quarta-feira, maio 01, 2013
Os 4 problemas de Portugal (2)
O segundo
problema é a balança de capitais.
A figura acima
mostra a repartição do investimento “estrangeiro” em Portugal (tirado deste vídeo promocional). Uma coisa chama
logo a atenção: o maior investidor em Portugal é a Holanda, seguido do...
Luxemburgo????
Sabem o que isto
quer dizer: as empresas põem a sede nesses países onde só pagam uma pequenina
taxa (2,5%, creio) sobre os lucros, que transitam para um offshore. Ou seja, grande
parte deste investimento só deixa cá ficar o dinheiro dos ordenados.
Agora uma novidade:
na verdade, muito pouco deste investimento será estrangeiro. É nacional! Como é
evidente, com as regras que existem, só quem não puder é que não mete a sede na
Holanda ou no Luxemburgo. Por isso, os investidores nacionais, quando abrem uma
empresa, é o que fazem. Portanto, a maior parte do investimento estrangeiro
será... nacional! Os lucros é que não ficam cá, e esta é uma forma eficiente de
fuga de capitais.
Então o
investimento mesmo mesmo estrangeiro é que será bom, é que paga impostos cá?
Nada disso. Uma
empresa estrangeira quando abre cá uma fábrica, nos moldes em que isso é
atualmente feito, essa fábrica é apenas um componente da sua cadeia de
produção, que compra à empresa mãe e vende à empresa mãe (ou do grupo). A
diferença entre o preço de compra e venda é o necessário para pagar os
ordenados, descontados os benefícios que o Estado sempre dá aos estrangeiros.
Para percebermos
as consequências disto, imaginemos uma família onde só o homem tem emprego e
coloca parte do que ganha numa conta só dele, para ele gastar como quiser,
deixando para a família o mínimo dos mínimos. A mulher e os filhos alimentam-se
de farinhas cerelac com água e vestem-se com as roupas que a igreja vai
arranjando. O homem come brutas almoçaradas e, à noite, quando chega a casa, finge
que “passa debaixo da mesa” para não “tirar o pão da boca aos filhos nestes
tempos difíceis”. Faz belas viagens de férias com a amante e diz em casa que
foi trabalhar na apanha do morango. Tira os filhos da escola e põe-nos a dar
serventia de pedreiro para que eles nunca abram os olhos e ainda contribuam
para as despesas da casa.
É mais ou menos
isto que se passa. É claro que numa família consideramos que as pessoas são
responsáveis umas pelas outras e na nossa sociedade nem pensar nisso, é cada um por
si. Mas o resultado assim é mau e por isso é preciso regras que substituam a
moral que se exige a uma família. Nomeadamente, são precisas regras que tornem
vantajoso que quem tem lucros aqui, os aplique aqui.
Isto é mais do
que sabido, há décadas que essas regras existem noutros lados, por exemplo, nos
EUA. Mas cá não. E não é baixando o IRC que isso se consegue, porque a taxa
holandesa é imbatível. É como fazem os EUA.
A conversa de “captar investimento
estrangeiro” é um disparate por duas razões. Uma delas é que se queremos
investimento, apenas precisamos de criar condições para os investidores
nacionais investirem aqui pois, como mostra o gráfico do investimento
“estrangeiro”, grande parte dele é nacional mascarado de estrangeiro. A outra
razão porque isso é um disparate, nos moldes em que é feito, é a seguinte:
Se uma empresa
que opera em Portugal se limita a pagar salários e leva para fora todas as
mais-valias aqui geradas, o país nunca pode aumentar o nível de vida. Pelo
contrário, essa empresa só existe aqui enquanto não conseguir pagar menos
noutra qq parte do mundo. É por isso que nos outros lados a entrada de empresas
estrangeiras é definida com um objectivo muito diferente: a transferência de
saber-fazer.
