quinta-feira, setembro 29, 2011
Dr. Jordan e o caso da Europa de classes (I)
(as aventuras do
dr. Jordan são pura ficção, desenhada sobre problemas da actualidade)
Ali estava a
esplanada; qual seria a mesa... ahh, aquele tipo acena-me, é ali.
Boas tardes;
doutor Wolfram, presumo – disse, enquanto aceitava a mão estendida daquele tipo
alto e magro, procurando reconhecer-lhes as feições. Rosto anguloso, cabelos
pintados como é típico nos executivos de meia idade, olhos pouco expressivos e
muito observadores. Pessoa habituada a mandar, alto quadro certamente. Não, não
reconheço esta cara, nem a dele nem as dos seus dois companheiros, ambos
bastante fortes, um careca, o outro arruivado. Nenhum sinal de simpatia, como é
habitual nos que querem passar a mensagem de que grandes responsabilidades pesam
sobre os seus ombros.
Boa tarde Dr.
Jordan, muito obrigado por ter aceitado encontrar-se connosco. Sente-se por
favor – disse cortesmente o Wolfram, indicando a cadeira que à sua frente me
esperava.
Sentei-me
calmamente, disfarçando a curiosidade em saber que mistério me tinha calhado
desta vez. É curioso como 93% dos meus clientes pretendem operações
inconfessáveis – seria bem melhor que fosse ao contrário mas infelizmente
parece que apenas os que prosseguem escuros interesses são suficientemente inteligentes
para me consultarem. C’ est la vie!
Esperava que o Wolfram me apresentasse os outros mas nada. Costumo
começar logo a falar, assumir o controlo da conversa, mas desta vez optei por
manter a matraca fechada e aguardei. O Wolfram chegou-se à frente e falou:
Numa conversa
sobre as dificuldades que atravessamos, alguém referiu que conhecia uma pessoa
que poderia ajudar-nos, um filósofo, o Dr. Jordan. Uma espécie de Poirot, com a
diferença de que usaria os seus talentos para encontrar soluções para os
problemas e não para desvendar mistérios, o que no fundo é a mesma coisa.
Sim, é verdade, é
quase a mesma coisa, há um ponto de partida e um ponto de chegada e queremos
saber como se vai de um para o outro – assenti, reduzindo a este aspecto as
comparações com Poirot. Ainda pensei dizer que os méritos que me atribuem
resultam simplesmente da metodologia de conhecimento da Filosofia, quase
ignorada desde o advento da metodologia científica. Mas optei por avançar no
assunto:
Mas qual é,
afinal, o problema? – displicente mas a
rebentar de curiosidade, no ar estava a promessa de um desafio à altura dos
meus talentos.
Como o dr. sabe,
o esforço para unir as duas Alemanhas tem sido um pesadelo cuja luz ainda não
surgiu ao fundo do túnel. Ainda não saímos deste pântano e um novo pesadelo se
desenha já no horizonte: a união europeia! A nossa experiência dolorosa com a
Alemanha do Leste vai ser multiplicada cem vezes, vamos ficar atolados em
problemas durante décadas, enquanto o resto do Mundo avança a passos largos.
Com certeza que a união europeia será bom para os outros países europeus, mas
para a Alemanha é que não é nada bom. Por outro lado, também não podemos
continuar isolados, não temos dimensão para competir com os EUA, a China, ou as
novas potências da Ásia e da América do Sul. O marco não tem dimensão para
competir com o dólar, pura e simplesmente.
Estou a perceber
– peguei na palavra, a deixa de silêncio isso exigia – precisam de uma união
europeia para terem dimensão mas não querem que essa união se faça à custa do
desenvolvimento da Alemanha. Querem portanto uma solução diferente da que tem
sido usada com o Leste... calei-me, o careca parecia querer dizer que não era
bem isso, se calhar era ele o chefe do grupo, pôs a mão sobre o braço do
Wolfram que lhe fez discretamente um sinal de assentimento. O careca
recostou-se, sossegado.
Repare dr. Jordan
– recomeçou o Wolfram, com ar de quem vai contar um segredo – a Alemanha
desenvolveu um forte estado social, onde toda a gente tem muitos direitos e
regalias. Sabia que o custo médio da nossa mão-de-obra é quase o dobro dos EUA?
Mas pior que o custo médio é o custo mínimo, o custo dos operários, pois os EUA
são campeões da desigualdade, só ultrapassados pelos países onde ainda há
pessoas que nem sabem o que seja o dinheiro. Na reunificação com a Alemanha do
Leste estamos a estender este estado social para lá. Agora pense: se vamos
fazer o mesmo em relação ao resto da Europa, já viu que a nossa competitividade
nas grandes indústrias vai desaparecer? Por agora ainda podemos recorrer à
mão-de-obra barata dos países do Sul, mas depois? Uma união europeia bem
sucedida acabará com essa mão-de-obra barata. Conhece as disponibilidades de
mão-de-obra barata que os nossos competidores têm?
