quarta-feira, janeiro 11, 2012
Génese e evolução da Crise
Esta crise e as
anteriores têm a sua origem profunda num erro filosófico, que será abordado num
próximo texto; mas mudar esse erro não é fácil, pelo que o que interessa para
já são as causas directas da crise, a fim de percebermos o que podemos esperar
do futuro próximo.
Vou dar uma
explicação muito simples, não completamente correcta mas reveladora do busílis
da questão, de acordo com o meu entendimento.
Existe uma certa
quantidade de dinheiro físico. Na Europa, o BCE imprime todos os anos mais um
pouco – não sei qual é o montante, arbitremos 2%. Portanto, excluindo o resto
do Mundo do nosso raciocínio, o montante de dinheiro cresce à taxa de 2% ao
ano.
Este dinheiro
está aonde? Nos bancos. Que fazem os bancos com ele? Emprestam. Vamos supor que
o emprestam todo e que a taxa média de juro que conseguem é 10%. Então, ao fim
de 1 ano, a dívida representa 110% do dinheiro inicial; este, por sua vez,
aumentou os 2% que o BCE imprimiu. Temos, portanto, que ao fim de 1 ano a dívida
é quase 8% mais do que o dinheiro existente.
Ou seja, o total
em dívida supera o dinheiro existente devido às taxas de juros serem superiores
ao dinheiro introduzido pelo BCE; e esta diferença cresce anualmente (na
verdade, cresce também por outra razão, mas não compliquemos porque esta é que é mais relevante devido ao seu efeito cumulativo).
Se ao fim de 1
ano as dívidas tivessem de ser todas pagas mais os juros, haveria uma crise
porque não haveria dinheiro suficiente.
Os financeiros
sabem disso, e têm uma solução: não querem que lhes paguem as
dívidas, querem é que lhes paguem os juros. Por isso emprestam
indiscriminadamente e com prazos a perder de vista.
As pessoas têm
empréstimos para a casa, carro, etc; o que elas pagam por mês é quase só juros,
as amortizações são a 40 anos (até para carros...). Portanto, o real encargo
das pessoas não é a dívida, são os juros da dívida.
Assim, o problema só surge quando os juros excedem o dinheiro existente
- os devedores deixam de poder pagar os juros. O crescimento da desigualdade
agrava a situação.
É nessa altura
que estala a crise: ao deixar de receber os juros, os credores querem reaver os
créditos (os bancos têm de depositar no banco central as dívidas em falha) e
gera-se uma “corrida às dívidas”. Uma corrida sem solução porque simplesmente
não existe dinheiro físico suficiente para o total em dívida. Ainda por cima,
parte do dinheiro físico está retido como reserva, uma medida destinada a
evitar a “corrida à banca”. O sistema financeiro acautelou a “corrida à banca”,
porque ela já aconteceu no passado, mas não acautelou a “corrida à dívida”.
Como se resolve
isto? Há várias maneiras. Uma é “redistribuir a riqueza”, que consiste em o
Estado cobrar mais sobre os altos ganhos dos financeiros e injectar esse
dinheiro na base da economia; outra consiste em reajustamentos de taxas de
juros a valores mais baixos; outra é o banco central “comprar” dívida
incobrável à banca que depois não cobra, o que equivale a injectar dinheiro no
montante da diferença entre o dinheiro real e o crédito (esta solução foi
inventada pelos japoneses); outra é anular parcialmente as dívidas.
Porém, quando
toca a haver crise, todos querem é safar-se o mais rapidamente possível.
Renegociar os empréstimos baixando os juros? Nem pensar, isso iria diminuir os
ganhos. Há é que aumentar os juros para tentar sacar o máximo dinheiro antes
que se acabe.
No Japão e nos
EUA ainda há quem mande no sistema financeiro e por isso surgem algumas medidas
adequadas, como redistribuição de riqueza, a intervenção do banco central na
dívida soberana, embora indirecta, e a compra pelo banco central de crédito
mal-parado.
A Europa, sem
qualquer controlo político sobre o sistema financeiro, tem um esquema próprio
desenvolvido por este. Um esquema em duas fases.
A primeira fase
consiste em meter muito dinheiro na banca para que ela possa gerir os créditos
mal-parados. Onde é que se vai buscar esse dinheiro? Aos bolsos dos pobres,
naturalmente, pois são os ricos que definem o jogo e não querem corrigir a
situação indo aos seus próprios bolsos. E como? Através das dívidas soberanas.
O facto de o BCE
não intervir directamente nas dívidas soberanas deixou estas sem capacidade de
negociação e os seus juros podem subir ilimitadamente. Isto é uma mina de ouro
para a banca.
Percebamos o
processo: a Banca compra os títulos de dívida soberana e revende ao BCE,
ganhando uma taxa enorme no processo. A banca tem um negócio fabuloso, o de
intermediário entre as dívidas públicas e o BCE. Todo o dinheiro dos cidadãos
comuns irá ser escoado para o pagamento dos juros da dívida, ou seja, para a
Banca. Notem que o BCE comprar os títulos é indispensável ao processo porque,
como veremos, eles vão ficar incobráveis.
Como é que os Estados vão arranjar dinheiro
para pagar os altos juros?
Compreendamos a
situação: imaginem que têm um empréstimo para compra de casa, pelo qual pagam
500 euros por mês. Um bom investimento, pois se arrendassem uma casa pagariam o
mesmo ou mais e não teriam nada. Comprar casa própria é um investimento e uma
poupança. Agora imaginem que recebem uma carta do banco a dizer que resolveram
unilateralmente subir os juros, pois há falta de crédito, e que passam a pagar
1700 euros por mês! O vosso ordenado é de 1000 euros. Vocês dizem ao banco que
não podem pagar isso. O banco então acha-se no direito de entrar na vossa vida
e desatar a vender os vossos bens, sacar o dinheiro todo que tiverem e ainda
vos insulta, seus malandros, a quererem ter casa com dinheiro que não é vosso –
vão é viver para debaixo da ponte, seus caloteiros.