É que não é
através das empresas exportadoras que um país se desenvolve, é à custa do
mercado interno; é por isso que a transferência de saber-fazer é o objectivo
das políticas de atracção de empreendedores estrangeiros. É o velho ditado: o
que interessa é aprender a pescar.
É por isso que em
todo o lado as empresas estrangeiras têm de ter um sócio nacional, que pode ser
o Estado, e têm um prazo de saída, são concessões a prazo. Quando a Volkswagen
sair da China, em 2030, a indústria automóvel chinesa estará pronta. Claro que
os alemães foram inteligentes e negociaram bem o assunto, os carros chineses
vão estar cheios de electrónica alemã, que é onde estão as mais-valias que
interessam aos alemães; e assim, através dos chineses, os alemães vão acabar
por dominar o mercado mundial dos componentes especializados para automóveis.
Claro que
exportar é muito importante, nenhum país é auto suficiente. Nos países mais
desenvolvidos, grande parte das suas exportações são de bens produzidos noutros
lados; por exemplo, uma empresa alemã coloca uma fábrica na Grécia onde realiza
a parte do produto que carece de mão-de-obra intensiva, para a qual exporta
componentes e da qual importa produtos quase acabados, que depois exporta a
partir da Alemanha, ficando aí a mais-valia. Claro que a Grécia é muito melhor
do que a China, porque a China exige 50% do capital, transferência de
saber-fazer e prazo de saída.
A Grécia será o
maior caso de sucesso dentro do Euro; no começo da crise, o seu PIB per capita
já era 1,7 vezes o português!! Mas a Grécia fez uma coisa errada: permitiu a
instalação de mais de uma centena de fábricas alemãs. Ora essas fábricas
dependem de mão-de-obra barata e isso estava a desaparecer da Grécia. Logo,
havia que fazer algo para empobrecer os gregos e levar o desemprego para níveis
acima dos 20%, que é o que coloca os ordenados em espiral decrescente.
Em conclusão, é
preciso:
1- criar condições para que os lucros das
empresas que operam em Portugal sejam investidos em Portugal;
2- a instalação de empresas estrangeiras em
Portugal deve ser feita nos mesmos moldes em que se faz em quase todos os países
soberanos (participação nacional, transferência de saber-fazer, efeito
multiplicativo sobre a economia, concessão a prazo)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
10 comentários:
Ou ter ordenados elevados e captar o IRS...
antónio
hummm... não me arrisco a uma resposta porque não sei ao certo o que quer dizer; pode explicar um bocadinho melhor?
se podem controlar o valor faturado a montante e a jusante então podem declarar perdas em vez de lucros.
UFO
poder podem... mas qual a vantagem?
para perceberes a importância destes enquadramentos, conto o seguinte facto: nos tempos de antigamente, as empresas mineiras pagavam uma taxa proporcional ao minério extraído. As empresas estrangeiras tinham lucros e investiam-nos no alargamento da sua actividade em Portugal. Em certa altura conseguiram sair desse sistema e ficar enquadradas no mesmo sistema das restantes empresas, ou seja, pagar imposto sobre os lucros. Conheço o caso da empresa inglesa que explorava as minas da Panasqueira. Imediatamente criou uma central de compras em Inglaterra e deixou de ter lucros: o preço de venda do minério passou a ser apenas o que cobria a despesa. Abandonou os investimentos que até aí fazia em Portugal.
Como é que os americanos resolvem este problema? com um duplo crédito fiscal ao investimento: o que a empresa investir nos EUA desconta a dobrar nos lucros. Simples, não é?
Assim, as empresas que têm grandes lucros e não investem cá, como a BP, por exemplo, pagam IRC; as que investem, pagam muito menos ou nada. Quem investir metade dos lucros paga 0 IRC; não há taxa mais competitiva, pois não?
Houve um ano em que a aprovação desta regra nos EUA se atrasou; a quebra no investimento interno foi brutal.
