sexta-feira, outubro 28, 2011

Estamos em guerra



Eu planeava analisar uma série de questões relativas à situação actual do país através das conversas do Dr. Jordan; é que dado que parece não haver experts nacionais, a solução é pensarmos nós pela nossa cabeça, e é para isso que surge o dr. Jordan. Porém, preciso agora de dedicar a minha atenção a outros assuntos, pelo que optei por colocar já este texto onde faço uma resenha dos 10 aspectos que me parecem mais importantes neste momento. Penso que, apesar das limitações do texto, darão por bem empregues os 5 minutos que gastarem a ler isto, pois pelo menos novos pontos de vista são apresentados.

1 – O mito da construção pacífica da união europeia

Muitas pessoas encaram o projecto europeu como uma tentativa de replicar os EUA, entendidos como uma união pacífica de estados. Ora não há qualquer semelhança, os EUA são basicamente um grande país construído pela força e altamente regionalizado. Vejamos a história.
   Os EUA nasceram quando as 13 colónias britânicas na costa atlântica do continente americano se uniram para conquistarem a sua independência; esta união foi depois desfeita pelos 7 estados do Sul, os quais foram em seguida conquistados militarmente pelos estados do norte. O pretexto moral para esta conquista (todas as guerras precisam de um pretexto moral) foi a abolição da escravatura; a verdadeira razão foi a de que os estados do norte precisavam da agricultura dos estados do Sul e ou os conquistavam ou teriam de lhes comprar comida.
   Os restantes territórios que hoje formam os EUA, e que são a maioria, foram obtidos por conquista ou por compra. Portanto, os EUA que conhecemos hoje não nasceram de nenhum projecto de união pacífica, nasceram de um projecto de ocupação e conquista. Os EUA não são nenhum modelo de construção pacífica de uma união de países; onde está tal modelo?

2 – O projecto de uma união europeia foi sempre um projecto de conquista.

O projecto da União Europeia sempre foi um projecto de conquista dos países do sul pela Alemanha, acolitada pela França. Sempre. Os economistas americanos sempre o perceberam e disseram. E isso é evidente pelas regras estabelecidas. Senão vejamos duas delas:


a)  Abertura das fronteiras. Como é óbvio, se não há barreiras alfandegárias entre dois países com diferente capacidade, o país mais forte leva o mais fraco à falência. Foi para evitar esse desfecho fatal que se inventaram as alfândegas. O fim das fronteiras na Europa tem um resultado incontornável: a Alemanha ficará sucessivamente credora de todos os outros países europeu


b) Os quadros de apoio. É sabido que injectar dinheiro produz fatalmente uma consequência: aumento da corrupção. A corrupção resulta do balanço entre benefícios e riscos e quando se aumenta os benefícios sem aumentar o risco, a corrupção dispara. Por outro lado, grande parte desse dinheiro destinou-se e destina-se ainda a pagar a não-produção daquilo que são as produções naturais do país. Se não vamos produzir alimentos, vamos produzir o quê? Aviões?

3 – Quais são os objectivos do projecto europeu?

Os dois que nos interessam são os seguintes:

a)      Mão-de-obra barata. A progressiva implementação do estado social faz subir os encargos com a mão-de-obra. Isso não é um problema no mercado interno, antes pelo contrário, porque aumenta também o poder de compra; mas é um problema para quem quer concorrer no mercado global. É por isso que surgem soluções como empresas em navios ou a deslocalização para zonas onde há excesso de população, logo mão-de-obra barata, como fazem os EUA no norte do México. Onde vão as empresas francesas e alemãs encontrar uma zona onde possam pagar os ordenados que se praticam no México ou no Sudeste asiático? A análise do problema mostra que isso só é possível num país do Sul da Europa, onde os custos de sobrevivência são muito mais baixos do que nos países frios. E só é possível se não houver integração europeia, porque se houver as leis de trabalho têm de ser as mesmas e já não é possível o trabalho escravo – é por isso que as empresas americanas estão no norte do México e não no sul dos EUA. O projecto europeu nunca foi um projecto de integração, foi sempre um projecto de «mexicanização do Sul».

b)      Continuação da predação dos países do Sul. Os países do norte da Europa, à excepção dos países nórdicos, sempre foram predadores dos países do Sul. Os piratas e corsários, cuja actividade consistia em pilhar os navios mercantes dos países do Sul, eram (e ainda são) considerados heróis nos seus países. Os ingleses vieram produzir vinho em Portugal para não terem de o importar de França, pagando miseravelmente aos portugueses. As empresas mineiras levam o minério daqui e só cá deixam ficar os ordenados. Os Hotéis, aldeamentos turísticos, agências de viagem estrangeiras exploram o nosso clima mas só cá deixam os ordenados. É como se nós fossemos a um país Árabe buscar petróleo e só lá deixássemos ordenados de miséria, o petróleo vinha de borla. Isso já não é possível fazer em parte alguma do mundo excepto aqui. O projecto europeu tem sido um sucesso para os países do norte porque institucionalizou esta predação que é hoje impensável mesmo no mais atrasado país africano. E isto é impensável porque conduz à perpetuação da miséria - os ordenados assim nunca saem do mínimo de sobrevivência. Por isso, onde os governantes governam para o povo e não para si, isso é impossível.

