terça-feira, janeiro 22, 2008

O Labirinto da Vida


“Há uns 3500 milhões de anos, ou mais, a primeira organização que identificamos inequivocamente como Vida fez então a sua aparição. Células singulares simples. E durante uns extensos 2000 milhões de anos parece que a Vida existiu sempre nesta forma unicelular. Diversa, mas unicelular. Até que, quase subitamente, surgiu uma nova estrutura: uma célula maior, contendo células dentro!”

Uma célula de células? Como é isso?

“É isso mesmo Luísa, uma célula com células dentro, ou seja, dentro da membrana exterior existem outras estruturas dentro de membranas, a que chamamos organelos. Um organelo bem conhecido é o núcleo, onde estão os cromossomas.”

Ahhh, pois, as bactérias não têm núcleo...”

“Exactamente Luísa. Estas novas células, a que chamamos eucariotas, representam pois um nível de organização acima das anteriores, a que chamamos procariotas. Há aqui um salto evolutivo, algo que mudou profundamente. Isto aconteceu, portanto, há cerca de 1500 milhões de anos, talvez um pouco mais.”

E depois?”

“Depois, novo período em que aparentemente nada de qualitativo acontece durante uns 800 milhões de anos até que surge um novo nível de organização da Vida: os metazoários!”

Os metazoários são os seres vivos que resultam de uma organização de células diferenciadas, não é?”

“Certo Ana. E os metazoários são constituídos exclusivamente por células eucariotas. Os Metazoários explodiram então, isto há uns 700 milhões de anos, numa miríade de formas, e estas formas iniciaram um intenso processo evolutivo: há 600 milhões de anos existem vermes, há 550 peixes, há 400 plantas terrestres e insectos, há 350 anfíbios, há 300 répteis, há 200 mamíferos terrestres, há 175 os dinossáurios.”

Os mamíferos apareceram antes dos dinossáurios?”

“Parece que sim Luísa; sabes, a evolução parece-se muito com aquele jogo que é uma espécie de labirinto na vertical, com muitas entradas em cima e uma só saída em baixo; deitas um disco por uma das entradas de cima e esse disco pode cair por ali abaixo e encontrar a saída ou, o que é mais provável, o disco acabará num beco.”

Como é isso?”, o Mário ri-se, disse alguma coisa que lhe despertou a curiosidade, esta imagem ele ainda não tinha ouvido por certo.

“No início dos metazoários, surgiu uma miríade de seres vivos, uma enorme diversidade de formas e estratégias de vida: são como as entradas desse labirinto vertical. Depois, essas formas foram evoluindo, um pouco como os discos caindo ao longo do labirinto. Algumas foram encontrando becos e daí não puderam passar mais, por que a evolução não tem marcha-atrás...”

Não tem marcha-atrás?? Eh eh , essa nunca tinha ouvido!

“Repara, uns seres vivos especializam-se como peixes; o seu corpo torna-se fusiforme, a sua estrutura muscular é a que convém à natação. Outros especializam-se como artrópodes, desenvolvem apêndices articulados que servem para vários fins. São duas linhas completamente distintas; e não tem marcha atrás porque um peixe que comece a desenvolver apêndices articulados provavelmente irá nadar pior e ser menos eficiente do que um peixe sem esses apêndices; e a um artrópode que comece a perder apêndices vai-lhe acontecer o mesmo. Tal como uma planta não pode evoluir para se tornar um animal. Este tipo de especialização conduz a becos evolutivos.”

Estou a ver... no fundo acontece o mesmo com as pessoas... uma pessoa especializa-se numa profissão e depois fica presa a isso, dificilmente poderá dedicar-se a outra coisa...

“Sim, não deixa de ser verdade.”

Interessante, essa tua imagem do jogo do labirinto... no fundo, é um pouco como uma Árvore da Vida de pernas para o ar... ou de raízes para o céu! o Mário ri-se, divertido com a ideia, e a Luísa acompanha-o.

“Não sei se lhe chamaria Árvore... não há um tronco, há muita diversidade desde tempos remotos, muitos cruzamentos genéticos... evolução e cruzamento de genes correm em paralelo... Mas de pernas para o ar certamente!”, é a minha altura de rir, “mas não se esqueçam de uma coisa misteriosa que eu referi: os longos períodos em que parece que a evolução esteve parada!”

Isso pode ser só uma ilusão... pode ter havido imensa evolução no interior das células e nós não temos forma de o saber...

“Certo Mário, mas também pode ter sido outra coisa!”

Outra coisa? Que outra coisa??
.

11 comentários:

Anónimo disse...

O que será a coisa misteriosa...

Não me parece que a evolução tenha estado parada, porque as coisas evoluem muito lentamente =)
Porque é que a evolução e o cruzamento de genes correm em paralelo?
O cruzamento de genes não teve influencia na evolução?
Ah, será porque as primeiras formas de vida reproduziam-se assexuadamente?

Ok, isto são mts preguntas =P

Anónimo disse...

Olá outra vez =)

Em relação à sua resposta no post anterior...
Eu até me considero uma rapariga aberta a novas teorias e a novas ideias e as dúvidas fazem parte do caminho para o conhecimento pelo que tenho percebido...

