quarta-feira, setembro 29, 2010
O Futuro, mais uma vez...
Diz-se que a Economia tem por objectivo satisfazer necessidades humanas. Mas que necessidades?
Na verdade, a Economia nasce e funciona para satisfazer uma única necessidade humana: a necessidade de produzir.
Nunca tinham ouvido esta, pois não? Sempre pensaram que a Economia existia para satisfazer necessidades de «consumo» não é verdade? Pois é, estavam muito enganados.
A diferença entre uma coisa e outra e outra é a diferença entre o subtil e o simplório, para que já diversas vezes chamei a atenção; é a diferença entre pensar que o Universo roda à volta da Terra ou é a Terra que roda, a diferença entre pensar que o espaço expande ou nós diminuímos, etc.
Há muitos muitos anos passou pelas minhas mãos um livro americano sobre economia que me abriu os olhos para estas coisas. Dava um exemplo: para que serve uma orquestra?
Provavelmente responderão: para ouvirmos música. Resposta errada. As orquestras existem para satisfazer a necessidade das pessoas que querem tocar música.
Se gostamos de ouvir música é porque houve alguém que gostou de produzir música; e nós ouvimos e gostamos
Claro que para uma orquestra poder existir, fazer sentido, não basta que tenha músicos – é preciso que tenha também ouvintes. Então é preciso desenvolver uma actividade de levar as pessoas a quererem ouvir a orquestra.
A cadeia de acontecimentos nasce na necessidade de algumas pessoas produzirem música e depois pela criação de consumidores do produto. Para isso serve o marketing.
É portanto ao contrário do que pensavam – não se produz para satisfazer uma necessidade, consome-se para satisfazer uma produção.
O Leonardo da Vinci ou o Edison não fizeram o que fizeram para satisfazerem outra necessidade que não a deles próprios de inventarem, criarem. Um pintor não pinta para satisfazer a necessidade de as pessoas terem quadros em casa ou dos especuladores ganharem dinheiro; um escritor não escreve etc..
Claro que a sobrevivência nos exige que façamos algumas coisas que não correspondem a uma necessidade de «produção» nossa; essa actividade chama-se «trabalho» e é uma coisa que procuramos abolir da sociedade humana na mesma medida em que procuramos abolir a luta pela sobrevivência; e nas sociedades mais avançadas já quase não existe uma coisa nem outra – as pessoas produzem para satisfação da sua necessidade de produzir.
A alta eficiência de produção actual cria um problema: se fizermos a vontade a toda a gente, produzimos demais, não conseguimos encaixar tanta produção num ciclo de consumo e de sustentabilidade de recursos. É por isso que o está a faltar é oportunidade de produzir, agora designado por «emprego».
A nossa sociedade portuguesa, devido ao seu atraso e à sua cultura, é uma sociedade baseada nas ideias do trabalho e do consumo; é uma sociedade de pessoas que foram culturalmente moldadas para serem «consumidores», com activa rejeição da ideia de «produzir», associada ao pecaminoso desejo de enriquecer. É que a cultura deste país dá um suporte à Inveja, assim mascarada de virtude de rejeição de querer ser rico.
E como tudo isto se reflecte na Economia, são os nossos economistas os expoentes máximos deste atraso e equívoco.
Reparem: não conheço nenhum país desenvolvido ou em desenvolvimento onde a economia não assente no favorecimento dos agentes de produção locais em relação aos de fora. A acção dos agentes estrangeiros é permitida e gerida na exacta medida das conveniências da produção local. Uma orquestra é para os músicos locais, os outros têm o papel de estimular os locais, não de os substituir, frisava esse livro se a memória não me falha.
Como toda a gente sabe, em Espanha só empresas espanholas ganham concursos públicos; em Espanha e em todo o lado civilizado. Não é segredo nenhum, os espanhóis até estão sempre prontos a explicar como o fazem, orgulham-se disso. E também já ouvi ingleses e franceses gabarem-se do mesmo. Os alemães não os ouvi gabarem-se, mas vi-os completamente espantados por cá em Portugal não ser assim – para eles, só há uma explicação: corrupção. Eles não conseguem entender o equívoco cultural em que vivemos, é demasiado estúpido, incompreensível para a raiz luterana do seu pensamento.