Sim, tenho uma
ideia; os chineses têm ainda uma imensa população rural para tirar da miséria e
sobretudo sabem como gerir a taxa de câmbio, os países do sudeste asiático e a
Índia tem uma natalidade incontrolável que é um fornecedor ilimitado de
escravos, ou seja, de pessoas que trabalham por uma sopa, o Brasil está um
pouco como a China, os EUA têm em uma enorme população de pobres que não têm
hipóteses de deixar de o ser.
E não só –
interrompeu-me exaltado o ruivo – os EUA ocuparam o norte do México onde
beneficiam da natalidade descontrolada da população mexicana mas onde podem
impor a organização americana. Como é que vamos poder competir com isto?!
Desabafou, mais ruivas as faces que a barbicha.
Então e a
deslocalização para fora da Europa? Sugeri, embora já suspeitasse qual seria a
resposta; mas há que não deixar pontas soltas.
Fora da Europa?
Onde? As nossas fábricas precisam de trabalhadores com alguma especialização e
muitas condições, não são criações de frango para instalar em África; e os
países onde estes trabalhadores e estas condições existem há muito que abriram
os olhos, instalarmo-nos lá é estarmos a cavar a nossa sepultura; veja o caso
da China, mais de metade dos lucros das nossas empresas fica lá e estamos a
prazo, daqui a uns anos temos os chineses a fazerem-nos concorrência usando o
nosso know-how, as instalações que lá vamos deixar e a força económica que os
lucros das nossas empresas lhes estão a dar.
Ou seja, sem
mão-de-obra barata a vossa competitividade só pode ser conseguida à custa das
vossas margens de lucro e não por esmagamento dos salários, é isso? A pergunta
teria um quê de acintoso para outras pessoas mas eles nem repararam, «esmagar
os salários» é a sua preocupação quotidiana.
Claro! Isto assim
não se aguenta, veja que nos 100 mais ricos do mundo não há nem meia dúzia de
alemães! Indignadíssimo o ruivo.
Bom, mas então o
que desejam de mim? Afinal não querem um projecto europeu, também não querem
ficar isolados... que querem afinal? Perguntei, não por desconhecer o que eles
pretendem, que é evidente, e certamente que o vão conseguir; mas percebo que
eles precisam de um ouvinte que os ajude a concretizar o plano que já está
desenhado nas suas cabeças; e eu nunca nego ajuda aos poderosos.
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terça-feira, setembro 27, 2011
O maquiavélico plano Franco-Alemão (8)
A causa técnica
da crise
A presente crise
da dívida soberana de alguns países europeus não é como o aparecimento de um
tufão, ou uma praga de gafanhotos, fenómenos naturais cujo controlo ultrapassa
a nossa capacidade. Nada disso. Este é um fenómeno com uma causa bem definida e
verifico que há várias razões para isso, uma boa, as outras más.
Vamos esquecer as
razões e vamos agora ver qual é a causa técnica desta situação.
Um empréstimo é
um negócio e como tal as condições acordadas reflectem a capacidade de
negociação das duas partes, na ausência de constrangimentos legais.
Sabem como é a
golpada do cartão de crédito? Ela pode ser realizada de diversas maneiras mas o
processo consiste em levar o cliente a ficar com uma dívida que não pode
amortizar significativamente; a partir desse momento, pode-se subir a taxa de
juro porque o cliente deixou de ter capacidade de negociação; e quanto mais
encravado ele estiver, mais se sobe a taxa de juro. Existe um limite legal já
de si exorbitante, mas se não existisse as taxas seriam muito mais altas.
Note-se um
aspecto importante: da parte do banco não há qualquer interesse em que a pessoa
pague a dívida, o que o banco quer é manter o cliente eternamente a pagar
juros. Pagar a dívida seria acabar com os ovos de ouro da galinha, ou seja, com
o pagamento dos juros.
No caso das
dívidas soberanas, todos os países a têm e nenhum a pode amortizar
significativamente com os recursos existentes. Estão em condições semelhantes
às dos clientes dos cartões de crédito que contraem uma dívida que não podem
amortizar. Então, porque é que apenas alguns países estão a sofrer um ataque à
dívida do Estado?
A resposta é que
todos os países excepto os europeus podem imprimir moeda; sendo assim, se os
juros subirem, eles têm uma solução: imprimir moeda! Portanto, eles não estão
de facto nas condições dos clientes dos cartões de crédito, porque eles podem
imprimir moeda!!!
Dirão: mas
imprimir moeda não tem consequências desastrosas, como a desvalorização da
moeda?
O recente exemplo
dos EUA é a prova de que não, não é verdade? Quantidades astronómicas de
dólares têm sido impressas e o dólar parece estar a ... valorizar-se!!
Isto é assim
porque o valor da moeda não depende só da sua quantidade, depende da força da
economia do país. Como as economias crescem, é mesmo preciso imprimir moeda
para manter os racios moeda/crédito e para evitar sobrevalorizações da moeda –
que desgraçam a competitividade.
Contrariamente ao
que costuma dizer-se, a desvalorização da moeda não é necessariamente má – uma
moeda sobrevalorizada significa que as empresas terão de obter ganhos de
competitividade à custa dos ordenados, logo implica redução de ordenados. O euro está sobrevalorizado por razões que só interessam à Alemanha.
