“Aquela coisa do Vrummm e do Tchac Tchac?”, os gestos da Luísa são irresistíveis de comicidade; lá me recomponho da risada e continuo:
“Isso mesmo; e lembram-se de eu ter referido que essas capacidades das proteínas tinham uma exigência, uma estreita janela térmica, até foi aqui o Mário que disse logo que a fragilidade das proteínas seria a temperatura?”
“Sim”, concorda o Mário
“Ora bem, se as nossas proteínas só podem funcionar numa estreita janela térmica em redor dos 37 ºC, certamente que os répteis, ou os insectos, ou as bactérias, não podem ter proteínas como as nossas, não é?”. Um assentimento mudo encoraja-me a continuar:
“ Se olharmos agora para o gráfico da temperatura terrestre, é fácil concluir que o Homem não poderia ter surgido na Terra há 500 milhões de anos, por exemplo, quando a temperatura média andaria pelos 50º C, não é verdade?”. Fico mudo, o assentimento colectivo não me basta, espero que comentem.
“Isso no pressuposto de que não podem existir proteínas igualmente complexas mas preparadas para funcionar a uma temperatura mais alta...”
“Certo Mário, mas esse é um pressuposto razoável, a agitação térmica devida à temperatura é um grave problema para esse tipo de estrutura; mas poderemos discutir esse pressuposto mais tarde, se quiseres.”
“Portanto... a Natureza.... ou um Criador... mesmo que o conhecimento necessário à construção do Homem estivesse disponível, ele não poderia ter sido “criado” nessa altura, teve de esperar que a Terra estivesse suficientemente fria...”, a Ana abrindo muito os olhos numa interrogação muda.
“Exactamente; e agora repara: que nos impede de pensar que uma célula eucariota exige proteínas demasiado complexas para as temperaturas que existiam na primeira metade da existência da Terra?”
“E, nesse caso”, a Luísa num súbito entusiasmo,” também os metazoários apareceram há 700 milhões de anos porque apenas nessa altura a temperatura se tornou suficientemente baixa para as proteínas então necessárias serem possíveis!”
“Isso não faz sentido cá para mim; as temperaturas podiam ser altas no equador mas seriam mais baixas nas zonas polares; então as formas de vida mais avançadas poderiam ter aparecido nos pólos muito antes disso...”, os olhos grandes da Ana diziam-me que ela não queria acreditar que eu pudesse estar enganado.
“Há uma coisa que tu não sabes: nesses tempos, a temperatura da Terra era praticamente a mesma de dia ou de noite, verão ou inverno, equador ou pólos. Isto porque a atmosfera tinha muito mais vapor de água e uma maior cobertura de nuvens. Mesmo há uns 100 milhões de anos, as amplitudes térmicas eram ainda tão pequenas que a floresta do tipo tropical se estendia do equador até próximo dos pólos. A partir da análise de ossos profundos e ossos superficiais dos dinossáurios, estima-se que estes não tivessem suportado amplitudes térmicas superiores a 5ºC.”
“Ahhh”, a Ana aliviada, “então já entendo, nessas condições a temperatura podia mesmo comandar a evolução da vida...”
“Exactamente. Reparem ainda no seguinte: como disse, as diferentes espécies hoje existentes serão soluções que encalharam em becos evolutivos em consequência de excessiva especialização...”
“Pois, e a evolução não tem marcha-atrás!” A Luísa interrompe, soltando uma risada, “Exacto”, continuo, “portanto, essas espécies, as que chegaram até hoje, conservam as características que tinham na sua época áurea, nomeadamente a temperatura ideal para elas é a temperatura dessa época.”
“Explica lá isso!?”
“Repara Luísa, achas que os répteis vivem hoje nas condições ideais? Evidentemente que não!”
“Não?!”
“Não, é claro, eles dependem de conseguirem atingir uma determinada temperatura para ficarem activos, têm de se pôr ao sol; ora a natureza não faz seres assim limitados, na época deles eles não tinham este problema. E isso revela-se sobretudo na reprodução, para existirem hoje tiveram de encontrar maneira de manter os ovos quentes. Uns enterram-nos em areias aquecidas pelo sol, outros, como as cobras, cobrem-nos de folhas que libertam calor ao apodrecer ou deitam-se em cima deles e ficam a fazer contracções periódicas para produzirem o calor necessário. A temperatura de reprodução ideal é um bom termómetro da época de cada espécie; em certas moscas, por exemplo, é de cerca de 45ºC.”