As empresas instalam-se ou no país para onde desejam vender o seu produto ou num país onde as condições sejam as melhores, nomeadamente onde as condições fiscais sejam melhores e a mão-de-obra seja a mais barata. Uma empresa instala-se em Portugal se for para vender para Portugal ou para beneficiar de custos mínimos.
Como estar em Portugal só tem vantagem se for para a prestação de serviços de proximidade, tudo o que for produção só existirá aqui quando a nossa mão-de-obra for a mais barata do mundo para o mesmo nível de qualificação.
Lógico, não é? Como é que queriam que fosse? Não é óbvio?
É por isso que os ordenados têm de diminuir – parece que há umas zonas no mundo onde ainda se ganha menos do que aqui para a mesma qualificação e é preciso nivelar por essas zonas.
Quando se fala em reduzir os ordenados da função pública, isso significa reduzir todos os ordenados, pois evidentemente que há um efeito de cadeia associado. Por agora o o ordenado mínimo deixa de subir, a seguir irá descer. Obviamente.
A nossa crise não tem nada a ver com a dos gregos, por exemplo; os gregos sempre defenderam a sua produção, é por isso que o ordenado mínimo deles é quase o dobro do nosso.
A nossa crise é o resultado directo da nossa mentalidade de rejeição da produção e da incompetência das pessoas deste país que peroram sobre economia.
Dois exemplos recentes: a perseguição ao Magalhães, essa coisa indecente de se ter arranjado um «negócio» para uma empresa nacional em vez de se terem comprado os computadores à Toshiba ou outra conceituada firma estrangeira; e o «escândalo» do cancelamento da adjudicação de um troço do TGV para, Imagine-se, grita indignado o José Gomes Ferreira na Sic, dar a adjudicação a uma empresa portuguesa em vez de ser a uma espanhola!!!!
Cada país, como cada espécie animal, tem de desenvolver a estratégia que mais lhe convém, se quiser sobreviver; todos os países têm a sua, excepto Portugal. Se os mais fortes e os mais fracos tiverem a mesma estratégia, os mais fracos desaparecem. A união europeia não é uma união de recursos sociais, as receitas da Alemanha não pagam o nosso desemprego; é por isso que cada país tem de ter a sua estratégia de sobrevivência, isso é inerente ao projecto europeu. O sermos uma «economia aberta» é uma incompetência, uma burrice, o não perceber nada do que é o projecto europeu.
Com estes economistas e comentadores de economia o nosso caminho está mais do que definido: é em direcção à cauda do mundo. Nenhuma medida dessas que se discutem vai alterar isto num milímetro.
Por agora, este povo de consumidores acha óptimo viver num país onde se pode comprar tudo de toda a parte do mundo, em vez de estarem sujeitos às limitações que os outros povos têm para protecção das actividades internas; a consequência é terem cada vez menos dinheiro para comprar e a prazo não vão poder comprar nem produto estrangeiro nem nacional.
A geração de riqueza faz-se pela circulação do dinheiro, o estudo da economia é o estudo dos fluxos monetários; num país que não controla as importações, o dinheiro não circula, esvai-se. Somos como uma pessoa ferida a perder sangue: ou estancamos a perda de sangue ou morremos. Estar a tentar gerir o sangue que ainda não saíu não serve de nada, pode disfarçar momentaneamente os sintomas mas não altera em um milísegundo o destino fatal.
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10 comentários:
A estratégia passa por reflectir as más opções, não nos mais pobres, mas nos mais ricos. Enquanto os donos do BPN se safam com a injecção maciça de capital do estado, os pequenos depositantes lixam-se.
António, isso é irrelevante.
os «pobres», ao preferirem o produto estrangeiro ao nacional, lixam a economia, porque o dinheiro dos ordenados vem das vendas do produto nacional.
É por isso que não há dinheiro nem vai haver enquanto não houver produto nacional; e não vai haver produto nacional enquanto as pessoas nao o comprarem.
A «culpa» não é dos pobres - nos outros países o produto estrangeiro só é deixado acessível de forma condicionada. Mas, com as elites que temos, a solução tem de vir dos «pobres».
Por isso, os «pobres», se quiserem deixar de o ser, têm de cortar nas compras de produtos importados - o dinheiro que gastam aí não lhes retorna na forma de ordenado, enquanto o que gastam em produto nacional retorna. Isso é óbvio mas andamos todos a fingir que não percebemos.
dê mais uns dois anitos e vai ser o seu ordenado a diminuir em valor absoluto, quanto mais relativo... na altura vai poder culpar o FMI... há sempre alguém para culpar, nós é que não!!
