quinta-feira, agosto 19, 2010
Crença
A Crença marca-nos o rumo, faz-nos saber para onde ir e, mais do que isso, dá-nos uma razão para existirmos, para nos movermos, uma causa para activar as nossas glândulas; a Crença, qualquer Crença, faz-nos bater o coração mais forte, faz-nos saber que estamos vivos.
Precisamos pois da Crença como precisamos do Ar para respirar.
Muitas são as Crenças; para uns, a Crença primeira é a sua Religião; para outros, a Pátria! Outros elegem a Ciência, outros a Terra. Depois, há outros que têm horizontes não tão vastos –a Tribo, a Família, o Património... ou o seu Status... e ainda há aqueles cuja Crença são eles próprios... Bem, mas não é destas Crenças de horizontes muito particulares que venho falar, mas das primeiras.
Todas as pessoas com essas Crenças têm uma Crença em comum: crêem que o Ser Humano deve estar subordinado a um Conceito, seja ele o Deus, a Pátria, a Ciência, a Terra, a Família. E isto coloca-as em conflito com as pessoas que têm uma outra Crença: as pessoas cuja Crença é o Ser Humano.
Quem crê no Humano não despreza os outros conceitos; pelo contrário, dá-lhes a maior importância, pela utilidade que eles podem ter para o Humano; mas nunca inverte esta prioridade.
Há já algum tempo, anos, vi na televisão um padre muito conhecido, do norte, conhecido por ter ideias não inteiramente alinhadas com os usos e costumes modernos, afirmar que a Religião estava ao serviço do Homem, não o contrário. Uma heresia para muitos...
As Religiões, como Pátria, Família, Ciência, são criações do Humano para o seu serviço, não o contrário.
Não pensem que esta é uma questão menor; vejam que quando nos chocamos com certos hábitos de certas culturas árabes estamos simplesmente a confrontar-nos com sociedades onde a crença na Família se sobrepõe à crença no Humano; como acontece na China tradicional e como acontecia entre nós há menos de um século. E vejam como as crenças na Pátria ou na Religião têm estado na base de grandes conflitos. Não significa isto que elas sejam más em si mesmas, apenas que o seu lugar na hierarquia das crenças não pode ser o primeiro e quem luta por uma sociedade melhor, ou seja, quem crê na Humanidade (que é diferente de crer no Humano) tem de lutar para as subordinar ao Humano.
A predominância dessas crenças sobre o Humano é uma herança dos tempos da sobrepopulação - sempre que o número de pessoas excede os recursos, a vida humana perde o valor; foi quase sempre assim ao longo de toda a história da Humanidade, excepto em fugazes momentos em que alguma inovação tecnológica ou mudança climática ou epidemia melhorou o rácio recursos/população; nessas ocasiões, a vida humana recuperou o seu valor e surgiram avanços civilizacionais.
As pessoas que crêem no Humano tornam-se muitas vezes escritores; a sua escrita é dedicada à sua Crença. A sua escrita fala do Humano. Fala de nós. É o nosso retrato. E por isso que gostamos deles. Excepto, é claro, os que não crêem no Humano mas na Religião, Pátria, Família, etc.
Um destes escritores bem conhecido é o Saramago; mas há mais – como o nosso irreverente Implume. Há dias conheci mais um, o Mia Couto. Foi uma prenda do UFO: sem mais, ofereceu-me o livro Terra Sonâmbula. Para levar para Melmac.
Obrigado UFO. Um dos livros mais importantes que já li.
Etiquetas:
Os Humanos,
Sociedade
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