“Então, para ti, foram como que abandonados pela evolução, tiveram que encontrar soluções de sobrevivência por eles próprios?”
“Parece que sim Mário; mas não se tratará de serem abandonados, trata-se simplesmente de terem chegado ao tal beco; como aconteceu com os Dinossáurios.”
“Ah, isso, fala lá dos dinossáurios.” Não pude conter uma risada com o súbito entusiasmo da Luísa, “está bem, está bem, ia agora deixar de falar dos dinossáurios!”
“Quando surgiram os dinossáurios já a temperatura da terra andaria pelos 30 - 35 ºC, ou seja, já existiam condições para proteínas tão complexas como as nossas.”
“Estás a dizer que os dinossáurios já eram tão avançados como nós?”
“Não, nada disso, mas já podiam ter proteínas muito mais complexas que as dos répteis, o que lhes permitia desempenhos musculares muito superiores, sistema circulatório, respiratório, digestivo, hormonal, nervoso, mais avançado. Mas as suas complexas proteínas tinham uma desvantagem: é que quanto mais complexa a proteína, mais estreita é a sua janela de funcionamento; então o que é que irá acontecer aos dinossáurios à medida que a temperatura da terra vai diminuindo, dado que eles não possuíriam um sistema de «sangue quente»?”
“Estou a perceber-te: insectos, peixes, répteis, etc, podem sobreviver porque as suas proteínas primitivas aguentam baixas temperaturas, mas os dinossáurios não!”
“Certíssimo, Mário! O gigantismo dos dinossáurios pode ter sido uma vantagem evolutiva quando as amplitudes térmicas começaram a aumentar, pois quanto maior a massa, maior a inércia térmica, mas tornou-se uma armadilha mortal quando a temperatura média desceu abaixo do mínimo que as suas proteínas podiam suportar; e isso aconteceu bruscamente em consequência do Evento ocorrido há 60 milhões de anos.”
“ Então os dinossáurios não poderiam viver hoje porque a temperatura média, mesmo no equador, é insuficiente?”
“Isso é uma fragilidade?”
“Dupla: por um lado não conseguiriam manter a temperatura que o ovo deles necessitaria, por outro lado os seus ovos em ninhos terrestres seriam indefensáveis dos predadores. Aliás, a reprodução por ovo originou um beco evolutivo.”
“Como é essa agora?”
“Em animais mais primitivos, o crescimento é feito fora do ovo, recorrem à solução da fase larvar, ou seja, formas intermédias capazes de se alimentar pelos seus próprios meios. Depois, surge a solução do ovo que contém o alimento necessário a que o novo ser saia para o mundo já completo. Mas à medida que a espécie é cada vez mais complexa, maior é o tempo necessário para a formação do novo ser, o que significa que maior tem de ser a reserva de alimento do ovo.”
“Estou a perceber, um ovo nunca poderia fornecer o alimento que um ser como o humano, com nove meses de gestação, precisaria.”
“Exactamente Ana; a linha evolutiva que adoptou o ovo como solução reprodutiva estava condenada a um beco evolutivo.”
“E esse beco são as aves?”
“Exactamente Mário, as Aves já não poderão evoluir em direcção nenhuma.”
“Isso não sei, mas pelo menos são dessa fileira evolutiva.”
“Então e os mamíferos?”
“Os mamíferos terão outra fileira, que em vez de recorrer à solução “ovo” recorreu à solução de fazer crescer o novo ser dentro da mãe, alimentado por esta.”
“Mas a diferença entre os mamíferos e os répteis não está no sangue quente?”
“Não, claro que não, está no sistema de reprodução; o sangue quente foi a solução evolutiva que ultrapassou o problema do arrefecimento da Terra abaixo da temperatura óptima; não é um exclusivo dos mamíferos, as Aves também dispõem dela!”
“Mas espera lá, os chimpazés estão nalgum beco evolutivo? Não estou a ver! Então porque é que ficaram parados na evolução?”
“Ahhh, é novamente o problema da reprodução!”
“A nossa tem mais uma inovação, que, em parte, as aves também usam."
“Essa agora!?! De que estás tu a falar?”
