segunda-feira, julho 16, 2012

Porque é que empobrecemos na era da abundância?



No ocidente, vivemos na era da abundância; o que limita esta abundância é apenas a capacidade de consumo, porque podemos produzir muito mais sem qualquer dificuldade; sendo assim, como é que ainda há tanta pobreza no mundo ocidental e, pior do que isso, porque estamos num processo de empobrecimento?

Um exemplo que me parece excelente para compreendermos como evolui o sistema liberal é o caso dos supermercados.

Como é que os supermercados maximizam o lucro? Vendendo o máximo e com a margem de lucro máxima, lógico.
O que é que limita o volume de vendas? O preço de venda.
O que é que limita a margem de lucro? A possibilidade dos produtores terem circuitos alternativos de distribuição.
Então, como é que se maximiza o lucro?

A solução de médio prazo é a seguinte: baixar continuamente o preço de venda.

Parece um absurdo, não é? Mas vejam como funciona. 
Baixar o preço de venda tem uma influência positiva no volume de vendas; porém, degrada a margem de lucro. A seguir, baixa-se o preço que se oferece ao produtor. Como o preço de mercado é o definido pelo supermercado, as mercearias de bairro têm de o seguir e o produtor não tem alternativa. Então, o produtor procura aumentar a eficiência e baixar os seus custos – vai buscar trabalhadores à Tailândia ou à Argélia, pressiona os fornecedores de adubos e rações para pagar menos. Assim, os supermercados recuperam a margem de lucro, que usam para continuar a baixar os preços. Este processo tem uma consequência positiva – aumento de eficiência – e uma negativa – empobrecimento do lado de baixo da cadeia produtiva.

Na atual situação de crise, em que há empobrecimento da maioria dos clientes, para manter o volume de vendas os supermercados tiveram de fazer um corte muito grande nos preços. Não tem problema, a seguir os produtores vão ter de lhes vender mais barato ou não vendem.

Os consumidores acham ótimo que assim seja, porque pagam menos pelos produtos (exceto se também forem produtores).

Este processo é geral, a competição gera necessariamente este fenómeno.

Os governos, porém, são eleitos para melhorarem a qualidade de vida das pessoas. Precisam de contrariar este processo. Mas, incapazes de uma solução sistémica, o que fazem é tratar os sintomas: subsidiam as pessoas. Subsidiam a saúde, a educação, os transportes. Com isto, as pessoas precisam de menos dinheiro para viver, os empresários podem pagar menos ordenado. Mas a competição não tem limite. Então os estados subsidiam mais: subsidiam o desemprego, subsidiam os períodos de menor atividade das empresas (em França), subsidiam os produtores (PAC). Mas não chega. Então começam a subsidiar o emprego, com os incentivos ao primeiro emprego. Os empresários passam a só ter de pagar uma parte dos ordenados. Mas não chega. Passam a subsidiar os empresários para criarem emprego, dar emprego passa a ser uma actividade geradora de lucros – por exemplo, o Estado paga estágios profissionais a 690 euros, os empresários contratam licenciados a 490 euros e lucram 200 euros com cada um. Licenciados com experiência, não se trata de um custo de formação.

Teoricamente, com estes apoios, as empresas ficariam mais competitivas, teriam lucros, e a estes lucros ia o Estado buscar o dinheiro para os subsídios. Só que não é verdade, neste esquema competitivo só tem lucros quem está o topo da pirâmide, os grandes grupos financeiros, os super-ricos – e estes não pagam impostos.

Os países da europa do Norte estão na metade superior desta cadeia; nós na inferior. Não é por acaso, nem é apenas porque têm mais formação, é porque eles sempre defenderam os seus interesses a todo o transe, desse por onde desse, independentemente de quaisquer teorias académicas. Eles vivem na economia real, não na dos académicos, como cá. 
Quem está no meio desta cadeia não entende porque há-de estar a pagar para subsidiar os que estão na base. Esses gulosos que querem viver acima das suas posses. Por isso, há que acabar com o “Estado Social”. E assim as pessoas da base (nós) vão ter de viver do ar. E eles ameaçam: se não gostam vamos buscar empregados à Nigéria. África e Ásia são fornecedores infindáveis de escravos porque não têm controle de natalidade.

À nossa frente está um interminável processo de empobrecimento. Miséria absoluta. Não haja ilusões. A mesma miséria a que nós temos condenado uma parte significativa da população portuguesa. Os Alemães não são piores do que nós, são até melhores. Só que agora vamos ficar no papel em que andamos a pôr muitos portugueses desde há muitos anos. Agora vamos todos para o bairro da lata.

