terça-feira, março 30, 2010

A Linguagem da Natureza não é a da Selecção

imagem eol.org


O Choco Gigante da Austrália, curioso bicharoco de 3 corações e sangue verde, é o maior choco do mundo, atingindo 50 cm de comprimento só de manto. Mas não é por isso que vamos falar dele, mas porque o local onde se reproduz nos deixou perceber um pouco mais sobre a Evolução.

Estes chocos reunem-se para reprodução numa enseada pouco profunda e isso permitiu aos biólogos não só estudar os comportamentos de acasalamento mas, e é aqui que reside o interesse, analisar o DNA dos descendentes.

Existe um excelente documentário da National Geographic sobre esta questão, que já passou na RTP2: NATIONAL GEOGRAPHIC: GREEN BLOODED GIANTS

Quanto aos comportamentos de acasalamento, já se sabia que os machos maiores usam a estratégia que lhes convém: impedem os outros machos de chegarem perto da fêmea escolhida. Também se sabia que os machos pequenos usam uma estratégia diferente: assumem o aspecto de uma fêmea e assim conseguem que os machos maiores os deixem passar. O que não se sabia, e que só se soube pela análise genética, é que a taxa de sucesso de machos grandes e pequenos é semelhante.

Isto é uma surpresa! Pensava-se que as fêmeas seleccionavam os machos e, portanto, esses «truques» dos machos mais pequenos dificilmente poderiam ter sucesso.

Tudo o que se tem dito sobre machos alfa, a selecção dos mais fortes, os comportamentos visando o apuramento da espécie, etc, tudo isso fica em xeque. A ideia de que as fêmeas seleccionam o macho é simplista: as fêmeas têm de «mudar de estado» para poderem copular e para isso precisam de um «deflagrador» externo; esse deflagrador deve ser específico, identificador de um agente copulador, ou seja, de um macho. O esquema de deflagração consiste num conjunto de comportamentos que supostamente identificam o macho que pretende copular, a chamada «dança nupcial». Uma vez deflagrada, a fêmea não escolhe macho; e, uma vez deflagrada, liberta odores que atraem os machos dos arredores. Como só pode copular um de cada vez, e é preciso aproveitar enquanto a fêmea está receptiva, acontece estabelecer-se uma luta entre machos. Mas essa luta não é necessária para o processo evolutivo – é apenas uma consequência colateral de outras coisas. É como as lutas pelos restos de uma carcaça - se isso impedisse os mais fracos de se alimentar, as fêmeas de muitas espécies se extinguiriam, dado que os machos se saciam primeiro.

Por outro lado, a luta entre machos, porque frequentemente associada ao processo de cópula, pode funcionar como deflagrador da fêmea, e funciona como tal em várias espécies – como nos reflexos condicionados de Pavlov.

 Na verdade, a luta entre os mais fortes por uma fêmea abre uma oportunidade a machos que nem se dão ao trabalho de fazer danças nupciais – simplesmente aproveitam as fêmeas tornadas receptivas, que aceitam então qualquer macho, enquanto os «fortes» estão ocupados a lutar entre si. Isto tem sido observado em várias espécies, mas o que não se imaginava é que os mais fracos pudessem conseguir taxas de sucesso semelhantes às dos mais fortes. As lutas entre os fortes são pois a oportunidade dos fracos. Sem elas, os fracos terão muito menos possibilidades de sucesso. Como mecanismo de selecção, seria um paradoxo.

O que se conclui daqui é que cada indivíduo assume a estratégia que mais lhe convém, e há sempre uma que permite o sucesso. Não há situações de vantagem absoluta, não há uma «lei do mais forte» natural. Os mais fortes procuram impor essa lei porque é a lei que lhes dá vantagem, apenas isso. Mas só dá vantagem a eles, logo os outros seguem outras estratégias e outras leis. E assim a Selecção sexual não tem expressão.