Acompanho de cima a baixo com um único ressalto: o "sangue" da economia não é o dinheiro, mas a energia.
:)
As férias em Marmelak foram boas ?
Abraço .
ainda ontem um fornecedor de produto nacional da loja da minha esposa (roupas de criança) deixou de operar por falta de condições (não vende o bastante).
Em contrapartida os armazéns de chineses têm aumentado fortemente (são os únicos que prosperam) e todos os euros são canalizados para a china.
Eles não compram nada cá em Portugal, nada. A mão de obra que usam são pagas a chineses importados e por preços da China.
É o que pode dizer trabalho escravo (um familiar que opera junto dessa comunidade é que me informou). Estão isentos de impostos durante 5 anos, e depois passam o negócio a outro familiar, etc...
Os grandes centro comerciais são também uma mangueira de sugar dinheiro directamente ligada ao exterior.
Vejam que na Dinamarca e na Holanda quer grandes superfícies quer chineses são fenómenos raros.
Nota vai abrir em breve em Coina o maior centro comercial do mundo.
Que grande orgulho, no guiness ;(
Fosse mais novo e fugia.
Manuel Rocha
Como ando sem tempo até Novembro, fui buscar este texto ao «baú» para não deixar o blogue parado tanto tempo; até vem muito a propósito, atendendo às últimas notícias, mas reparo que já dito isto, ou parecido, de maneira talvez melhor neste post:
http://outramargem-alf.blogspot.com/2008/04/o-consumo-como-partilha.html
há dois anos e meio portanto...
Quanto ao que refere do sangue ser a energia e não o dinheiro, não será que o dinheiro não é só uma forma de medir a energia, como digo aqui:
http://outramargem-alf.blogspot.com/2008/10/energia-moeda-forte.html
não é de estranhar alguma coincidência de pontos de vistos; como digo nesse post, foi em grande parte consigo que eu aprendi...
Um abraço
UFO
Sabes como se vigariza as pessoas? acena-se-lhes com uma vantagem imediata, a cupidez torna as pessoas cegas e só percebem depois de roubadas.
Isto é o mesmo: não é porreiro podermos comprar as roupas baratinhas dos chineses? Só «acordamos» qd o patrão nos despede porque deixou de vender... depois até a roupa chinesa fica cara demais...
Nota que eu não sou fundamentalista: produtos que não podemos produzir devem ser importados, embora com algumas restrições (dar incentivos ao abate dos carros para aumentar a importação? É de malucos!!!!!)
Agora importamos tudo quanto é excedente agrícola de França e Espanha e arruinarmos a nossa produção é que não!!
Mas entras num Pingo Doce, por exemplo, e vês que a generalidade da fruta vem do estrangeiro; se é isso que lá está é porque as pessoas compram!!! mangas, tudo bem, cá não se produzem, mas peras e maçãs??
para equilibrar o déficit bastava que tivessemos uma agricultura a funcionar; mas até os Suecos têm mais actividade agricola que nós.
e temos aí uns teóricos a berrar que as cidades estão construídas nos melhores solos agrícolas! Solo agricola abandonado é o que não falta.
para mim, nada mede mais a nossa incompetência como país que o estado da agricultura - que é a consequência directa e incontornável da nossa política económica; logo seguida das pescas.
Não conheço nenhum país onde a agricultura seja tão miserável como em Portugal. Por culpa exclusiva da teoria económica em vigor aqui.
Tenho tanto a dizer sobre este post (e nada abonatório)... Talvez amanhã...
Gostei caro alf.
Infelizmente a comunicação social mais uns ecónomistas que por lá palram, repetem até à nausea, que não é bem assim. e lá nos vamos enterrando.
Diogo
Da discussão nasce a luz... venha de lá o que tem a dizer... andamos todos a precisar de saber para onde vamos, a saber de que lado está o abismo... de certa forma, andamos todos a sofrer de «cegueira branca»...
Carlos
Obrigado pelo seu comentário. Assusta-me observar a uniformidade de pensamento; as coisas parecem ir de mal a pior e ninguém questiona o caminho, pelo contrário, insistem sempre no mesmo? quanto mais no fundo mais cavamos?
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