso não é desejável e por isso há inúmeros mecanismos para os evitar e corrigir. Uma alteração ao acaso do código genético é como uma alteração ao acaso dos bits de um programa de computador, só dá asneira. Quando uma alteração dessas passa todos os mecanismos de defesa das células, o resultado é um ser deficiente.

Para gerar evolução, as células têm de ter outros processos; e encontramos nas células processos de cruzamento de informação genética que geram nova informação que não são processos de acaso, são processos organizados, sistemáticos; só não compreendemos é como funcionam, para que servem. E cita processos ao nível das bactérias que, embora não tendo a ver com evolução, refletem uma , uma capacidade de adaptação inteligente, que não é fruto de elementares mecanismos de acaso e seleção; se nem a adaptação o é, nem mesmo ao nível das bactérias onde a capacidade de gerar hipóteses é imensa, pensar que a evolução a nível de seres superiores o seja não tem qualquer racionalidade, é uma impossibilidade matemática.

Um erro comum em ciência é confundir o "não sei" com o "não existe"; outro erro é confundir "a melhor teoria", com "a teoria certa". Por exemplo, o modelo o atual modelo standard da cosmologia é o melhor modelo que existe; mas não está certo, sabemos que está errado no sentido em que não descreve os fenómenos físicos, é um mero modelo matemático com tantos parâmetros como as observações diferentes. O mesmo acontece com o modelo atómico. É importante ter a consciência de um modelo, mesmo sendo o melhor, está errado, porque é isso que permite caminhar para o modelo certo - foi o que fizeram o Copérnico, Galileu, Kepler e Newton, entre outros.

A criação do neodarwinismo já é obra de pessoas que percebem que a teoria está errada e tentam caminhar dentro da ciência. Mas a ciência vai levar muito tempo a conseguir uma teoria melhor porque o assunto é extremamente sofisticado. Por isso, precisamos mesmo de declarar e demonstrar que a teoria está errada, porque, como diz, esta teoria tem efeitos deploráveis na sociedade humana. Não precisamos de demonstrar que o Big Bang está errado, isso não é relevante, mas neste caso, em minha opinião, precisamos - embora com muito cuidado para não abrir as portas às forças religiosas. É por isso que eu só venho declarar que ela está errada porque tenho algo a dizer para explicar como funciona a evolução, não se pode deixar o vazio se não ainda é pior.

vbm disse...

alf, rafa

Eu admiro os diálogos polémicos que o alf elabora para nos ilustrar como as analogias nos sugerem explicações consistentes da possível razão de ser das coisas.

O puro acaso — para Cournot, o efeito do cruzamento de duas séries causais independentes — deve simplesmente resultar numa improbabilidade infinita de qualquer complexidade inteligente.

De modo que, o tal processo de eliminação/aceitação dos eventuais desvios erráticos, “egoístas”, ao nível da genética, das células, deve estar implicado na evolução das espécies, compatíveis e co-possíveis com o meio envolvente de que não independem.

Na sociedade humana, o individualismo é por certo factor causal de inovação, porventura nem sempre de progressão civilizacional. Mas por certo é preferível que as sociedades humanas se distingam das dos insectos, — os formigueiros e as colmeias, por exemplo —, a que se submetam a uma autoridade de tal modo rígida que nenhuma veleidade idiossincrática, eventualmente inovadora e progressiva, tenha a possibilidade de se generalizar e impor.

Carlos disse...

Caro alf
Entre muitas afirmações suas há uma que me deixou curioso.
Diz-se aberto à possibilidade de surgir uma explicação mais certa, embora também tenha sua, sobre a evolução humana, mas estranhamente põe de lado a possibilidade religiosa.
Qual é a razão?

alf disse...

Carlos

peço desculpa pela demora na resposta, tive de me ausentar destes assuntos por uns dias

A questão religiosa tem duas vertentes.

Quando digo que é preciso cuidado para não abrir portas às forças religiosas refiro-me a não dar oportunidade para que aquelas pessoas que continuamente tentam impor às outras pessoas conceitos que lhes convêm invocando o nome de Deus usem as novas ideias para esse fim. Os fanáticos e os fundamentalistas religiosos são pessoas que nada sabem do "além", apenas usam a religião para os seus objetivos pessoais. Basicamente, os fundamentalistas religiosos são criminosos, que usam a religião como outros usam o dinheiro ou as armas para objetivos de conquista de poder ou simplesmente para ultrapassarem os seus medos existenciais.


Do lado sério da religião, sobre a questão da evolução das espécies temos a considerar o seguinte:

mostra toda a nossa experiência e compreensão até agora obtida do universo que algo que exista acima do nosso plano, nomeadamente um Deus, não interfere com os acontecimentos materiais gerais. Ou seja, a ideia de um Deus que segurava as estrelas nos céus com uma mão e a Terra com a outra sabemos ser errada - os fenómenos que podemos observar obedecem a leis naturais.

Podemos ainda considerar que possa existir um Deus que pontualmente interfira com os fenómenos; essa é uma ideia muito do nosso agrado e cuja veracidade tentamos estabelecer com os "milagres"; no entanto, é o próprio Jesus que afirma que "o reino do meu Pai não é deste mundo..." aquando do seu julgamento, significando que o Deus a que se refere atua apenas a um nível espiritual, o "espírito santo".

quem estuda os fenómenos naturais está tão à espera de encontrar neles a "mão divina" como um cozinheiro de pensar que o resultado do seu trabalho depende da dita mão; a culinária tem as suas leis, tal como física, e os fenómenos decorrem dessas leis.

Por outro lado, qualquer esforço para compreender o Universo não pode descansar na explicação "foi Deus", porque isso não explica nada; por esse caminho ainda pensaríamos que a chuva era uma manifestação divina

Eu não afirmo que não possa existir uma "mão divina" no processo da vida; mas estou certo que a existir é num plano tão profundo que está para além da nossa capacidade de observação; ou seja, temos muito a compreender sobre os processos que geram a evolução da vida sendo, por isso, irrelevante, nesta fase da nossa ignorância, estar a considerar a hipótese divina.