Mas há solução. Há sempre solução. 

23 comentários:

Diogo disse...

Existem neste momento no mundo três grandes factores de desemprego nos países mais desenvolvidos:

1 – A deslocalização da produção para países de mão-de-obra barata. Factor cada vez menos relevante à medida que os salários caiem nos países ricos.

2 – A retirada (deliberada e conjuntural) de dinheiro em circulação perpetrada pela Banca Internacional, com o objectivo de empobrecer Estados, empresas e famílias e apoderar-se dos bens destas. (Depois a Banca volta a injectar dinheiro novamente para provocar um novo boom, como tem feito nos últimos 200 anos – os famosos ciclos económicos).

3 – A evolução tecnológica exponencial que está a substituir crescentemente as pessoas em todos os patamares da produção.

Destes três factores de desemprego, o 3º - evolução tecnológica exponencial - é hoje, de longe, o mais importante e vai será a médio prazo o único factor a ter em conta.


Quanto à maximização dos lucros de que você fala e a confirmar-se a minha tese, essa tendência vai acabar de morte natural. Porque:

Sem emprego não há salários. Sem salários não há vendas. Sem vendas não há lucros. Sem lucros não há propriedade privada dos meios de produção. Sendo assim, acaba-se o capitalismo.

As máquinas produzirão sozinhas, cada vez mais e cada vez melhor, e a produção será distribuída por toda a população.

alf disse...

Diogo

De acordo com tudo excepto:

"As máquinas produzirão sozinhas, cada vez mais e cada vez melhor, e a produção será distribuída por toda a população"

Bom, e quem é que distribui? E como?

As máquinas produzirem já é o que acontece hoje; é por isso que não há emprego, basta uma pequena percentagem das pessoas a produzirem; não há falta de riqueza, pelo contrário. Ou seja, já estamos nesse futuro que desenha e, no entanto, não vivemos no paraíso que lhe devia corresponder; porquê?

Porque vivemos num sistema desenhado num tempo em que era preciso produzir mais e porque somos egoístas, cada um quer o máximo para si e o resultado é que uns poucos ficam com tudo e muitos ficam com nada.

Enquanto as pessoas não perceberem que não ganham nada em ser egoístas, não saímos disto. Esta situação é, na base, a consequência do egoísmo e da ganância.

(basta ver como, ao por-se a hipótese de os privados perderem subsídios, desataram logo ilustres vozes a dizer que as culpas são dos FP, eles que paguem; mas então não foram os negócios ruinosos com os privados que causaram o problema? Não seriam os beneficiários das PPP e submarinos a pagar? Mas quando o Cadilhe tocou no assunto, desataram logo a dizer que ele tinha miolos de m...

A verdade é que ninguém quer resolver a crise, quer é sair-se bem dela e os outros que se lixem. Com esta tripulação, o barco vai mesmo ao fundo.

Os dinamarqueses perceberam isso e saltaram fora deste barco.

Agora, a minha solução para o problema não é a sua nem pouco mais ou menos; esse tipo de solução não agrada a quase ninguém, nós, seres humanos, não funcionamos assim. E o facto de as pessoas que estão contra a situação atual brandirem essa alternativa que quase ninguém quer só serve para manter as pessoas agarradas à atual... mal por mal, preferem esta.

Os Dinamarqueses encontraram a sua alternativa; e outras são possíveis. É por aí o caminho.

Diogo disse...

Caro Alf,

Não havendo empregos (e, portanto, salários), quem é que vai ter dinheiro para comprar o quê? Se não houver poder de compra, qual é o empresário que vai produzir o quê?

O que é que os dinamarqueses fizeram? De que milagre está você a falar?

Jorge disse...

Discordo em parte desta tese. A producao nao é nem poderá ser ilimitada. Os recursos naturais sao finitos e nalguns casos ate bastante escassos.
O primeiro e mais importante desses recursos é o petroleo. Mas há mais. Por exemplo para se fazer um smartphone sao necessarios certos metais raros que, para piorar a situacao nao estao sequer uniformemente distribuidos pelo globo.
Em relacao à critica que faz ao modelo economico estou completamente de acordo.

alf disse...