(Estive fora). São instrutivos os teus diálogos. Os aforradores, detentores de poder de compra, buscam um rendimento, que, no geral, se cifra num rendimento médio do dinheiro não gasto. Detêm tais aforros,os Estados superavitários, os Fundos de Pensões, os Bancos com a população afluente.
A concorrência por remunerações do capital acima do valor médio é o estímulo para as apostas arriscadas em invenções e inovações, ilegalidades de evasão fiscal, negócios de armas e droga, especulação sobre o futuro e manipulação psicológica da população.
Se os governos pudessem mesmo ser controlados por cidadãos esclarecidos e justos, eles seriam defensores suficientes contra a guerra, a droga, a iniquidade e o desperdício. Igualmente, a sageza governaria um são e moderado crescimento populacional...
As coisas endireitar-se-iam.
vbm
Bem regressado! Já estava a ficar com medo que também tu tivesses emigrado... Agora, quando falo com algum amigo ou mesmo familiar, começo por perguntar: então onde estás? Já sei a resposta é sempre alguma estranhíssima parte do mundo...
Diz-me lá qual foi o grego que disse que "ou se governa para si ou para os cidadãos"; os gregos já viveram todos estes problemas, já os conheciam todos. Nesta nossa sociedade onde a solidariedade reside apenas nalguns corações em nenhuma cabeça, claro que os governantes governam para si. Enquanto assim for, nada mais faz sentido ou tem solução.
Bem, :), não sei qual foi o grego. Mas li recentemente uma biografia de Péricles e ele, como Platão mais tarde, era um aristocrata - que etimologicamente significa o poder dos melhores, áristos, «os melhores», +krátos, «força;poder».
De qualquer modo, Péricles aderiu ao partido democrata pois não via lógica na política que não fosse a melhoria dos cidadãos da pólis. No entanto, não deixou de se distanciar da mediocridade e nunca compactuou com a demagogia.
vbm
a memória já me prega partidas... sempre me pregou aliás... não sei se foi o Péricles ou o Platão ou outro. De qualquer maneira, a frase coloca o problema crucial: para quem governam os governantes?
A resposta num sistema democrático egoísta, como o nosso, seria "para os seus eleitores". Mas não é bem assim. Os governantes não governam para conseguirem o melhor para os seus eleitores, governam para os convencer de que estão a governar para eles; e, sob essa capa, governam para defender os interesses dos ricos e dos poderosos, ou seja, governam para os seus interesses fingindo que governam para os seus eleitores.
Quem governa os governantes?
Quem educa os educadores?
Inescapável. Os governados são-no pelos governantes. Estes, seleccionados pelos padrões da cultura dominante, enquadram-se nos valores da classe social que difunde essa cultura. Só que esta depende, quer da materialidade das condições de produção e reprodução da vida, pessoal e social, e como algumas alterações vão sucedendo em tais condições, a cultura não pode deixar de vir a integrar os novos conhecimentos e o novo espírito dos tempos. É assim o progresso real sobre a tradição do tempo pretérito que vai tecendo o desenrolar da história das civilizações. E assim, quer os governantes conservadores quer os progressistas vão sendo instruídos e governados pela evolução da ciência, da sageza, da civilização.
Mas pode olhar-se para a política, sob assunção de alternativos valores paramétricos do status quo… :) Por exemplo, com vígaros na cadeia ou com “pulseira electrónica”. Com embusteiros e seus familiares confiscados ou, nas calmas (financeiras) a aguardar julgamento.
Mas a longo prazo, parece-me que os governantes são governados pela realidade e pelo conhecimento progressivo da realidade.
vbm
Interessante. Daí podemos concluir que se a sociedade não é melhor é porque falta ainda o conhecimento para a fazer melhor; pois que sendo a realidade que governa os governantes, esta funciona como força evolutiva.
Esta tua divagação suscita-me outra: como se escolhem os ministros? Que missão têm eles? acho que vou por um curto post no meio dos "problemas de Portugal" sobre isto
Enviar um comentário