sexta-feira, outubro 14, 2011

Dr. Jordan e o caso da Europa (VI)


(a terceira civilização)

"Ahh, vamos então à parte que nos interessa.” – o careca começa a ficar impaciente, estou a exceder o tempo combinado, tenho de me despachar.

Ultrapassado o Mediterrâneo e subindo em latitude, os recursos são progressivamente mais escassos e a agricultura mais limitada. As pessoas vão sendo empurradas para latitudes mais altas à medida que as civilizações mais a Sul vão atingindo os limites da sustentabilidade populacional, apesar das medidas de controlo de população que criaram; como o clima tem ciclos centenários, elas atrevem-se mais a subir na parte quente do ciclo e depois ficam presas nessas latitudes na parte fria. Como assegurar a sobrevivência nas latitudes altas?

Com muitas privações e muito trabalho, com certeza...” comentou o ruivo.

Não foi isso que aconteceu, não havia conhecimentos que pudessem ultrapassar as dificuldades por mais trabalho que se aplicasse. A solução foi muitas vezes atacar ou pilhar os países do Sul; depois, quando a navegação possibilitou o acesso por mar às latitudes mais baixas, alguns procuraram criar possessões no hemisfério sul onde pudessem obter os recursos que lhes faltavam, como os holandeses e os ingleses; a pirataria foi outra forma de obter recursos, pilhando os navios das potências do Sul; mas a pouco e pouco duas formas pacíficas dos países do Norte obterem os recursos que faltavam nas suas latitudes foram encontradas: uma foi a prestação de serviços, quer como intermediários no comércio de produtos entre regiões, quer como prestadores de serviços financeiros; a outra foi vendendo aos países do Sul produtos por si manufacturados. Duma e doutra forma obtinham dinheiro que depois servia para comprar nos países do Sul os recursos, sobretudo alimentares, que lhes faltavam.

E assim nasceu a terceira civilização, que é a primeira civilização que não se sustenta com os recursos da mãe natureza...” comentou o Wolfram, os olhos fixos na distância.

Isso mesmo. Uma civilização cuja sobrevivência passa a depender essencialmente da sua capacidade de produzir bens e serviços. Esta necessidade impele os países do Norte para a industrialização, algo cuja necessidade era muito menos premente no Sul. Esta terceira civilização tornou-se tecnologicamente muito mais avançada do que as civilizações do Sul, mas não só tecnologicamente: mais uma vez, a atitude em relação à sociedade teve de evoluir, o sentido colectivo teve de ser mais pronunciado – no sul, uma família pode garantir a sua sobrevivência a partir de um pedaço de terra, no norte a sobrevivência depende muito mais do colectivo; em consequência, o conceito de família perde outra vez força, nenhuma família pode ser auto-suficiente, há uma interdependência das pessoas muito mais acentuada.”

Sim, faz sentido, isso explica porque uma família nórdica é tão diferente de uma família italiana” – comenta o Wolfram de olhos agora brilhantes. O careca tamborila os dedos, continua impaciente.

Bom, mas a história não termina com o nascimento da 3ª civilização; os bens produzidos a norte ou os produtos alimentares do Sul não têm valor relativo fixo, cada parte procura valorizar os seus produtos e majorar as suas vantagens; e os países do Sul têm vantagem nesta negociação porque os produtos deles são indispensáveis ao Norte e o contrário não é verdade. Mas os países da 3º civilização têm um outro tipo de vantagem que é decisiva. E é com essa vantagem que estamos a dominar o Mundo e é através dela que vocês vão ter a mão-de-obra escrava que pretendem nos países do Sul da Europa.

Mas que vantagem é essa?” – o careca claramente desconfiado da minha sanidade mental.


(continua)

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