Diogo

é por isso, e não só, que a distribuição da riqueza produzida não pode ser feita apenas com base no emprego. Há anos que venho a falar disso, como você aliás. Já muitas vezes referi um post antigo, o suor do rosto, que mostra que essa maneira de distribuir riqueza já não tem justificação nem é conveniente (nos posts "mais sobre o sistema")

Mudar o processo de distribuição de riqueza é o passo que falta dar. Mas é difícil de dar porque cada um quer o mais que pode, ninguém olha para a sociedade como um todo.

Os dinamarqueses são apenas 5 milhões de pessoas num território com um clima horrível e sem recursos naturais; no entanto, não têm desemprego nem pobreza, têm todos um alto nível de vida comparado com o de cá.

alf disse...

Jorge

A produção não precisa de ser ilimitada porque a humanidade não é infinita; só precisa de ser qd para as pessoas que existem; isso não acontecia dantes mas hoje acontece, o que limita atualmente a produção é apenas a capacidade de consumo, porque se podia produzir muito mais.

E, note-se, mesmo esta capacidade de consumo está empolada, criam-se hábitos de consumismo para conseguir escoar o demasiado que se produz.

Sendo assim, porque diabo há de haver tanta gente com tantas carências? Não há nenhuma razão material para isso, é apenas um efeito da sociedade que temos.

Um efeito pernicioso que os dinamarqueses eliminaram. Não é muito difícil, basta querer.

Mas, claro, se cada um o que quer é ser o mais rico possível, não se encontra a solução. O que se encontra é uma sociedade em que alguns ficam com tudo e quase todos ficarão sem nada. E a culpa não é dos "alguns", é dos "quase todos" que quiseram esse sistema. Na Dinamarca, os "quase todos" quiseram outra coisa e é por isso que têm outra sociedade.

UFO disse...

quem me dera poder importar políticos dinamarqueses. Um partido inteiro de vikings.
até lhes deixávamos ganhar no campeonato de futebol Europeu. podemos dispensar alguns brasileiros para se naturalizarem por lá.
enfim, já estou a ver é que não iriam ter os ordenados que se pagam por cá.
como nós somos mais ricos podemos pagar loucuras.

o filme http://www.donosdeportugal.net/
ensina como sempre as negociatas e negócios sem risco mamaram no Estado.

Eu bem que gostava que aparecesse uma alternativa, nem que fosse o PCP ultrapassar a infância traumatizante.
resta a esperança de que os espanhóis façam a guerra por nós.
no entretanto cuspo na cara dos políticos.

HORIZONTE XXI disse...

Caros ALF e DIOGO

Qualquer um de nós que ande com um pouco de atenção ao que se passa percebe sem grande dificuldade que o trabalho clássico, o trabalho repetitivo de retribuição/hora vai terminar em breve, qualquer um percebe que as linhas de montagem do Henry Ford não vão incorporar pessoas, e ELES também o sabem.
Esta é a questão que devemos estar a debater hoje, devemos deixar o sistema adaptar-se, absorver alguns dos novos conceitos, sofrer uma metamorfose mas na essencia manter-se o mesmo sistema ou devemos aproveitar a portunidade para criar um novo sistema, é que os donos do sistema também sabem que para continuar é preciso mudar e se repararem com atenção estão a iniciar a troca de um novo conceito de trabalho pela dependencia do acesso aos recursos essenciais.
Se sairem vitoriosos poderão dar-nos outra filosofia de trabalho mas dominar-nos-ão pelo acesso á água, aos alimentos, á energia,á saúde etc.
Se os deixar-mos ganhar apenas trocaremos uma coleira por outra pois o sistema de hierarquia elitista manter-se-á.
É de prever que não desistam do sistema assim com tanta facilidade, vão tentar adaptá-lo o mais que poderem para que se mantenha, não acham?

HORIZONTE XXI disse...

Esqueci,

Um abraço libertador.

alf disse...

UFO

penso que a alternativa acabará por surgir assim que as pessoas começarem a perceber que há alternativas - porque muita gente está convencida de que não há e é por isso que se agarra a isto.

para já, convém irmos percebendo como isto está a funcionar... por exemplo, agora voltam a apostar nas medidas de incentivo às empresas - são apenas formas de subsidiação para permitir que os ordenados continuem a ser baixos.

alf disse...

Horixonte XXI

De acordo. Mas a automatização não é algo que vai acontecer, é algo que já aconteceu - a generalidade do trabalho manual já está substituído por máquinas.

Essa luta contra uns que querem dominar é uma luta difícil porque o problema está na espécie humana; é preciso arranjar um sistema que combata isso mas a dificuldade é que esse sistema tem de funcionar com pessoas que o que querem... é isso.

