quinta-feira, novembro 03, 2011

Para colocar Portugal a viver de acordo com as suas posses



Vejo continuamente ser afirmado que “Portugal está a viver acima das suas posses”. Isso é bem verdade, não produzimos para o nível de vida que temos.

Este facto traduz-se no baixo valor do ordenado mínimo, menos de 1/3 do que se pratica noutros países europeus, o que está em correspondência com o PIB per capita de cada país.

Bem, mas se o ordenado mínimo está de acordo com «as nossas posses», quem é que está a viver acima delas?

Como é evidente, são todas as pessoas que ganham mais do que o ordenado mínimo, as classes média e alta. Estas pessoas têm considerado que, sendo europeus, devem ter um rendimento semelhante ao que se pratica nos outros países europeus. Isso não pode ser porque não vivemos de um orçamento europeu, o nosso orçamento depende do que produzirmos. Para pagar esses ordenados, Estado e empresas recorrem ao crédito; as pessoas pensam que vivem de acordo com o que ganham, ignorando que parte do que ganham é obtido por empréstimo; essa parte tem de desaparecer porque não há mais crédito.

São portanto os professores, os médicos, os engenheiros, os actores, os locutores, os juristas, os juízes, os militares, os pilotos, os gestores, etc, etc, quem vive acima das nossas posses como país. Na verdade, toda a gente que ganha mais do que o ordenado mínimo está a ganhar mais do que devia, se escalarmos os ordenados com o praticado noutros países em proporção com a sua produção. Este facto é traduzido por um indicador, a desigualdade. É por isso que somos campeões da desigualdade.

Colocar o país a viver de acordo com as suas posses não significa portanto mexer nos ordenados de baixo; significa, ao contrário, duas outras coisas: cortar naqueles serviços prestados pelo Estado que são típicos de países mais ricos e cortar em todos os ordenados acima do mínimo para os colocar na proporção adequada.

Isto significa que os ordenados e pensões das classes média e alta terão de levar um corte que pode ir de 50% a 65%. Como é evidente o corte tem de ser faseado, não pode ser feito de uma só vez – no mínimo em 3 vezes. Sendo os prazos tão curtos, atendendo ao corte já feito, imagino que no próximo ano sejam anunciados para 2013 cortes na ordem dos 15% a 25% nos ordenados acima de 1000 euros mensais, uma vez que a faixa 500 a 1000 euros já fica corrigida com os cortes previstos para 2012.

São dois os efeitos positivos que se obtêm desta maneira.

Por um lado, como estas classes são as grandes responsáveis pelo desequilíbrio da balança de pagamentos, ao reduzir-se o seu rendimento serão reduzidas as importações de automóveis, de roupa de marca, e de outros produtos e serviços, como férias no estrangeiro, que desequilibram essa balança vital e asfixiam a produção nacional. Assim, estes cortes ajudarão a reequilibrar a balança de pagamentos e isso é crucial para criar perspectivas de desenvolvimento, pois de agora em diante o nosso nível de vida será definido pela produção nacional, como acontece na generalidade dos países.

Por outro lado, como é evidente, ao reduzirem-se estes ordenados, as empresas públicas e o Estado precisarão de menos dinheiro, podendo então começar a equilibrar as suas contas.

Isto, evidentemente, se a Europa e nós encontrarmos forma de controlar a especulação sobre as dívidas soberanas, o que não será fácil e exigirá medidas imaginativas e radicais, uma mudança de paradigma.

Não há outra forma de colocar o país a viver de acordo com o que produz. Não estão de acordo?

Agora digam-me lá porque é que as medidas deduzidas neste raciocínio tão linear não passam de um enorme disparate.


9 comentários:

UFO disse...