4 – O projecto europeu visa dar-nos as condições de vida dos países do norte?

Não. O objectivo é obter mão-de-obra ao mínimo custo para as indústrias que operam no mercado global. É isso que pretendem medidas como a redução da TSU que, na prática, corresponde a uma redução do ordenado do trabalhador, ou o corte do 13º e 14º mês. A diminuição do poder de compra vai destruir as empresas nacionais, que produzem para o mercado interno, e favorecer as empresas que produzem produtos de grande mercado – que são só empresas estrangeiras, pois as portuguesas só são viáveis na produção de bens que não se disputam pelo preço mas pelas características. A redução de ordenados serve unicamente os interesses das empresas estrangeiras. Notem ainda um aspecto: a redução que está a ser feita afecta muito mais quem ganha pouco, pois é muito diferente cortar 14% num ordenado de 1000 euros ou num de 5000; esta desigualdade no esforço que está ser pedido não é por acaso ou por burrice: o objectivo é cortar os ordenados dos operários e não se pode fazer isso sem o cortar pelo menos na mesma percentagem nos outros, seria escandaloso. O objectivo do projecto europeu é garantir operários baratos, muito baratos.
     Notem ainda outra coisa: estes cortes todos mal dão para pagar os juros dos encargos devidos ao buraco do BPN/BPP, mais o negócio sujo dos submarinos; são de quem as contas do BPN que andamos a pagar? Andamos a pagar os negócios sujos dos capitalistas que deram para o torto porque exploraram os pobres para além do limite suportável? Andamos a pagar submarinos que, ao que me consta, custaram o triplo do que aos gregos? Dado que até os próprios alemães já condenaram pessoas no caso dos submarinos, muito facilmente se renegociaria o preço deles para 1/3 ou menos. Mas isso não interessa, porque o único objectivo é baixar os ordenados.

5 – Mas porque é que não se fez um verdadeiro projecto de união europeia?

Num verdadeiro projecto de união, todos os povos europeus ficariam igualmente desenvolvidos e teriam os mesmos direitos. Ora para a Alemanha e a França isso não tem interesse; que interesse têm eles em que os Portugueses ganhem tanto como eles? Para lhes comprarem coisas? O que lhes interessa é o mercado global, estes 10 milhões de consumidores não contam para isso. Porém, como mão-de-obra barata, estes 10 milhões são priceless. Mas para serem usados como mão-de-obra barata, os cidadãos portugueses não podem ser equiparados aos franceses ou alemães, não é? Logo, não pode haver integração europeia...

É por isso que é indispensável «Salvar Portugal», como o PM constantemente apregoa. Se Portugal fosse integrado num esquema europeu, os portugueses passavam a ter os mesmos direitos dos outros «europeus» e já não poderiam ser escravos. Salvar Portugal” é indispensável à "mexicanização" do sul da Europa. Salvar Portugal para garantir que os portugueses não se salvam.

6 – Há outra forma de fazer um projecto europeu?

Claro que há! Por exemplo, em vez de fazer uma união de países fazia-se uma união de regiões, entre 5 e 15 milhões de habitantes cada. Isso é fácil, porque essas regiões já existem, os países estão regionalizados. Mas há outras soluções, mesmo mantendo o figurino de países.

7 – Mas não há outros países pequenos que conseguem ser bem-sucedidos no quadro actual?

Sabem qual é o grande negócio dos países pequenos do norte? Holanda, Luxemburgo, Liechtenstein, Irlanda? São plataformas de circulação de dinheiro para Offshores. Têm até legislação específica para esta actividade. Um exemplo: a “nossa PT” tem sede na Holanda para onde desvia os lucros fabulosos que obtém aqui, paga lá uma pequena taxa e manda o resto para uma Offshore. Todas ou quase todas as grandes empresas, nacionais e estrangeiras, que aqui andam, fazem isso.
     Notem que isto nem significa que os países pequenos só possam ser viáveis com esquemas destes – a Dinamarca, um país com muitíssimo menos recursos naturais do que nós e bem mais pequeno, é o exemplo do contrário - nem que a economia destes países se resuma a isso; mas há que questionar como é que as regras europeias permitem esta situação altamente lesiva dos interesses de países como o nosso. E a resposta é clara: as regras da união europeia servem apenas os interesses dos grandes capitalistas; são feitas por eles para eles.