Note-se que os relacionamentos sexuais são tanto mais complexos quanto mais evoluída a espécie; a necessidade de proteger os descendentes levou ao desenvolvimento da afectividade e esta interfere nos comportamentos sexuais. Isso tem tradução nos mecanismos de atracção sexual e não só nos humanos. Por falar nisso, já vos disse porque é que os salmões têm aquela paranóia de desovarem onde nasceram? Não?! Então havemos de falar disso, que também ajuda a perceber donde viemos e para onde vamos.

Por outro lado, se olharmos para a natureza de olhos bem abertos, encontramos as espécies mais impensáveis, que a existência de qualquer mecanismo de Selecção entre espécies teria há muito extinguido. Por exemplo, como pode existir um animal tão vulnerável como o Preguiça?

A linguagem da Natureza não é a da Selecção.

Não encontro pois mecanismos de Selecção nem dentro de cada espécie, nem entre espécies. Muito mais facilmente encontramos mecanismos de Colaboração, esses sim, facilmente comprováveis, ao contrário da Selecção Natural que é apenas uma hipótese sem comprovação directa. A dificuldade em contestá-la reside no facto de ela não exigir nenhum mecanismo específico que se possa verificar; é uma espécie de Criacionismo Pagão. É um processo de «Inteligência», sedutoramente simples, mas  a evolução dos seres vivos exige processos mais sofisticados. 

Cada ser vivo, como cada espécie, adopta a estratégia que mais lhe convém, originando uma diversidade de estratégias, de “nichos ecológicos”, de comportamentos, de espécies. Os seres vivos são exploradores do meio e Natureza recolhe toda a informação e com ela define os caminhos a seguir. Não selecciona seres: diversifica, explora, recolhe a informação, analisa, e produz evolução. A Vida não está em luta com ela própria, está em luta contra a não-vida. Mas como pode a acéfala Natureza fazer isso?

Uma capacidade indispensável é a capacidade de difusão do conhecimento que cada ser vivo, cada explorador, recolhe. No próximo post veremos as incríveis capacidades de comunicação dos seres vivos.

E, recordo, não é (só) por amor à Biologia que vos estou a falar destas coisas: é porque a partir daqui vamos entender melhor como as sociedades humanas se devem organizar e funcionar, que ideias devem pautar a Humanidade. Por exemplo, tal como na biologia, as sociedades humanas evoluem pelas oportunidades que permitem, pela diversificação, pela cooperação; e cada país, como cada espécie, tem de adoptar a estratégia que mais lhe convém e certamente que a estratégia que convém aos mais fracos não é a que convém aos mais fortes.  

9 comentários:

manuel gouveia disse...

Sempre defendi que a mulher, ao introduzir o afecto na manada humana, tinha morto a cadeia de selecção natural, permitindo aos machos mais fracos procriar... até o mais desconjurado dos homens consegue constituir família!

Agora descubro que o pecado original se estende a todas as fêmeas!... vítimas de um deflagrador externo que as torna receptivas ao agente copulador...

alf disse...

manuel gouveia

Bem, ainda descobriu outra coisa - que a «selecção natural» não existe nos metazoários, não é por aí que a Evolução actua.

Note, porém, que não estou a falar da espécie humana nem de nenhuma onde os descendentes carecem de um longo período de protecção paternal.

Nestes casos, a Evolução acrescentou a afectividade e outros mecanismos de escolha sexual - já que a procriação se torna muito reduzida nestas espécies, há que procurar os emparelhamentos mais úteis, ou seja, os que geram maior diversidade. E os comportamentos têm diferenças profundas, pois nestes casos é vantajosa a constituição de «família» ou «grupo familiar» para cuidar dos descendentes.

Mas as raizes estão cá sempre e perceber estas coisas ajuda-nos a perceber o comportamento uns dos outros; por exemplo, as fêmeas continuam a apreciar a «dança nupcial», ou «corte» como os humanos dizem, indispensável para as «deflagrar», coisa que muitos casais esquecem.