Acho que um tal sistema só se consegue quando existir um número suficiente de pessoas que o deseje. penso que cada vez há mais pessoas que o querem, porque cada vez as pessoas têm mais consciência social, cada vez são menos "sobreviventes"; os dinamarqueses deram esse salto porque têm essa consciência; se nós a tivéssemos, tb estariamos a caminho dele. Ou estarei muito derrotista??? às vezes desmoralizo com as conversas que tenho para aí...

Abraço

Ricardoense disse...

Parece-me uma análise bem feita, embora um pouco exagerada, já que na prática as coisas podem não funcionar assim. A concorrência não me parece que possa ser vista como algo mau, de todo, embora alguma das consequências apresentadas por si se possam fazer sentir. A falta de concorrência essa sim pode ser muito grave, já que não induz à competitividade (as empresas não têm incentivos a melhorar o seu processo produtivo, a investir em investigação, etc). Para além disso, a falta de concorrência em termos de cadeia de distribuição, induz a que aí sim, haja um empobrecimento dos produtores, já que estes desejam a todo o custo vender a sua produção, e na ausencia de procura para a mesma (já que no mercado posterior não há concorrência) venderão a um preço baixo. Pelo contrário, havendo mais concorrência venderão a um preço mais elevado. Assim, penso que não devemos ter medo da concorrência, apesar de trazer alguns males como referiu, mas ainda assim os seus beneficios são superiores.

Ricardoense disse...

Já agora acabei de criar um blog. Visitem ecoseconomia.blogspot.pt

alf disse...

Ricardo Gonçalves

Obrigado pelo seu comentário. A competição é indispensável, a questão não está em optar entre ela e contra ela; a questão está em como regulá-la, nas regras do sistema.

O Esquema atual funcionou muito bem enquanto a desigualdade era pequena mas torna-se suicidário a partir de certo valor da desigualdade, que vai conduzir a que o crescimento absoluto da riqueza dos mais ricos seja superior ao do PIB, implicando o empobrecimento da restante população. Esta fatalidade deste sistema tem andado a ser tratada sintomaticamente através de medidas de apoio "aos pobres" mas como estes são em número crescente, este tipo de solução "social" leva ao colapso. O erro é pensar-se que o colapso se deve a estes remédios e ignorar-se a "doença" - o problema reside simplesmente no excesso de desigualdade.

Os EUA perceberam isso há muito tempo e estão a tentar combater o problema sem mexer muito no sistema; na Europa isso está a ser impossível porque os ricos que atuam aqui pensam que não dependem dos europeus, ao contrário do que acontece com os ricos americanos em relação aos americanos. Por isso, os ricos que aqui mandam não estão nada interessados em diminuir a desigualdade, pelo contrário, ainda tentam aproveitar a crise para a aumentarem. Isso talvez seja bom porque assim é garantido que isto vai acabar numa qualquer revolução e, apesar de muito mau para esta geração, talvez seja positivo para as vindouras.

Diogo disse...

A competição só é indispensável enquanto houver homens metidos na produção. Quando as máquinas tudo fizerem, não há necessidade desse incentivo. Esse momento está muito próximo.

alf disse...

Diogo

Se você olhar para os empregos da geração anterior, verificará que para aí 90% já não existem - foram substituídos pelos robots, computadores, organização. O futuro de que fala é também o presente.

Há uma dificuldade que não foi resolvida: as pessoas receberem dinheiro em troco do que produzem. A sobrevivência das pessoas não pode depender da sua produção, as máquinas produzem em vez delas mas o dinheiro da produção que as máquinas fazem tem de continuar a pertencer às pessoas.

Há pois um problema de como fazer a redistribuição da riqueza que as máquinas produzem

Por outro lado, o tipo de actividade das pessoas sofre grandes mudanças - como já lhe tenho dito, há imenso para fazer, temos um universo inteiro para descobrir; o problema é que grande parte das pessoas desta geração não estão preparadas para esse tipo de actividade; mas há outras actividades importantíssimas, como artísticas, lazer, serviços de todo o tipo.

Você diz que os computadores podem fazer tudo; até podem fazer filmes sem atores; mas não podem fazer teatro sem atores. Podem fazer música, mas não podem fazer cantores. Etc.

O problema da redistribuição de dinheiro tem sido adiado pela substituição da actividade de produção pelas outras, que têm gerado emprego.