Portanto, o
assalto às dívidas soberanas dos países europeus vai continuar enquanto não existirem eurobonds suportados por dinheiro novo. Por mais medidas que se tomem para reduzir a taxa de crescimento da
dívida, nada se alterará, porque a dívida, maior ou menor, permanecerá. Em 2013, em Portugal,
faça este governo o que fizer, o problema dos juros da dívida estará
exactamente na mesma se o BCE não fizer como os EUA.
Mas o BCE não vai
fazer por várias razões, a primeira sendo que a actual situação convém à
Alemanha: a Alemanha tem um alto saldo da balança de pagamentos com os outros
países europeus, tem sempre euros a entrar, é como se estivesse a imprimir
euros; mas se por acaso o problema chegar à Alemanha, nesse dia teremos o BCE a
imprimir euros e os eurobonds a circular.
Os gregos já
perceberam isto muito bem; cá, temos um governo que não quer eurobonds, o único
mecanismo que poderia resolver o problema; portanto em 2013 a situação será
apenas muito pior do que agora porque estaremos todos a ganhar muito menos, com
muito menos direitos, e a pagar muito mais.
Não acreditam em
mim? Então vejam aqui a opinião de um conceituado economista americano, publicada no New
York Times.
quinta-feira, setembro 22, 2011
A Piscina
Os telejornais de
hoje tinham uma notícia que fez as alegrias dos media: imaginem que o Alberto
João gastou parece que 2 milhões de euros numa piscina no Curral das Freiras
que raramente funciona!!!
Haverá melhor
exemplo da má gestão da Madeira? Pode o dinheiro ser mais mal gasto?
Eis aqui um ótimo
exemplo da nossa ignorância do Jogo da Economia.
Ora reparem; a
Comunidade Europeia comparticipa este tipo de obras em qualquer coisa como 75%
(não sei ao certo como foi neste caso, mas deve ter sido algo como isso), ou
seja, 1,5 milhões de euros. Portanto, o Alberto João investiu 0,5 milhões de
euros, que não foi um gasto porque serviu para pagar o trabalho de madeirenses,
foi só uma circulação de dinheiro, e recebeu 1,5 milhões vindos do estrangeiro.
Como
compreenderão, isto equivale a investir 0,5 milhões de euros a fabricar um
produto que se exportou por 2 milhões – uma rentabilidade de 400%
O orçamento da
Madeira gastou 0,5 milhões e recebeu 1,5 milhões, logo ganhou 1 milhão de euros.
Na verdade,
ganhou mais, porque quem fez o trabalho pagou impostos e se não tivesse tido o
trabalho talvez tivesse recebido subsídios de desemprego.
A piscina não
funciona? Ótimo, assim não tem custos de manutenção. Claro que se for possível
encontrar utilidade para piscina, melhor, mas se não for não faz mal – a
piscina foi um excelente negócio para a Madeira e para o país. Agora, até pode
ser demolida, é como se tivesse sido exportada.
Sei que isto pode
fazer confusão. Vivemos numa era de abundância, as regras deste jogo económico
já não são as dos tempos de carência, não visam aumentar a produção, visam
disputar a abundância; quem não souber jogar este jogo fica sem nada.
segunda-feira, setembro 19, 2011
O maquiavélico plano Franco-Alemão (7)
Nos países soberanos não há empresas com sede no estrangeiro
A China atraíu o investimento estrangeiro mediante a oferta de custos
muito baixos, conseguidos através duma inteligente utilização do câmbio e de
mão-de-obra barata; mas as empresas estrangeiras que quiseram operar na China
tiveram de constituir empresas em que pelo menos metade do capital é chinês e
aceitar um prazo para a sua actividade na China,
Exemplifiquemos com a Volkswagen; para se instalar na China, teve de
fazer empresas com os chineses em que pelo menos metade do capital é chinês –
vamos assumir que é exactamente metade, por simplicidade. Para a China,
conseguir essa metade do capital não foi problema: eles
imprimem o seu dinheiro, não é verdade?
As fábricas da Volkswagen na China geram gandes lucros; uma parte vai
para impostos, suponhamos 20%; do restante, metade fica na China, corresponde à
sua comparticição na empresa, e a outra metade vai para a Alemanha. Portanto, a
China fica com 60% dos lucros – enriquece!
Em consequência deste enriquecimento, os ordenados sobem e o nível de
vida dos chineses sobe. Os trabalhadores chineses, que começaram com salários
de escravo, isto é, salários que só davam para a sua alimentação, foram subindo
de nível de vida e hoje já se recusam a trabalhar pelo ordenado que actualmente
ganha um trabalhador português. A Autoeuropa vai produzir Sharons para exportar
para a China porque já dá mais lucro à Volkswagen produzir em Portugal para
exportar para a China do que produzir na China.
Imaginemos agora que o governo chinês não exigia a metade do capital;
este seria todo dos alemães e, em consequência, os lucros da Volkswagen iriam
inteiros para a Alemanha, onde está a sede da empresa. A China não enriqueceria
nada com a Volkswagen, apenas receberia os ordenados de escravo dos empregados
da Volkswagen; os ordenados de «escravo» perpetuar-se-iam.
