domingo, julho 01, 2012

O Mistério Português



Na última cimeira europeia o impossível aconteceu: o BCE (tanto quanto percebi) vai financiar as dívidas soberanas através do fundo de resgate. A pedra de toque de todo este processo de destruição dos Estados caiu. Como foi isto possível?

Toda a evolução das sociedades humanas, os diferentes sistemas políticos, as leis, as regras, praticamente toda a estrutura da sociedade humana, decorre de uma única coisa: o poder negocial dos interesses em jogo.

O Poder Negocial é a Grande Lei da Sociedade, tudo o resto é consequência desta lei.



Por exemplo, foi o movimento sindical que deu poder negocial aos trabalhadores e lhes permitiu acordos que foram fixados em Leis, garantidas pelo Estado.

Na última cimeira, França, Espanha e Itália uniram-se e obtiveram um poder negocial superior ao da Alemanha; e assim conseguiram o que queriam. E o que queriam eles? Salvar os Estados; porque a destruição dos Estados é o objectivo dos “ricos”, pois já não precisam deles, quem precisa deles é sobretudo a classe média porque já não tem sindicatos, já não tem organização, já não tem poder negocial, não tem outro poder que não seja o que vem do Estado; e a classe mais pobre já pouco tem a perder com o fim do Estado.

Há várias maneiras de ter poder negocial; uma é pela força bruta, “pelo número de espingardas”, que foi o que aconteceu nesta cimeira; a outra é sendo “um grão na engrenagem”, que foi o que fizeram os gregos; outra ainda é ameaçar causar algum prejuízo porque, na sociedade humana como na selva, raramente alguém está disposto a ficar ferido para matar o outro, que foi o que tentou fazer o Sócrates, à mistura com algum bluff (mal sucedido, pois a fragilidade da sua situação condenava à partida qualquer possibilidade de sucesso negocial).

E nós agora? Como é evidente, Portugal não só não negoceia como, pelo contrário, o governo agrava unilateralmente as exigências da outra parte; que estratégia é esta, que merece o apoio dos portugueses dado que não há contestação significativa nem quebra nas intenções de voto? Nem sequer o líder da oposição contesta a não ser com palavras de circunstância e vazias de consequências? Que mistério é este?

(continua)

5 comentários:

vbm disse...

Não me parece útil erguer em teorema o poder negocial como o factor determinante das soluções políticas. Porque, básico acaba por ser a viabilidade das próprias soluções.

Ora, é bem verdade que as populações precisam dos Estados para serem defendidas das arbitrariedades das grandes corporações, é mesmo essa a essência do conceito - de Estado -, optar pelo interesse dos indivíduos, a sua liberdade e desenvolvimento pessoal impondo que esses valores sejam respeitados pelos interesses colectivamente organizados. ~

No fundo, isso é o verdadeiro e histórico liberalismo político, por muito que os capitalistas dele se queiram aproveitar para distorcer o poder do Estado em seu benefício corporativo.

A Alemanha não tem hipótese nenhuma de vergar a Europa do Sul e a Inglaterra aos seus interesses continentais.

De qualquer modo, a problemática da Europa vai jogar-se com extensão forçosa ao mundo árabe do norte d'África e os países de petróleo do Médio Oriente não vão poder subir a cotação do crude, sob pena de 'expropriação' e ocupação militar.

Mas é possível também que o proteccionismo económico limite severamente o comércio com a China.

alf disse...

vbm

Nós construímos belas teorias de como as coisas deveriam idealmente ser; mas as coisas são como são e precisamos é de entender como são as coisas. E a minha análise leva-me a uma clara conclusão: é o poder negocial que tudo determina; um poder que disfarçamos com princípios e teorias até porque, sentindo a fragilidade do nosso próprio poder negocial, não queremos aceitar que assim seja porque assim não nos convém.

Mas essa parece-me ser a realidade, pelo menos a realidade que nos está a ser imposta.

O que dá poder negocial aos povos é o estado social; sem ele, as pessoas aceitarão trabalhar por uma sopa. É por isso que os "ricos" querem tão desesperadamente acabar com o Estado Social, cujo o presidente do BCE já anunciou eufórico!

Na alemanha, ordenado mínimo só existe em alguns sectores, onde os respectivos sindicatos o conseguiram - como tudo o resto, o ordenado mínimo é uma conquista negocial, exige poder negocial. Ordenado mínimo ou RSI adequado, são as duas coisas que impedem que as pessoas sejam coagidas à escravatura. A Alemanha não está construída sobre princípios, é o puro resultado dos poderes negociais.

O Poder Negocial é a Lei da Oferta e da Procura

Vamos a ver o futuro.. confesso que ando pouco "visionário" lol; por agora, entretenho-me a tentar compreender as coisas..

Diogo disse...

«Na última cimeira, França, Espanha e Itália uniram-se e obtiveram um poder negocial superior ao da Alemanha; e assim conseguiram o que queriam.»


Há um monopólio financeiro que está acima de qualquer Estado. Isto, porque qualquer político que chegue a um cargo de poder, não o conseguiria se não estivesse vendido à Banca. Donde, qualquer decisão de qualquer governo está sujeita aos manda-chuvas do dinheiro. O resto é folclore.

alf disse...

Diogo

Sim, não duvido, mas os ricos também têm os seus territórios e têm de os defender.

Uma pergunta: durante muito tempo, a Alemanha usou a Holanda como testa de ferro para as suas manobras políticas; agora que as coisas se complicaram na Holanda, não lhe parece que está a usar a Finlândia?

vbm disse...

É claro que é o poder negocial que inclina a solução negociada! :) Esta, porém, ou vinga de facto ou aborta, novo caminho se erguendo. Sempre se previu que o eixo Merkozy seria destituído pela extensão da crise à Itália e Espanha. Assim sucedeu. Logo, ficou provado que aquele poder negocial do eixo-Merkozy era fictício. O mesmo se passa com as "soluções" financeiras que estão na forja, relativas à união bancária e pacto orçamental das economias do euro. Estas, para retomarem crescimento produtivo e emprego vão ter de proteger-se da concorrência ilegítima (dumping) da Ásia e do cartel dos produtores de petróleo (presumo, por ocupção, ou ameaça de ocupação, militar dos territórios: Iraque, Líbia, Irão).

Na questão do Estado Social, como travão substantivo do poder ilimitado das corporações, tu tens a razão do teu lado... mas, continua a ser lamentável que a generalidade das massas proletárias só reivindica benefícios no mais radical alheamento do que pode e deve ser feito e do que não pode e não deve fazer-se.