8 – A nossa crise não é fruto da crise internacional?

O que se passa é que os meios financeiros descobriram agora uma coisa óbvia: se agirem de forma concertada, podem fazer subir ao céu os juros das dívidas soberanas quando estas não estão suportadas na capacidade de emissão de moeda, como acontece na Europa.
     Reparem: se tentarem isto num país fora da Europa, esse país reage emitindo moeda. É o que acontece nos EUA; mas que pode fazer um país europeu?
     Portanto, esta crise está a ser alimentada pelo BCE, ao não comprar dívida soberana directamente, alimentando os juros especulativos. O BCE, ou seja, a Alemanha e França, estão por detrás deste problema. Não ouviram já o Obama dizer isso repetidamente? Porque duvidam?
     Os países são tanto mais vulneráveis a este processo quanto mais dependerem do financiamento estrangeiro. A dimensão da nossa crise não resulta da dimensão da dívida soberana, inferior à de muitos países, mas de uma balança de pagamentos deficitária; os euros que cá foram postos esvaziaram-se através da balança de pagamentos, e foram substituídos por crédito. Acabou-se o dinheiro, só há crédito. O que devemos aos bancos nacionais devem estes ao estrangeiro.

9 – A causa profunda dos nossos problemas

Há algo que está na origem profunda de sermos um país que não evolui há séculos (apenas importamos parte da evolução dos outros). E é simples: um país evolui quando o interesse colectivo se sobrepõe ao interesse individual; quando isso não sucede, o país regride. A democracia é o sistema natural dos povos que dão prioridade ao interesse colectivo; a ditadura, ou alguma forma de governo absoluto, é o sistema em que caem os povos que privilegiam o interesse privado. Passar da ditadura para a democracia não resolve nada se não se alterar a ordem das prioridades das pessoas.
    Enquanto não formos capazes de conseguir que os interesses colectivos tenham a prioridade, iremos de mal a pior; tão mal ficaremos que acabaremos por aprender que temos de dar prioridade ao interesse colectivo. O problema é que nessa altura pode já ser tarde demais. Sempre que os povos levaram tempo demais a conseguir isso perante uma ameaça, foram esmagados.Ou seja, temos de acabar com os 5% da população que se está nas tintas para o interesse colectivo antes que eles acabem connosco.

10 – Então não há solução: o nosso futuro e dos nossos filhos e netos é sermos escravos ou emigrarmos?

Há solução. Há sempre uma solução. Mas temos de a encontrar. Temos de começar por perceber que estamos em guerra. A guerra começou por se fazer à pedrada, depois com espadas, depois a tiro, depois à bomba e agora faz-se com o dinheiro. Mas é guerra na mesma. Temos de meter isso na cabeça e abrir os olhos!

Quando estivermos dispostos a dar prioridade ao interesse colectivo sobre o individual, então poderemos começar a tratar da solução. E a solução passa por fazermos como os nórdicos: inventarmos o sistema que serve os nossos interesses em vez de sermos bons alunos de um sistema que serve interesses que não são os nossos. Vejam como os Dinamarqueses foram bem sucedidos em condições bem mais difíceis do que as nossas. Nós temos recursos infinitamente superiores aos deles, não só no nosso território como pelo facto de podermos fazer uma união abrangendo a Ibéria e os países que falam português e espanhol. E não estou a dizer nada de novo: os economistas americanos há muito que vêm dizendo que essa é a nossa saída. É por isso que as privatizações das empresas públicas portugueses vão ser feitas sem concurso – para impedir que Angolanos e Brasileiros atrapalhem a nossa mexicanização.

Pessoalmente, advogaria a introdução de moeda nacional, válida apenas no mercado interno. Riem-se? Pois fiquem a saber que a China tem duas moedas, uma internacional e outra exclusivamente interna, e que em várias regiões da Alemanha se tem testado a emissão de moeda só para compras locais. Se essa solução é boa para a China, e até para a Alemanha, não será também boa para nós? Por exemplo, em vez de cortar o 13ª e 14º mês, o Estado pagaria 15% dos ordenados em moeda nacional, que seria aceite pelos comerciantes que aderissem; estes usá-la-iam no comercio interno ou para pagamentos ao Estado e, eventualmente, para o pagamento de ordenados numa percentagem limitada.