Como estamos a perceber, possuir ou não parte do capital duma fábrica
estrangeira faz toda a diferença.
Por outro lado, as empresas estrangeiras instaladas num país, impedem o
desenvolvimento do país na área onde actuam devido à concorrência desigual que
estabelecem.
Temos um exemplo claro e recente no nosso país: enquanto as empresas
estrangeiras de calçado cá andaram, a nossa indústria do calçado não saíu da
cepa torta; assim que elas se foram embora, a nossa indústria cresceu
exponencialmente, apesar de continuar a ter condições de mercado interno muito
mais adversas do que as suas concorrentes.
É por isso as empresas que se queiram instalar na China têm apenas uma
licença a prazo: a Volkswagen só pode ficar na China até 2030. Depois de 2030,
a China terá já todo o know-how necessário ao fabrico de automóveis e ainda as
fábricas, organização e infraestruturas deixadas pelos alemães.
Este esquema não é uma invenção da China – é assim em toda a
parte. No Brasil ou em Angola também não entra nenhuma empresa que não seja
participada por brasileiros e angolanos. Nos EUA, acontece o mesmo. A
Volkswagem quis ter lá uma fábrica dela; teve de a fechar e desde então parece
que nem 1 volkswagen se vende nos EUA porque a forma de correr com a Volkswagen
foi convencer os americanos de que os seus carros não prestam – é para isso que
servem as ASAE em todos os países do mundo excepto Portugal.
Nos países soberanos, muito ou pouco desenvolvidos, não se instalam
empresas com sede no estrangeiro, porque tais empresas delapidam o país.
No post anterior desta série eu disse que já não há multinacionais;
agora parece que estou a dizer que há; como é afinal?
A resposta é que já não há multinacionais na Europa!
Nos países soberanos não há empresa que não seja participada por esse
país; e a razão é clara, empresas estrangeiras delapidam o país e impedem o
seu desenvolvimento a prazo; mas nos
países periféricos europeus, nos PIGS, isso acontece!!! As empresas alemãs e
francesas instalam-se nos PIGS sem quaisquer contrapartidas – pelo contrário,
ainda recebem benefícios.
A consequência está à vista: os PIGS estão cada vez mais pobres, o que
tem sido mascarado com o endividamento crescente. O dinheiro que tem sido
emprestado aos PIGS é o dinheiro que a estes foi retirado pela Alemanha e
também França, como veremos. Agora, esta dívida é-lhes cobrada com usura e os
PIGS vão ficar sem anéis e sem dedos.
Sabem porque é que a Madeira que tem tanto turismo não é económicamente
rentável? Porque as cadeias de hoteís que lá operam, bem como as agências de
viagem, são quase todas não-madeirenses e os lucros da actividade turística da
Madeira vão beneficiar outros. O nosso Sol é o nosso petróleo e deixamos as
empresas estrangeiras virem cá explorá-lo pagando apenas os ordenados dos trabalhadores!!
Não precisava de ser assim, nos outros países isto não acontece, há soluções,
como veremos.
quinta-feira, setembro 15, 2011
O árbitro Obama apitou
Franceses e alemães apressavam-se a pressionar os gregos – ou lhes
entregam as suas empresas públicas ou saem da Europa. A saída da Europa é só
para assustar, é claro, tomar conta das empresas públicas da Grécia e Portugal
urge, isso é indispensável ao “esquema de cantina” que se pretende aplicar. E
urge no caso de Portugal porque, como os economistas americanos, aqueles que há
mais de uma década vêm expondo todas estes acontecimentos e que estão por
detrás de Obama, já tinham avisado, Portugal tem uma escapatória através do
Brasil e de Angola. O Brasil e Angola já entraram na privatização do BPN, o
Lula já foi a Portugal, o BRIC já se vai reunir, há que andar depressa, não deixar o Brasil e Angola pôrem a mão nas empresas públicas portuguesas ou o «esquema de cantina»
vai por água abaixo. Quanto à Grécia, com o seu PIB que é 1,7 vezes o
Português, são precisos pelo menos 3 anos de profunda recessão para a colocar
ao nível adequado à aplicação do esquema, e isso exige pôr a Grécia a ferro a
fogo.
(pensam que os 7% de recessão na Grécia são um “acidente”, um resultado
indesejável? Se assim fosse, a troika estaria muito preocupada e a propor
medidas de correcção, não é? Eles não estão em constante fiscalização, a propor
constantemente novas medidas “para garantir que estes países conseguem pagar as
suas dívididas”? Como poderiam ficar
indiferentes a tamanha recessão? Serão burros? Claro que não, sabem muito bem o
que fazem. A a recessão grega não é um acidente, é um objectivo; e para o ano
vai ser pior porque o PIB grego tem de cair pelo menos 30% antes de se poder
«comer» a Grécia…)
Merkel e Sarkozy marcam um comunicado conjunto para o dia 13; um
comunicado de importância fundamental, o aviso solene e final à Grécia,
anunciado com o devido espavento; mas o Obama entra em cena e declara: os
países europeus com excedentes comerciais têm de resolver rapidamente a crise
europeia! O tão anunciado comunicado conjunto franco-alemão evapora-se. Obama é
o árbitro do jogo e apitou, marcou falta à Alemanha e à França.