“A gestação dum ser humano é 9 meses na barriga da mãe e uns 9 meses cá fora. Antes disso é incapaz de actos mínimos que lhe garantam a sobrevivência, só mama e dorme. O facto de os chimpanzés se terem especializado na vida nas árvores, onde não podem usar a solução “ninho” por causa do tamanho das suas crias, introduz exigências sobre os recém-nascidos incompatíveis com uma tão grande dependência da mãe.”
“Ai é? E os gorilas, que não vivem nas árvores?”
“Humm... estou a ver que tens resposta para tudo...”
“Na realidade não, estou a especular, eu respondi no condicional; não sei qual é verdade, pode ser que a Natureza tenha mesmo abandonado as espécies que ficaram para trás no processo evolutivo; porque ela não tem tempo a perder, tem de apostar tudo nos Humanos!”
“Essa agora, então porquê?”
17 comentários:
Uma correcção, senhor professor:
http://www.washington.edu/research/pathbreakers/1983c.html
In 1983, John A. Baross and Jody W. Deming reported in the scientific journal Nature that they had grown some of these heat-loving bacteria, or "thermophiles," at about 250° C, or about 482° F. That report stirred up quite a storm of controversy, since microorganisms have been thought to be capable of existing only between, roughly, the freezing and boiling points of water—from 0° C to 100° C (32° F to 212° F). At that time, Baross was at Oregon State University and Deming, at Johns Hopkins University. Today, they both continue their work as oceanography professors at the UW.
In 1988, the two researchers reported results of an expedition to a segment of the Juan de Fuca Ridge under the Pacific Ocean, about 250 miles off the Washington coast. They collected samples using the deep-diving vehicle named "Alvin." From those samples, Baross isolated quantities of archaebacteria, the most ancient cellular life forms. Biologists divide life into three kingdoms: archaebacteria, or ancient microorganisms; eubacteria, or common bacteria; and eukaryotes, all other organisms. Most of the heat-loving organisms are archaebacteria.
Baross was the first scientist to suggest that all life on earth today evolved from the kind of high-temperature microorganisms thriving in deep-sea hydrothermal vents. He believes these hot springs provided the ideal setting in which life could form, safely protected from the barrage of meteors and radiation that pummeled the surface of earth in its infancy. "The subsurface environment seems like the stable womb of the early earth," says Baross.
Parece aquilo da Al-Qaeda, não é?
E aqui uma verdadeira lição de história antiga e contemporânea para o meu professor preferido:
Zeitgeist – legendado em português.
A história da vida está a ser servida com uma clareza impressionante .
A teoria do Futuro está a dar-nos visões sobre o Passado.
Poderemos de sugerir um título para o livro do alf?
o futuro da humanidade terá de ser conquistado, começando o caminho das estrelas.
Como evolutivamente estamos num beco-sem-saída, temos procurar outra casa para o noso futuro, estamos tão sensíveis à extinção como os Dinossáurios e todas as anteriores extinções massiças.
antónio vamos comprar uns terrenos em Venus?
Diogo, obrigado pelos links.
diogo
"Exactamente", diria o Jorge. Está mais que visto que as arqueobactérias eram termófilas, ou sejam, viviam a altas temperaturas e pressões. Hoje, essas condições só existem junto de fontes hidrotermais a grande profundidade. Naturalmente, o que isso implica é que essas eram as condições à superficie da Terra na altura, como aqui tenho afirmado.
Os cientistas pretendem que isso significa que a vida surgiu junto dessas fontes. Para isso é melhor acreditar que veio do espaço, pois o espaço vizinho dessas fontes é tão pequeno que a probabilidade de a Vida aí se gerar é a que o Fred Hoyle calcula.
Quanto ao filme, verei depois, agora estou a fazer as malas para ir ter com outros "filósofos naturais"... não sei se poderei vir à net nas próximas duas semanas.
anonimodenome
obrigado pelas palavras amaveis
Uma correcção: não estamos num beco evolutivo! Seremos mesmo os únicos metazoários que não estão. Pelo menos por enquanto. A nossa evolução não dá sinais de estar limitada, pois a evolução é pelo cérebro e não me parece que a actual "tecnologia" natural tenha atingido os seus limites.
De vez em quando surgem uns humanos com umas capacidades de memorização incríveis, ou de cálculo, ou de criatividade; às tantas, a natureza anda a fazer experiências sobre o desenho do cérebro futuro...