Eu tenho a sorte de ter uma professora que muitas vezes, quando lhe preguntamos falanos que investigações que se fazem ou de outras teorias ou de curiosidades que têm a ver com aquilo que estamos a estudar mas que nao têm a ver com o programa.
Por acaso a professora tem a preocupação de nos mostrar como e feito o trabalho cientifico e como e a ciencia e como trabalham os cientistas.
Sou uma rapariga de sorte!

alf disse...

raiz de carla

evoluem muito lentamente... hummm... se pensarmos bem, talvez seja o contrário... afinal, em quantas gerações evoluiu o olho? Se pensarmos na complexidade do dispositivo e do "software" necessário para interpretar a informação visual, talvez nos perguntemos como foi possivel chegarmos à visão em tão poucas gerações...

as células autónomas reproduzem-se muito mais rapidamente que os animais; quando comparamos o número de gerações e de indivíduos que medeou entre a célula procariota e a eucariota, com o numero de gerações /indivíduos entre os vermes e os humanos, a diferença é abissal.

Claro que devemos pensar que os animais dispoem de mecanismos de evolução mais sofisticados e poderosos que as células procariotas; mas mesmo assim estranham-se aqueles 2000 milhões de anos de aparente calma evolutiva.

As procariontes cruzam intensamente genes; desenvolveram várias linhas evolutivas mas com cruzamento de genes entre elas; mesmo depois, com as células eucariotas, bactérias e virus cruzaram genes. E sim, tudo isto pode fazer parte do processo evolutivo. Mas também tem como consequência a impossibilidade de traçar uma árvore genealógica das espécies vivas, porque cada uma tem influência de outras.

A "coisa misteriosa" não será muito misteriosa mas altera profundamente a nossa compreensão da Vida e o o papel dos Humanos. Vai ficar a saber o que a Natureza espera de nós...

Ainda bem que tem uma professora assim. Professores assim são raros; abrem-nos janelas para a vida.

O verdadeiro conhecimento só se alcança pela duvida; é a dúvida que nos permite descobrir e é só a descoberta que nos torna donos do conhecimento. Como a raiz de carla sabe, pois é uma incansável pesquisadora...

anonimodenome disse...

A raiz de carla coloca foca bem o facto de a reprodução sexuada fomentar uma evolução acelerada.
A simples divisão celular sujeita a mutações, tem um espaço imenso de procura de soluções e a probabilidade de acertar numa solução melhor é muito baixa.
Na reprodução sexuada o espaço de procura já é muito menor (são variantes de duas soluções boas) e contém a história (é o resultado) de todas as escolhas feitas no passado por todos os ascendentes.
Creio que a reprodução sexuada não consegue lidar com as alterações muito fortes do meio ambiente tão bem como a reprodução assexuada.

Anónimo disse...

Anonimodenome acho que é ao contratio a reprodução sexuada consegue lidar melhor com as alterações de meio devido à recombinação genética.
Na reproduçao assexuada são feitos clones, a informaçao genetica da descendencia é igual a informaçao genetica do progenitor.

antonio ganhão disse...

Voltarei com mais calma, mas pergunto: se não existe registos fidedignos da evolução das temperaturas no planeta, onde é que o autor encontrou estas certezas que remontam à 1.500 milhões anos?

alf disse...

raiz de carla e anonimo de nome

Reprodução sexuada? ehehe, essa é uma limitação dos metazoários, que apenas através da reprodução podem trocar genes.

As bactérias não têm essa limitação: trocam genes constantemente! Até podem receber os genes de bactérias já mortas! (foi assim que se descobriu o ADN)

Por isso, as bactérias são muito mais adaptaveis ao meio; os processos de geração de novas combinações genéticas não depende da reprodução, é uma actividade constante das bactérias - há quem diga que as bactérias estão constantemente a fazer sexo, sempre com troca de genes, entendendo-se "sexo" como uma operação da qual resulta uma nova configuração genética.

Claro que nos metazoários, onde todas as células têm o mesmo conteúdo genético, isto já não possível, fica restrito ao acto da reprodução.

Portanto, o sexo dos metazoários não é uma invenção da natureza, é a limitação que a condição de metazoário introduz ao sexo das células singulares.

alf disse...

António

os geólogos e arqueobiólogos e outros especialistas têm feito descobertas fantásticas sobre o passado terrestre. Em qualquer livro da especialidade ou na wikipedia encontra a descrição dos vestigios que levam esses especialistas a concluir que a Vida já existe pelo menos desde há 3500 milhões de anos e que células eucariotas já existem há pelo menos 1500 milhões de anos, bem como as outras coisas que exponho neste post.

Quanto às temperaturas, não são objecto deste post. Mas como vão ser do próximo, adianto já: há vastas evidências do passado quente da Terra, obtidas a partir da biologia e da fracção isotópica do elementos. Mas nada disso interessa muito ao Jorge, porque ele sabe calcular essas temperaturas com a mesma precisão com que um astrónomo pode prever eclipses - é tudo uma questão de conhecer as leis que regem os fenómenos. O Jorge tem aquele conhecimento especial do universo, lembra-se?

Joaninha disse...

Alf,

Por isso é que eu gosto tanto de bacterias. A velocidade a que as coisas acontecem no mundo delas é alucinante ;)

alf disse...

joaninha

Sem dúvida; não há momentos aborrecidos para uma bactéria! É uma excitação constante ;)

bruno cunha disse...

alfredo, para quando 1 livro com os textos deste blog?
era mais do que merecedor!
e seria um excelente meio de divulgação científica de uma forma simples e clara!
;)