No dia 14 a Merkel já vem mansinha dizer que nem pensar em a Grécia sair da
Europa; o spread do empréstimo a Portugal (mais de 2%! Quem pode ter dúvidas de
que esta «ajuda» é maquiavélica??) desaparece; Durão Barroso diz que a Comissão
vai avançar com propostas para os eurobonds.
Franceses e alemães vão ter de fazer novos planos. Para nós, das duas
uma: ou este governo está a fazer o jogo franco-alemão, e nesse caso irá
acelerar as «privatizações» para mãos francesas e alemãs, ou não está, e irá
começar a protelar esse tipo de medidas.
Um detalhe: os irlandeses não pagavam este spread; sabem porquê? Porque
são «brancos» e aos brancos não se aplica o «esquema de cantina»; o problema
irlandês é para resolver mesmo, o nosso e o grego não são para resolver, são
para agravar até que ficarmos no limiar de sobrevivência e completamente
dependentes de franceses e alemães.
terça-feira, setembro 13, 2011
O maquiavélico plano Franco-Alemão (6)
Já não há multinacionais
O grande inconveniente do sistema capitalista é que quem é mais rico
tem mais capacidade de enriquecer; diversas medidas foram tomadas para obviar a
este problema. Uma das brilhantes
soluções introduzidas foi a criação das sociedades anónimas, empresas cujo
capital podia estar distribuído; toda a gente poderia ser sócia duma grande
empresa e beneficiar da capacidade de enriquecimento que a dimensão dá através
da distribuição de dividendos e da valorização da empresa, traduzida na sua
cotação em bolsa; a possibilidade de pessoas de qualquer país poderem ter acções
de qualquer empresa tornaria a economia global, acabaria com as lutas entre
países porque os interesses das pessoas seriam transversais à sociedade.
Esta ideia cedo começou a ser desvirtuada; o ser humano tende sempre
para o seu interesse particular imediato, que não é o objectivo do jogo da
economia nem de qualquer jogo; os jogos têm sempre um objectivo colectivo - é por isso que são inventados, são uma forma de sobrepôr o interesse colectivo ao individual, indispensável ao progresso da sociedade humana - mas os
humanos fazem «batota» sempre que podem. Os humanos usam, tanto quanto podem, o
jogo da Economia, concebido para fazer evoluir a sociedade humana, para o seu
objectivo individual de enriquecimento, poder, protagonismo. Qualquer jogo
jogado por humanos carece de constante fiscalização, de árbitros, polícia e
justiça, que o mantenham a correr de acordo com as regras e objectivos, como
acontece com o futebol; porém, no que se refere à economia, isso tem sido mal
conseguido e os «batoteiros» dominam o jogo – tanto os «batoteiros» individuais
como os «batoteiros» a outras escalas – por exemplo, à escala dos países.
Os grandes accionistas das empresas cedo descobriram que
aumentavam os seus ganhos pessoais usando o dinheiro dos lucros não para pagar
dividendos mas na na forma de brutais ordenados pagos a si próprios, através
dos lugares que a sua posição de accionista lhes permitia ter. As acções, por
seu lado, em vez de valerem em função dos dividendos, passaram a ser bilhetes
para o casino da bolsa.
Com a globalização, os países entraram em competição entre si;
naturalmente, as políticas anti-monopólio anteriormente usadas para manter a
sociedade num desenvolvimento equilibrado perderam o sentido – com a
globalização a aposta dos Estados passou a ser ter empresas tão grandes quanto
possível para conquistarem o mercado mundial. Os campeões das políticas
“anti-trust”, os EUA, declararam o fim destas políticas. Os países entraram
verdadeiramente em guerra, agora uma guerra económica, e por isso querem que as suas empresas sejam o mais forte possível
Nesta guerra entre países, as grandes empresas deixaram de ser
«multinacionais»; passaram a ter um dono, uma pátria, para onde os seus lucros
são desviados. A Volkswagen não é do senhor A ou B, é dos alemães, a Fiat é
italiana, a Telefónica é espanhola, etc, etc. Podem existir participações de um
país em empresas doutro país apenas enquanto existir perpectiva de isso servir
para adquirir essa empresa – os italianos na Galp, por exemplo – ou então
quando dois países decidem cruzar as suas participações em duas grandes
empresas, numa política de alianças que de algum modo corresponde ao casamento
entre princípes da Idade Média.
O fim da ideia do
multinacionalismo empresarial corresponde na verdade ao fim de uma ideia de
globalização da economia a à passagem para o seu oposto, para uma guerra económica global; as
empresas deixaram de ser «globais» em relação a quem delas beneficia mas, ao
contrário, passaram a beneficiar especificamente este ou aquele país.
Um caso interessante é o BIC; é Português? Angolano? Brasileiro? Tem
capital das 3 origens e a sua pátria é… a língua portuguesa. O que tem de
interessante, para mim, é que aponta uma possível saída para a nossa situação,
antes a pátria da língua do que pátria nenhuma.