Por outro lado, nas espécies superiores a fêmea passa a poder escolher o macho e mecanismos de sedução são introduzidos no comportamento dela. Por exemplo, a leoa faz um longo processo de sedução ao leão, fá-lo andar dias atrás dela, em sucessivas provocações e rejeições, o que o leva a um estado de excitação tal que depois são precisos muitos orgasmos para ele «sossegar».

Aqui está outra coisa que muitos casais esquecem - a fêmea tem de saber seduzir o macho, os machos das espécies superiores precisam disso para serem «deflagrados».

A ignorância e as ideias erradas sobre a nossa sexualidade devem ser a principal causa dos problemas dos casais humanos.

manuel gouveia disse...

Gosto da parte em que elas têm que fazer um esforço... sim que o homem agora é mais comando da televisão na mão.

UFO disse...

um grupo de babuínos sofreu uma mortandade que foi muito selectiva: os machos alfa (e candidatos) morreram e apenas restaram os machos de segunda linha e fêmeas.
Talvez que eles tenham ficado com menos defesas devido ao stress das lutas e da competição.
O grupo sobrevivente passou a dedicar muito tempo a socializar em mútuo catanço.
Algum macho errante que seja integrado no grupo fica adaptado às regras ao fim de 6 meses.

Haja esperança para a Humanidade.

Unknown disse...

manuel gouveia

pois hehe.. mas não dá... têm os dois que fazer algum esforço...

Unknown disse...

UFO

os seres vivos nascem com agressividades diferentes - a natureza produz sempre diversidade.

cada um usa as suas particularidades na escolha das estratégias que lhe dão vantagem.

Portanto, há sempre mais fortes e mais fracos; se o sistema for tal que o uso da violência compense, os mais violentos farão uso dela.

Se o sistema for tal que o uso da violência não traga vantagem, os mais violentos não o serão.

é por isso que nas escolas há bulying a não ser que haja algo que penalise quem o praticar.

Isto não resulta de haver pessoas excessivamente violentas; resulta apenas da uns serem mais do que outros.

é como a honestidade; nasce sempre uma percentagem de pessoas que são completamente vigaristas se isso lhes for vantajoso. A única coisa que os contém é o sistema ser tal que a vigarice não compense; se compensar, eles vigarizam.

É por isso que Cravinho defende o que defende e defende muito bem. E não só - os vigaristas estão em todo o lado e em todas as profissões e todas elas têm de ter mecanismos para os controlar.

Nota, por último, que nós é que damos estas classificações, a natureza não sabe nada disto, gera apenas os indivíduos com uma diversidade de caracteristicas que podem ser úteis nesta ou naquela situação.

Por exemplo, numa situação de catástrofe, um indivíduo violento pode tornar-se um herói; um vigarista pode ser a salvação de um grupo pressionado por outro mais forte.

Portanto, estas pessoas não são boas nem más, depende das circunstâncias: o Sistema é que tem de estar preparado para condicionar os comportamentos que lhe são inconvenientes em situações normais.

Joaninha disse...

Manuel, Manuel!

Põem-te de comando na mão e depois queixa-te que não chove;-).

"Mas as raizes estão cá sempre e perceber estas coisas ajuda-nos a perceber o comportamento uns dos outros; por exemplo, as fêmeas continuam a apreciar a «dança nupcial», ou «corte» como os humanos dizem, indispensável para as «deflagrar», coisa que muitos casais esquecem."

Não re esqueças disto ;-)

Muito bom o artigo Alf...Obrigada, beijos

Joaninha disse...

Alf, acho que há no meu post um mal entendido, que espero com a minha resposta fique mais claro :)

beijos

Diogo disse...

O Neodarwinismo -» Mutação ao Acaso + Selecção Natural, levaria à degenerescência de todas as espécies.

A probabilidade de uma Mutação ao Acaso ser benéfica é infinitamente menor do que ser nefasta. Donde, desde que a mutação nefasta não fosse tão má ao ponto de inviabilizar o indivíduo, as mutações nefastas iriam reproduzir-se e aumentar de gerações para gerações. As mutações benéficas seriam completamente subjugadas pelas nefastas.