Mas há outras medidas ainda mais imediatas. Por exemplo, os carros acima do utilitário deviam ser muito mais taxados do que são, à semelhança do que fazem os países sem indústria automóvel própria; os produtos alimentares importados de países que não importam os nossos deviam ser sujeitos a rigorosas e dispendiosas verificações; assim se aumentariam as receitas do estado sem criar recessão, pelo contrário. Isto sem falar nas tais gorduras que continuamos à espera de ver serem cortadas... é que ainda não vi nada que afectasse os milhares de boys para quem essas gorduras foram criadas.


Entretanto, como no dia 12 há uma manifestação de militares, talvez seja uma boa ideia juntarmo-nos todos à manifestação. Mas temos de fazer algo original, inesperado. Porque greves e manifestações já estão previstas, não vão adiantar de nada. Nem a comunicação social lhe vai dar atenção, já não são notícia (qualquer assalto a ourivesaria tem mais tempo de antena).

Fica aqui o desafio: que podemos fazer no dia 12 que traga as manifestações de volta às notícias? Que deixe o «eixo franco-alemão» de cara à banda? Uma marcha silenciosa, como o Ghandi fez na Índia? Todos vestidos de igual? Como? Dêem sugestões. É preciso uma poderosa manifestação de unidade. Mostrar que todos somos um.

Por último, um conselho da avózinha: quem nos quer mal, diz que nos quer bem, pois essa é a forma de poder fazer mal. Quem nos quer bem, critica-nos mas age por nós. Olhem os actos, não as palavras. Porque será que as medidas do Obama são diametralmente opostas às que se tomam aqui?

8 comentários:

UFO disse...

Temos entao de redigir uma Declaração de Guerra formal e torná-la pública nessa manifestação.

alf disse...

UFO

Na verdade, na verdade, a verddeira guerra é contra nós próprios. Não sabemos jogar o jogo, não conhecemos as regras, e estamo-nos nas tintas para elas - só nos interessa fazer aquilo que convém ao nosso interesse imediato.

Precisamos pois de uma manifestação que inverta isto, com a reinvidação de questões colectivas e não de privilégios individuais.

Imaginas uma manifestação com cartazes a dizerem coisas como:

- Taxa dos Offshores sobre todas as empresas que não declarem cá os lucros JÁ

- sobretaxa sobre os carros de gama média e alta JÁ

- Genéricos JÁ

- 560

- Ordenado mínimo para 600 euros JÁ

- Máximo para ordenados e pensões pagas pelo Estado e de gestores públicos: o do PR

etc

Com muitas bandeiras portuguesas, é claro, como se a selecção tivesse ganho o campeonato do mundo...

Venham sugestões... eu vou deixando algumas na esperança que alguém lhes encontre utilidade...

alf disse...

Não há Moral

Isto é um desespero; os trabalhadores da AR parecem que conservam os subsídios, os bancários as regalias das pensões.

Se os bancários não querem aceitar as regras dos pensionistas, então que fiquem com o seu fundo de pensões.

Dá muito jeito ao Estado o dinheirinho agora do fundo de pensões? Claro que dá; mas isso não pode sobrepor-se às regras do próprio Estado.

Isso é corrupção. A mim também me dá muito jeito fugir aos impostos; ou aceitar uma comissãozinha para autorizar o que não devia autorizar. É que se o Estado viola as suas próprias regras, então todos o podemos fazer. É o mesmo. Não há diferença nenhuma.

Estas coisas são impossíveis de acontecer nos países do Norte. É por isso que eles são «civilizados» e nós somos «corruptos».

Ou há moralidade ou comem todos.

Quem disse que sim às pretensões dos bancários, quem aprovou do orçamento da AR, deviam ser imediatamente demitidos. Por comportamento imoral e lesivo da dignidade do País.

Talvez uns cartazes a pedirem a demissão destas pessoas por comportamento imoral...

antonio ganhão disse...

Vamos para a guerra, estamos esclarecidos, agora só nos falta a coragem.

Unknown disse...

Austeridade. A tal que é para todos...
Tanta demagogia.
Como dizes, e bem, ALF, é ver-lhes os actos.
Excelente artigo. Pensei que já tinha comentado, mas parece que não.
Captas aqui pontos essenciais. Muito bem visto.

alf disse...

antonio

como tudo o resto, é uma questão de risco/benefício... a quem o dinheiro já não chega para a prestação da casa fazer mudar as coisas é a única solução.

alf disse...

antónio

Não é uma questão de coragem mas de inteligência.

alf disse...

Arame Farpado

Obrigado.

Estive a ler comentários e entrevistas publicados nos últimos dias e fiquei surpreendido - todos dizem mais ou menos o mesmo que nós. DE repente, parece que os olhos se começaram a abrir. Fiquei muito satisfeito.