Se isso fossse assim eu já me teria ido embora. De qualquer modo para o ano devo ir para outro país. Para um local onde quairam aproveitar a minha imaginação na procura de soluções. Aqui, na grande empresa onde trabalho, desprezam as minhas soluções e simplesmente compram programas piores e caríssimos aos americanos. Eles são negócio e eu não lhes proporciono nenhum negócio. Pagam-me para ficar quieto e eu sinto-me mal (no meu caso Estado paga e eu continuo a sentir-me mal). À força das negociatas damo-nos ao luxo de desbaratar o saber acumulado, a imaginação. Assim ficamos mais pobres para alguns dirigentes ficarem mais ricos. Desde que fizemos a EXPO que também sei que os portugueses são bons em organização. Se os autarcas e o Porto de Lisboa não tivessem sido arredados da equação tinha sido um fiasco.
Temos de trabalhar por objectivos garantindo aos executores o espaço de manobra indispensável. Controlo apertado, à vista. Cortar em mordomias (verifiquem como são austeros os deputados suecos, esstes estão lá para servir a comunidade) Os deputados por cá não precisaram de mostrar que sabiam fazer nada na vida civil. São do partido e pronto. Favores a uns e a outros.
Mas ainda não respondi à tua pergunta.
Amanhã vou colocar robots a fazer a reposição de mercadorias nos supermercados. É fácil, um dia destes já está. E as raparigas(os) que lá estão ? Elas não quiseram estudar ou o ambiente escolar e familiar foi adverso ? Amanhã não precisamos de ninguém a ganhar o ordenado mínimo, nem qualquer outro ordenado, nem subsídio. Os grandes centros comerciais fechavam todos por falta de clientes e as empragaditas jeitosas iam parar ao desemprego ainda antes de perderem a frescura.
Se eu ganhar o mínimo também não as posso contratar para me facilitar a vida enquanto uso o meu tempo a fazer coisas mais especializadas. Tem que haver um escalonamento de ordenados não? Os que ganham mais alimentam os que ganham menos. É saudável. O que não é saudável é uma espécie de euforia na denúncia de coisas banais: Uns comediantes foram contratados para fazer o anúncio da Troika para a CGD e levantam-se vozes: desperdício de dinheiro. Dispensamos os comediantes? Eles são-nos muito úteis. Casa dos Segredos para o lixo ? Claro, mas o público já está drogado e nem percebe na maldade desses programas. Levantam grandes celeumas por causa de umas cenas de sexo e tal. E depois? Os únicos a reparar nisso são os da comunicação social. Vivem do sangue.

Continuo sem responder à pergunta. Acho que se não fosse um grande disparate Portugal ficava às moscas. Espera, não és comunista pois não? O 'todos por baixo' não resultou na URSS e a China recapitalizou-se qb (e os salvadores que ficavam por cima eram do partido, lá como cá).
Enfim, olha não sei, mas estou descansado porque em poucas palavras vais mostrar o por quê.

spam:
há mais gente lúcida por aí:
Debt Obsession XXX no http://capitalistimperialistpig.blogspot.com/2011/10/debt-obsession-xxx.html
cópia: " So why have lenders been willing to lend to those who cannot pay? The key reason, I think, is that they believed that they would be able thereby to enslave the peoples of the nations defaulting - or even whole continents. Thus, the citizens of all of Europe and the United States are be dragged through economic disaster in order to payoff unsuccessful bankers -those who lent the money - and successful gamblers who made winning bets on credit default swaps.
"

alf disse...

UFO

Ena, estavas inspirado!

Creio que não percebeste a questão dos ordenados; eu não falei de "nivelar por baixo", nada disso.

A questão é a seguinte: aqui, um empregado de balcão ganha 1/3 do que ganha num país do norte; então não deverá também um professor, um médico, o presidente do banco de portugal, ganhar 1/3 dos seus homólogos?

Ou achas que o empregado de balcão deve ganhar 1/3, o professor ou o médico o mesmo e do BP muito mais?

É que os ordenados destas pessoas vêm do Estado, que tem de se endividar para os pagar - os ordenados dos professores, dos médicos, etc, são pagos com o crédito conseguido pelo Estado, estas pessoas é que estão a viver acima das posses do país.

E nota que não têm de ser funcionários públicos - muitos colégios privados vivem do que o Estado lhes dá, como se ficou a saber recentemente, os hospitais privados vivem das comparticipações do estado - vais a qq um e é só beneficiários da ADSE, etc.

Corrigir os gastos excessivos, colocar portugal a viver de acordo com as suas posses, é cortar estes ordenados. Sem dúvida nenhuma.

Outra questão é o que referes: cá passou a nada se fazer, compra-se tudo. Os gestores preferem comprar fora por mil razões, uma delas é que se comprarem cá logo virá alguém dizer que foi corrupção. Ninguém se incomodou com os PC dos professores, que são importados, mas toda a gente se incomodou com o Magalhães pela simples razão de ser montado cá.

E claro, há a corrupção. Na RTP assuntos jurídicos de caca são mandados para o Sérvulo Correia apesar de a empresa ter mais juristas do que alguma vez teve - os bons ordenados que este paga também são financiados pelo Estado.

Portanto, é mesmo preciso baixar os ordenados e é preciso que as pessoas percebam que se querem viver melhor têm de produzir em vez de comprar.

Eu não questiono este objectivo; a minha questão é relativa à forma como pode ele ser atingido - porque é que é um disparate seguir o caminho que está a ser seguido? Quais são as consequências?

alf disse...

UFO

quanto ao teu link, conto no próximo post expor qual é o negócio da banca; embora sendo algo trivial, verifico que muitas pessoas têm uma ideia errada.