O facto de a bolsa estar a cair não é nenhuma surpresa; por um lado,
aplicar os capitais nas dívidas soberanos é o negócio do momento, já não é a
bolsa; mas por outro lado a bolsa cai porque os «países» vendem as acções que
têm nas empresas onde não há perspectivas de posse para aplicar o dinheiro onde
isso é possível, nomeadamente através do recente processo de «privatizações»
das empresas públicas dos PIGS.
As ditas «privatizações» mais não são do que aquisições de empresas de
serviço público de um país por outro país. A «privatização» da EDP é apenas a
nacionalização da EDP pela Alemanha. Ou seja, a EDP vai deixar de ser
portuguesa e vai passar a ser alemã.
Da mesma maneira, a «privatização» dos transportes públicos em Portugal
mais não vai ser do que a sua nacionalização pela França.
Reparem agora no seguinte: os transportes publicos davam prejuizo
porque o Estado impunha tarifas baixas; se o Estado permite tarifas altas,
passam a dar lucro; enquanto forem empresas publicas, a diferença entre uma
coisa e outra é que no primeiro caso os custos dos transportes públicos são
suportados também por pessoas que os não utilizam e no segundo recaem
exclusivamente sobre os utilizadores, mas em qq caso, o seu saldo ou déficit é
intrínseco às contas do Estado Português, ou seja, os portugueses pagam pelos
transportes públicos exactamente o que eles custam. Agora, se vão ser entregues
aos franceses, com tarifas altas para dar lucro, os portugueses vão andar a
pagar os transportes publicos para dar lucro aos franceses!!!! Os transportes
públicos vão sair mais caros aos portugueses; isto não é completamente
estúpido???? Não é «hipotecar o futuro dos nossos filhos»? Pior: vão fundir as empresas de transportes publicos numa única, criando um monopólio para ser entregue aos franceses!!! As pessoas ou pagam o que eles quiserem ou trazem o carro e pagam parque o dia todo!!
Este não é certamente o caminho que nos interessa; somos tão capazes de
gerir redes de transportes publicos como os franceses, não há razão nenhuma
para lhes entregarmos os nossos transportes publicos. Mais vale fazermos uma
«vaquinha» com brasileiros, angolanos, moçambicanos, cruzarmos participações,
eles participam nos nossos transportes e nós nos deles. Mais vale seguirmos o
exemplo do BIC.
Portanto, compreendamos: o que está em causa com o dito processo de
privatizações em curso não tem nada a ver com privatizações, tem a ver com a
nacionalização das nossas empresas públicas pela França e Alemanha.
Isto não sucede por acaso, não é ditado por simples razões económicas,
há uma razão profunda para esta ânsia que os franceses e alemães exibem para
nacionalizarem as empresas públicas dos PIGS; não é óbvio que esta insistência
nas «privatizações» das empresas de serviço público tem «água no bico»? O que é
que eles querem realmente com estas «pseudo-privatizações» que não passam de
nacionalizações mascaradas?
(ainda não foi agora que revelei o plano desses artistas que querem pôr
a nossa bandeira a meia –haste, convencidos que estão que já somos só
“meio-país”, a outra metade já é deles; um pouco mais de paciência, é que temos
de compreender muito bem a tramóia toda)
sexta-feira, setembro 02, 2011
O maquiavélico plano Franco-Alemão (5)
O que até as porteiras em França sabem
Imaginem um casal de agricultores; têm uma pequena quinta, árvores de
fruta, hortícolas, cabras. Todo o ano trabalham na quinta. Têm alguns
utensílios e uma carrinha que compraram a crédito. Consomem parte do que
produzem, outra parte vendem. Compram adubos, medicamentos para eles e para os
animais, produtos alimentares que não produzem, roupa, têm despesas com a
carrinha, pagam electricidade e água, etc.
O resultado do seu trabalho, de todo o seu trabalho, incluindo as
reparações na casa, a valorização que pode ter ocorrido da quinta, corresponde
grosso modo ao conceito de PIB; a diferença entre o que venderam e o que
pagaram corresponde grosso modo ao saldo da sua balança de pagamentos.
Suponhamos agora que eles precisam de comprar um pequeno tractor e vão
ao banco pedir um empréstimo; em que é que se baseia o banco para conceder ou
recusar o empréstimo?
No valor do seu PIB?
Na dívida que eles ainda têm para pagar dos empréstimos anteriores?
A primeira coisa que interessa ao banco é o saldo da sua balança de
pagamentos mais a valorização da sua propriedade; se a soma das duas coisas é
negativa, ou seja, se a propriedade se desvalorizou e o saldo é positivo mas
menor que a degradação da propriedade, ou se a propriedade se valorizou mas o
saldo é mais negativo do que a valorização, ou se ambas as coisas são
negativas, sem perspectivas de se tornar positiva nem mesmo com o novo tractor,
a resposta é negativa, qualquer que seja o montante do PIB e por mais insignificante
que seja a dívida anterior.
Isto é exactamente o que se passa com a economia dos países.
O montante da dívida pública é irrelevante em si mesmo; o que conta é a
capacidade do país em produzir riqueza que chegue para pagar os seus juros; ou
seja, o que conta é, grosso modo, o saldo da balança de pagamentos adicionado à
variação do PIB.