O problema não se resolve porque as pessoas são gananciosas - é cada um que não quer que alguém receba dinheiro sem ser trabalhando como escravo. Mesmo que seja pouco. Cada um quer ganhar o mais que pode e vê todo o processo redistributivo como um roubo que lhe fazem.

O ser humano é egoísta e burro; se fosse só egoísta, encontrava a solução, que é subtil; mas como é burro, está condenado ao sofrimento.

vbm disse...

Alf,

A observação do desemprego pela automação da produção e a dificuldade crescente de encaminhar a população activa desempregada e excedentária para trabalhos social ou economicamente úteis e necessários é uma dificuldade já antiga e várias vezes sentida ao longo da evolução histórica.

De facto, a mim também me parece cada vez mais difícil de solucionar esta contradição da alta inconveniência da inutilidade e desemprego e a riqueza crescente decorrente da inteligência e grau de civilização atingido pelas sociedades.

Influenciar as pessoas a que se tornem mais artísticas, intelectuais e naturalistas parece-me bom, mas tenho de convir que há opções bem distintas que aprazem a muita gente: desde um puro regresso a uma vida menos civilizada e mais primária a preferir, justamente, receber ordens, ser "escravo" ou simplesmente obedecer e trabalhar acefalamente...

É tudo difícil, há muita desigualdade entre as sociedades e as nações, há mesmo gente a mais - Malthus continua a ter razão -, e no fundo, se uma sociedade conseguir organizar-se colectivamente para distribuir o trabalho e o lazer de um modo equilibrado por todos, não será o perfil daí resultante uma decepção e frustração tão grande quanto tudo quanto é presentemente insuportável no presente!?

alf disse...

vbm

É como diz, sem dúvida; no entanto,
há duas questões que me parece não estar a ver bem.

a primeira é que está a ignorar que existe uma percentagem relevante da população que vive em condições miseráveis e sem quaisquer perspectivas ou oportunidades de vir a viver melhor. Claro que do conforto dos nossos lares classe média isso é algo tão distante que por vezes esquecemos que é real; mas qualquer professor colocado em escolas fora do centro de Lisboa, Porto ou Coimbra sabe bem como são miseráveis as condições de vida de grande parte da população.

Ora isto é algo em relação ao qual não podemos ficar indiferentes; se este sistema não é capaz de resolver isto é porque não serve; não basta que o sistema seja "bom" para nós - sistemas bons para alguns sempre existiram.

a outra coisa é que o sistema não é estático e o sentido de evolução é bem conhecido - vamos todos fazer companhia aos miseráveis porque neste sistema, a partir de certo valor de desigualdade já ultrapassado, o limite inferior é sempre o limiar de sobrevivência e toda a gente tende para ele excepto uma percentagem insignificante.

isto cria uma situação interessante: se formos capazes de encontrar uma solução que acabe com a miséria dos outros, essa solução irá salvar-nos a nós também; se continuarmos indiferentes à miséria dos outros, iremos fazer-lhes companhia. Parece justiça divina não é?

Abraço

vbm disse...

:) Bem respondido, e em traços previsíveis pelo que sempre o alf tem denunciado. É bem possível que a tendência lógica da dinâmica observável no sistema económico seja mesmo a da pauperização crescente de quase toda a população.

Apenas, obvio a contrariedade que a revolta e o terrorismo organizado podem criar ao sistema de dominação da classe possidente, porque muitos séculos antes do proletariado contemporâneo, os revoltosos árabes do tempo de Omar Khayyam - século XI - criaram a seita dos «HASSASSIN», dirigida pelo amigo do poeta, Hassan Ibn Sabbah, inconformado com o cargo pouco importante que o também amigo de ambos, Nizam Al-Mulk, nomeado Grão-Vizir pelo sultão, ofereceu ao decepcionado Hassan...

Só Khayyam foi sábio suficiente para se dedicar «à astronomia, à matemática, à filosofia, à poesia e à amizade, quer dizer ao ócio, tal como Aristóteles entendia a «diagogé»-«ocupação e gozo intelectual e estético como compete ao homem livre».»

De modo que há sempre divisões na classe dominante e a revolução política é possível, e com a demagogia controlada.

:)

Diogo disse...