Em relação à dívida ser usada para escravizar, é claro, esse método é muito antigo. Mas não são os bancos que o usam - quem tem esse objectivo são as grandes empresas. Pelas razões que já expus nos posts anteriores.


As relações entre fortes e fracos têm de ser estabelecidas com muito cuidado, senão os mais fortes abusam da sua força. É o que está a acontecer na Europa; e muito por culpa dos palermas dos franceses que se deixam levar na conversa dos alemães. Mas os grandes culpados somos nós mesmos, esse desfecho estava escrito há muito tempo.

alf disse...

Mais uma coisa, a propósito da escravatura: podes ver na net que na Alemanha a indústria de carnes usa imigrantes do leste a quem paga 2 euros por hora. Imaginas 2 euros por hora para sobreviver na Alemanha?

isto é escravatura; e é legal na Alemanha. Na Alemanha o patronato opõe-se à fixação de ordenados mínimos para que a escravatura seja legal

Portanto, é com estas pessoas que estamos metidos - pessoas que praticam a escravatura no seu país e certamente a praticarão nos países dos outros se os deixarem.

Tens aqui uma coisa boa para investigares: a prática da escravatura na Alemanha.

FBlack disse...

Caro Alf,

Que acha desta opinião:
http://www.youtube.com/watch?v=5LQAYkP1aMg
?

alf disse...

FBlack

Penso que a ideia do fundo de resgate é mais uma jogada para enriquecer a banca - a ideia é a seguinte: a banca faz subir os juros das dívidas soberanas dos países mais pequenos, mas há um limite que estes podem pagar; como ultrapassar este limite? Pondo os outros a pagar por eles.

A única forma de controlar isto é ou impondo limites legais aos juros ou o BCE comprar obrigações do tesouro, como acontece em todos os países com moeda própria.

Tudo isto não passa de uma gigantesca operação para os mais ricos continuarem a enriquecer numa altura em que a produção de riqueza já não pode crescer e portanto eles viraram-se para a predação da riqueza existente - noutras palavras, estão a ir-nos aos bolsos como podem, até nos levarem de volta aos tempos de Jesus Cristo. Só pararão quando não tivermos nem um tostão nos bolsos.

Anónimo disse...

Basta disto, entendam antes que factores económicos são reversiveis, o nosso povo é que não é se a sua identidade nacional for destruída... precisamos do Portugal eterno de volta:

http://www.youtube.com/watch?v=Q_qGldzphcI

UFO disse...

Anónimo: já lá pus o meu comentário.
Os meus tios tiveram de emigrar devido à farta pobreza em Portugal. Ponha-se a jeito e rebento-lhe a skin e a head. Modelos do passado servem ao passado, aos livros de História.

alf disse...

UFO

Como o Dr. Jordan referiu, uma sociedade constroi-se quando o interesse individual imediato se subordina ao interesse colectivo; quando isso deixa de acontecer, as pessoas tornam-se predadores da sociedade e dão cabo dela.

para que o interesse colectivo predomine, é necessário um processo eficiente; doutra forma a sociedade sucumbe vítima da predação individual

O que distingue as diferentes civilizações da actualidade é a forma como se consegue submeter o interesse individual imediato ao colectivo.

Nas democracias como a Alemã ou a Francesa, isso consegue-se associando um forte sentido do interesse colectivo - um chauvinismo - a regras claras e impiedosamente fiscalizadas.

A Lei é poderosa nesses países, os prevaricadores são faltamente punidos - se alguém puser um pacote de leite na reciclagem sem o lavar primeiro, um inquérito é aberto e o responsável leva uma multa pesada.

Em Portugal, os predadores tomaram conta do país - as regras são mal feitas e ninguém fiscaliza a sua aplicação. Falta autoridade.

Assim, não vamos a lado nenhum.

Como é que saímos daqui?

É natural que as pessoas vão buscar a única solução que conhecem.

Aliás, os fascismos não surgem porque uns malandros resolveram tomar conta do poder por motivos inconfessáveis mas ao contrário - surgem como forma de travar a predação da sociedade.

Muitas das pessoas da geração dos nossos pais e avós beneficiou do salazarismo, que acabou com muita da predação que existia e existe de novo; por isso é natural que os seus filhos e netos pensem que isso é uma solução.

E a questão é que é mesmo preciso uma solução para acabar com a predação. E se nós não tomamos a peito o combate aos predadores, se continuamos a pactuar com eles para não nos chatearmos, teremos que aceitar uma solução fascista ou nazi porque não há outra.

É isso que a Merkel e o Sarkozy andam a dizer. E com alguma razão. Não podem consentir que os predadores que se instalaram no Sul degradem a sociedade europeia.