Se um país tem um saldo da balança de pagamentos negativo e um PIB que
não cresce, evidentemente que está a empobrecer, logo não vai conseguir pagar
as suas dívidas. Não interessa se as dívidas são muitas ou poucas, ele não vai
conseguir pagar os juros da dívida que tem, pelo contrário, vai precisar de
pedir mais dinheiro emprestado para tapar o seu saldo negativo.
Ora Portugal tem um saldo da balança de pagamentos altamente negativo e
um PIB que não cresce; evidentemente que não vai poder pagar as suas dívidas,
nem a pública nem a privada. Não interessa para nada se a dívida é grande ou
pequena, a única coisa que interessa é saber se a economia tem um desempenho
positivo ou negativo.
Daqui é fácil concluir que é completamente indiferente que a dívida
pública cresça 5 % ou 1% ou diminua; enquanto o desempenho da economia for
negativo, não há mais empréstimos!
Suponhamos agora que se descobre petróleo na costa portuguesa e que
isso perspectiva que a balança de pagamentos se torne altamente positiva; como
é evidente, não faltará quem queira emprestar dinheiro ao estado, não interessa
qual seja o valor da dívida pública. Como vêm, o montante da dívida pública, por
si só, é irrelevante.
Suponhamos que passamos dois anos a apertar o cinto, que o Estado vende
as empresas públicas todas, despede os boys todos, fecha os centros de saúde
todos, vende a Madeira aos espanhóis e os Açores aos americanos, e com isso
tudo consegue o feito impensável de reduzir a dívida pública a metade; como
reagirão os mercados?
Aumentando os juros porque o resultado disso é que a economia do país
ficou pior, o país desvalorizou e o saldo da balança de pagamentos só se
agravou pela certa.
Portanto, a única coisa que vai fazer diferença daqui a dois anos não é
se o governo cumpriu ou não as metas do déficit público; o que vai fazer a
diferença é se o país se valorizou (aumentou o PIB) e se o saldo da balança de
pagamentos está positivo.
Ora nada disso vai acontecer com as actuais medidas. E isto qualquer
porteira em França sabe. Em França e em qualquer parte do mundo. Toda a gente
sabe que o que conta é se se produz mais do que se gasta ou não. É por isso que
os franceses, ou os alemães, ou os ingleses, querem saldo positivo nas contas
da sua região, é por isso que são altamente regionalistas e tomam as medidas que
forem necessárias para o conseguir. E desprezam aqueles, como os Portugueses,
que o não fazem.
Mas, dirão vocês, se o Estado cortar as suas despesas e aumentar as
suas receitas, fica em condições de pagar a dívida pública; então porque hão-de
os juros continuar a subir? Qual é o problema?
Reparem no seguinte: se a balança de pagamentos é deficitária, a dívida
do país tem de aumentar; mas quem vai emprestar dinheiro à banca de um país
deficitário? A banca vai ter grandes dificuldades de crédito, como está a ter;
então, vai dar menos crédito; ora se a balança de pagamentos está negativa é
porque pessoas e empresas estão a viver do crédito e, reduzindo-se este, vão
falir. Então, o desemprego vai aumentar, estoirando com as contas da segurança
social, e as pessoas vão deixar de pagar os empréstimos que contraíram, o que
significa que a banca vai falir; de repente todos os empréstimos às empresas,
para compra de habitação, para compra do carro, etc, vão passar a «activos
tóxicos», vão dizer que a culpa é da ganância dos banqueiros e com isso vão
justificar a falência generalizada da banca nacional.
Com o saldo da balança de pagamentos negativo, o país inteiro vai
falir.
Mas se assim fosse, perguntam vocês desconfiados, então porque é que
estão a tomar estas medidas? São todos ignorantes? Não sabem o que andam a
fazer?
Claro que sabem! Sabem desde que a União Europeia foi criada, este
desígnio estava traçado desde o primeiro momento, como os economistas fora da
Europa se têm fartado de dizer. O que agora estão a fazer é apenas a executar a
fase final do maquiavélico plano, que compreenderemos claramente no próximo
post.
quinta-feira, setembro 01, 2011
O maquiavélico plano Franco-Alemão (4)
A escravatura moderna
Nos post
anteriores fomos dando pinceladas no quadro da escravatura; vejamos agora como
ficou a nossa pintura.
Definimos
“escravo” como a pessoa que trabalha a troco da sobrevivência, expurgando a
definição de conceitos acessórios como o uso da violência, meros instrumentos
para atingir para atingir esse objectivo económico.
Nas latitudes
médias, a sobrevivência sempre foi algo que exigiu bastante esforço devido às
condições climáticas; por isso não admira que nas grandes civilizações do
passado não tenho sido necessário grande violência para fazer as pessoas
trabalharem pela sobrevivência – apenas em vez de trabalharem para eles
próprios, trabalhavam para outrem. A época dos caçadores-recolectores já tinha
terminado, a sobrevivência exigia a agricultura. De certa forma, os humanos da
europa já estavam «domesticados», usando uma ideia do Manuel Gouveia.