Isto é mais ou
menos o que se passa com as dívidas soberanas.
Assim, os
financeiros entram nos Estados e impõem a “Austeridade”. Austeridade mas não
para os ricos. Corta-se nos ordenados e nos direitos sociais. Duas coisas que
não afectam os ricos. Impostos sobre o capital, parcerias público-privadas,
fundações, denúncia de dívidas fraudulentas mesmo quando a fraude já está
provada, como no caso dos submarinos, isso não!
Os críticos da
austeridade dizem que ela corta o crescimento e que sem crescimento não há dinheiro
para pagar dívidas; são uns utópicos, o crescimento não interessa nada aos
financeiros, ele não fabrica dinheiro; “crescimento” num
lado significa decrescimento noutro lado, para os financeiros é
irrelevante, o que interessa é sacar o mais possível do pouco dinheiro físico
que existe. O que falta não é produção, é dinheiro físico, pura e simplesmente,
e o objectivo é sacar o máximo de dinheiro já já; se o país fica destruído, se
as empresas fecham, se as pessoas passam fome, isso não interessa nada, cada um
trata dos seus interesses. Na verdade, isso é a consequência necessária do
saque que é preciso fazer para que os interesses dos ricos não fiquem
prejudicados. Vamos viver para “debaixo da ponte”.
Mas por maior que
seja a “austeridade” nunca se pode obter o dinheiro necessário porque ele não
existe. A austeridade esvazia os trocos dos bolsos dos pobres mas depois não há
mais trocos.
Entendamos o
seguinte: na Europa, os bancos são apenas retalhistas do dinheiro. O produtor
do dinheiro é o BCE. A Banca tem o exclusivo do retalho deste produto, que o
BCE produz em monopólio; o BCE faz como qualquer outro monopolista: produz nas
quantidades que mais aumentam o seu ganho – se produzisse mais euros, o euro
desvalorizava-se e ele tinha menos ganho. Ele e a Banca, pois isso baixaria os
juros. O BCE e a Banca são uma entidade só, a desempenhar dois papéis. Estados,
cidadãos, empresas, são todos clientes do retalhista do dinheiro, que é a
Banca.
Os bancos vão ter
de enfrentar muito crédito incobrável porque as pessoas ficam sem dinheiro para
pagar os empréstimos, mas vão ser compensados pelos ganhos na intermediação
entre as dívidas soberanas e o BCE. Este processo transfere para o Estado, ou
seja, para todos nós os que dependemos directa ou indirectamente dele, o
problema gerado pelo excesso de ganhos financeiros. A banca transforma assim os
seus ganhos virtuais em dinheiro real extraindo o dinheiro real das pessoas.
Entendamos:
criou-se um dinheiro virtual de que todos beneficiámos, uns mais do que outros;
mas agora o dinheiro virtual dos ricos é substituído por dinheiro real e o
nosso dinheiro real desaparece e o virtual esfuma-se através da utilização de
uma ferramenta chamada “Austeridade”.
No fim desta
primeira fase, o BCE está cheio de títulos de dívida soberana, que comprou no
mercado secundário; que vai ele fazer com esses títulos? Cobrá-los? Como, se
não há dinheiro??
Ele não vai
cobrá-los, o que o BCE tem a fazer é escrevinhar os títulos na contabilidade do
BCE e deixá-los lá arquivadinhos. O BCE apenas está a fazer aquilo que todos os
bancos centrais fazem, comprar dívida soberana para arquivo, só que usando a
Banca como intermediário, pois a Banca é o seu retalhista exclusivo.
Mas há uma diferença para os outros bancos
centrais; os outros estão ao serviço do seu país, arquivam a dívida porque isso
serve os interesses desse país. O BCE não está ao serviço de nada a não ser de
si próprio. Ele irá querer negociar alguma vantagem, qual? uma perca de
soberania? Os senhores do dinheiro vão tomar conta do poder político? Será que
a Merkel consegue alterar os tratados a tempo e de forma a retirar poderes ao
BCE? Ou também ela está ao serviço do BCE?
E o nosso governo
está ao serviço de quem?
Pessoalmente,
penso que por agora vamos ser salvos pela ameaça chinesa – com as pernas a
tremer de medo perante o Dragão, o BCE vai arquivar já já as dívidas soberanas
para travar a entrada da mitológica criatura.
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2 comentários:
Se o dinheiro que tem de entrar na sociedade para suportar o seu crescimento gera dívida então para poder 'pagar' esta só criando mais dinheiro, e mais dívida num processo em crescendo.
Razão tem o Sócrates em que a dívida não é para pagar mas para gerir.
Por alguma razão as dívidas de todos os países estão todas a crescer.
gostei desta notícia:
http://www.thedailybeast.com/articles/2012/01/11/standard-poor-s-and-other-ratings-agencies-must-end-their-power-trip.html
Seria bom que a ideia ganhasse momento.
UFO
A ideia que querem fazer passar de que as agencias de rating são uns idiotas ao serviço de interesses ocultos faz-me logo pensar que quem o diz é que o é - tenho este instinto de quando vejo alguém a apontar um dedo de culpa a outrem pensar que quem o culpado é quem aponta e não quem é apontado.
No post seguinte vou mostro porque é que penso que os ratings estão certos
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