E não se apresse a comprar terrenos em Vénus ehehe... a Natureza ainda tem planos a Terra...
diogo, obrigado pelo link para o filme
desculpem por comentar de novo.
estava a ver o filme e interrompo porque só me apetece gritar de raiva, vomitar de nojo e passar a palavra:
vejam e pensem porque torna-se imperativo procurar linhas de actuação.
Depois deste filme,ficar calado é um crime.
Toda a humanidade está a ser espoliada.
Um dia destes o filme ainda é retirado da net.
Pior, a net poderá passar a ser censurada.
a NET é o meio que temos ao dispor que pode vir a tornar a democracia participativa uma realidade.
um e-partido, e-programa, e-eleitos,e-controlo,e-votos, e-governo.
Dá para pensar no assunto ?
Antes que se torne tarde...
Toda a criação é obra de um Deus quente. Quando arrefeceu fez o homem e foi o que se viu…
Muito interessante a evolução em função da temperatura, só gostaria de saber se esses termómetros foram calibrados pela ASAE…
António
Eheh... faz falta um "António" nesta conversa, certamente que tudo seria mais interessante e divertido!!!!
Oh, Alf afinal quem calibra os termómetros? Como podemos estar seguros que as temperaturas referidas são fidedignas?
O António, é ao contrário! As temperaturas são estas, os termómetros é que são calibrados por elas!!!!
António, se quer saber como se obtém essa curva de temperatura, ela foi apresentada no post "A Dança dos Planetas", de 9 de Outubro (etiqueta: A Origem da Vida)
Claro que essa curva foi apresentada de uma forma quase intuitiva, onde se estima que a Terra se afasta do Sol à mesma taxa que a Lua se afasta da Terra; só mais adiante poderei provar que de facto assim é.
Por agora, o facto de que dificilmente poderá ser uma coincidência o facto de a Lua se afastar da Terra a uma taxa que é exactamente o dobro da aparente expansão do espaço é o suporte da ideia de que o alargamento da órbita da Lua não é um fenómeno local mas geral.
Mas ainda antes do fim do ano compreenderá, para além de qualquer dúvida razoável, qual é o fenómeno por detrás de tudo isto.
o pequenino risquinho azul que aparece sobreposto ao traço amarelo no gráfico do actual post é uma conhecida determinação da temperatura terrestre nos últimos 100 milhões de anos.
Alf isso quer dizer que as proteinas se vão desenvolvendo com as variações de temperatura?
Sendo assim dinossauros podem ter-se extinguido apenas porque a terra começou a ficar fria...
E porque é que a Natureza tem que apostar tudo nos humanos?
(ok eu espero pelo proximo post para ter a resposta a esta pergunta =P)
raiz de carla
As proteínas muito complexa são muito sensíveis à temperatura; as formas de vida complexas exigem proteínas complexas; então, formas de vida complexas não podiam existir enquanto a temperatura foi demasiado alta para as proteinas necessarias a essas formas d evida
Mas há outro problema que é o seguinte; as proteinas mais simples aguentam temperaturas altas e também baixas, ou seja, têm uma grande janela térmica; as prteínas complexas têm uma pequena janela térmica. Ora qd a temperatura da Terra era alta, as amplitudes térmicas eram muito pequenas porque a humidade era muito alta; quando a temperatura desceu o suficiente para as proteinas complexas, também a amplitude térmica cresceu.
Os dinossaurios terão sido apanhados no meio dos dois processos - a temperatura baixou o suficiente para terem proteínas complexas mas depois a ampitude térmica subsquente tornou-se um problema, que a Natureza resolveu com o "sangue quente"
nos próximos post verá a importância e responsabilidade dos humanos...
Good post and this post helped me alot in my college assignement. Thanks you as your information.
Anónimo
Obrigado pelas suas palavras, são muito estimulantes para mim, mas cuidado, porque eu digo coisas que não estão acordo com as ideias «oficiais» - por exemplo, embora existam inumeros factos que comprovam o passado quente da Terra, não existe nenhuma teoria que o suporte (a não ser a minha).
Se usar isto na escola, podem pensar que não sabe o que está a dizer! É como usar as ideias de Galileu há 500 anos atrás, não seria compreendido.
Neste blogue dialogamos com o conhecimento do Futuro, mas a Escola ensina o conhecimento do Passado.
Enviar um comentário