Alf - Há uma dificuldade que não foi resolvida: as pessoas receberem dinheiro em troco do que produzem. A sobrevivência das pessoas não pode depender da sua produção, as máquinas produzem em vez delas mas o dinheiro da produção que as máquinas fazem tem de continuar a pertencer às pessoas.
Há pois um problema de como fazer a redistribuição da riqueza que as máquinas produzem

Diogo - A riqueza que as máquinas produzem será distribuída de forma igual por todos os cidadãos. Como não existirão indivíduos com «poder», porque não existirão meios de produção privados, a riqueza será de todos.


Alf - Por outro lado, o tipo de actividade das pessoas sofre grandes mudanças - como já lhe tenho dito, há imenso para fazer, temos um universo inteiro para descobrir; o problema é que grande parte das pessoas desta geração não estão preparadas para esse tipo de actividade; mas há outras actividades importantíssimas, como artísticas, lazer, serviços de todo o tipo.
Você diz que os computadores podem fazer tudo; até podem fazer filmes sem atores; mas não podem fazer teatro sem atores. Podem fazer música, mas não podem fazer cantores. Etc.

Diogo - A tecnologia está em evolução exponencial e, hoje, o valor da inclinação (derivada) dessa curva é elevadíssimo.
Não podem fazer teatro sem atores? O que é a holografia?
Não se podem fazer cantores? Durante dois ou três anos assinei um serviço em que escrevia o texto e o programa dizia esse texto (em várias línguas incluindo o português). De falar a cantar, falta muito?


Alf - O problema da redistribuição de dinheiro tem sido adiado pela substituição da actividade de produção pelas outras, que têm gerado emprego.
O problema não se resolve porque as pessoas são gananciosas - é cada um que não quer que alguém receba dinheiro sem ser trabalhando como escravo. Mesmo que seja pouco. Cada um quer ganhar o mais que pode e vê todo o processo redistributivo como um roubo que lhe fazem.
O ser humano é egoísta e burro; se fosse só egoísta, encontrava a solução, que é subtil; mas como é burro, está condenado ao sofrimento.


Diogo - O emprego está a desaparecer a uma velocidade exponencial. Você já o reconheceu acima. Porquê insistir no mesmo erro?

alf disse...

vbm

A perspectiva histórica ajuda-nos a entender o ser humano e seus caminhos; chama bem a atenção para o facto de as pessoas da classe dominante serem iguais às outras e também para o facto de as revoluções serem porta aberta para que aqueles que nunca deveriam ter o poder assim o obtenham; as "revoluções" têm de ser conseguidas sem "revolução"... não é fácil mas... penso que pela força das ideias isso seja possível. É preciso é que haja ideias... e essa acaba por ser a grande dificuldade. Mas se cada um procurar dar uma contribuição, como estamos aqui a fazer... quem sabe?

alf disse...

Diogo

Não podemos desenhar uma sociedade a funcionar baseada no emprego, sem dúvida; mas também não podemos desenhar uma sociedade sem trabalho, até porque não isso que queremos.

Há muitos futuros possíveis, mas o que interessa é o futuro que queremos.

Por exemplo, até eu sou capaz de conceber um computador que escreva blogues; portanto, no futuro, você não precisaria de ter um blogue, os computadores fariam isso, não é? E também fariam comentários.. de maneira que nós nem precisaríamos de pensar... Aliás, mesmo hoje já ninguém vai aos estádios de futebol porque podemos ver os jogos em HD e grandes planos na TV, não é? E ninguém vai aos concertos do Tony Carreira porque pode ver o video em HD e 3D e o som em AF no conforto da sua sala, não é verdade? Ou não?

Está a ver a diferença entre os futuros possíveis e o que queremos?

Portanto, temos de pensar numa sociedade que sirva o que queremos e o que somos. Como seria a sociedade que você quer? Sabe? (às vezes pensamos que queremos uma coisa mas afinal não é isso, somos uns bichinhos muito irrequietos, como o caracol alentejano).

Diogo disse...

Caro Alf,

Num paradigma onde a máquina pode fazer tudo infinitamente melhor do que nós, resta-nos a brincadeira, como quando éramos crianças ou adolescentes e os nossos pais proviam tudo o que necessitávamos (na medida das suas possibilidades).

Hoje, já nenhum humano consegue bater os melhores programas de xadrez. Que fazer? Jogamos uns contra os outros. O prazer não pode ser imenso?

Há muito que nenhum humano consegue correr mais depressa que um automóvel. Não continuamos a fazer corridas entre nós?

O novo paradigma será um mundo onde não teremos necessidade de prover às nossas necessidades, mas onde teremos um universo inesgotável de hobbies.

Um mundo assim aflige-o?