Já com os
africanos ou com os índios a questão foi diferente: a sua sobrevivência não
resultava do trabalho agrícola, e ser escravo
implicava fazer uma coisa – trabalhar - que não pertencia à sua cultura nem era
considerada digna. O uso e abuso da força foi a solução para domar esses
humanos.
Com a proibição
do uso da violência, a solução para obter escravos foi procurar pessoas abaixo
do limiar de sobrevivência e oferecer-lhe esta a troco de trabalho.
Portanto, o
método ideal para obter escravos é recorrer a pessoas sem recursos para
sobreviverem, pois estas agradecem a possibilidade de serem escravos, no
sentido acima definido. Naturalmente que o pagamento nunca pode passar do nível
de sobrevivência, pois se isso acontecer as pessoas começam a ter poder
reivindicativo e a exigir melhor pagamento; nos processos de escravatura há uma estratégia definida para garantir que isso não acontece.
O desenvolvimento
industrial criou uma nova dificuldade: as pessoas tinham de ter recursos para
comprar os bens produzidos, logo não podiam ser escravos, tinham de ganhar mais
do que o necessário à sobrevivência.
A solução foi ir
buscar pessoas a locais onde a sobrevivência não estava garantida. Nascia a
Imigração promovida pelos governos.
A necessidade de pressionar o desenvolvimento das sociedades levou à
tomada de medidas igualitárias, como o estabelecimento do ordenado mínimo; este
tinha de acompanhar o enriquecimento da sociedade, não era o ordenado do
escravo. Os imigrantes deixaram de poder ser escravos. Acabou a imigração
legal.
Se já não era possível ter escravos no próprio país, a solução teria de
ser a deslocalização das fábricas – que teriam de ir para as zonas onde
existiam pessoas sem condições de sobrevivência e aí aplicar estratégias que
não dessem outra alternativa às pessoas que não fosse trabalhar pela mera
sobrevivência.
Esta é uma solução fácil para pequenas empresas e tem sido amplamente
utilizada nos países em vias de desenvolvimento; por exemplo, no Brasil, cerca
de 20 000 pessoas foram retiradas pelas autoridades, na última década e meia,
de esquemas destes; em todo o mundo existem dezenas de milhões de pessoas em trabalho escravo, a grande maioria sendo a consequência directa e necessária duma natalidade descontrolada.
Porém, as grandes fábricas são grandes investimentos e que carecem de
uma logística complexa; nas zonas tão atrasadas que não conseguem garantir a
sobrevivência da sua população, essas condições não existem normalmente.
Surgiu então uma oportunidade única: mercê de um engenhoso, genial,
corajoso sistema económico, com dupla moeda e câmbio gerido internamente, um
sistema que o ocidente não parece ter compreendido (ou finge não compreender) e que exporei se tiver
oportunidade, a China conseguiu reduzir os custos de produção em moeda
ocidental para muito menos de 1/10 – uma redução “artificial” porque decorrente
do processo cambial, não representativa do nível de vida que foi assegurado aos
chineses.
A China foi um el-dorado para as fábricas; mas um el-dorado a prazo. O
projecto da China visa o desenvolvimento da China, os chineses fazem as regras
que lhes convêm, (tal como os americanos, os alemães e os ingleses), não andam
a reboque dos interesses dos outros.
Assim, por exemplo, a Volkswagen, que tem um enorme investimento na
China, teve de formar empresas em que a maioria do capital é chinês e que
terminam em 2030. Doutra forma não punha o pé na China.
Esta gestão inteligente dos interesses chineses produziu um enorme
desenvolvimento da China que tornou esse sistema de duplo câmbio obsoleto; os
ordenados estão a subir rapidamente e os gestores da Volkswagen espremem as
meninges à procura de uma maneira de encontrar mão-de-obra ao preço da
sobrevivência. Não é fácil, porque todos os países com organização suficiente
para suportar uma indústria automóvel visam o seu desenvolvimento, o que
significa que os ordenados crescem, e rapidamente se afastam do mínimo de
sobrevivência; é o que acontece no Brasil.
Os EUA resolveram este tipo de problema instalando as suas fábricas no
norte do México; devido à falta de controlo da natalidade, o México parece ser
uma fonte de mão-de-obra ao custo da sobrevivência que tão depressa não se
esgotará; ao instalar as suas fábricas junto à fronteira americana, os EUA como
que criaram aí uma zona que funciona segundo a sua organização mas dispondo
dessa mão-de-obra barata oriunda doutras zonas do México.
Notem que os EUA não estão a explorar os mexicanos; se existem
mexicanos dispostos a ser escravos, a responsabilidade é dos próprios
mexicanos.
A Europa não tem hipóteses de uma solução deste tipo, pelo menos
enquanto as pessoas dos países vizinhos tiverem uma cultura diferente; então
como podem as empresas alemãs conseguir mão-de-obra ao preço da sobrevivência,
isto é, escravos para as suas fábricas, numa solução em que a situação de
escravatura se prolongue no tempo, de forma estável, como acontece com a
solução americana?
Agora temos quase todos os elementos para compreendermos a estratégia franco-alemã; só falta uma coisa, aquilo que até as porteiras em França sabem; é isso
que veremos no próximo post.
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